O cansaço mental pode favorecer comportamentos mais impulsivos e até mesmo agressivos, segundo uma pesquisa publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). O estudo mostra que, depois de realizarem atividades cognitivas que exigem muito esforço por tempo prolongado, determinadas regiões do cérebro se esgotam e passam a se comportar como se estivéssemos dormindo. Esse fenômeno, conhecido como “sono local”, afeta áreas do córtex frontal responsáveis por ações executivas, como a tomada de decisões.
No estudo, conduzido por pesquisadores italianos, foram feitos dois experimentos. Um grupo de pessoas foi solicitado a realizar atividades cognitivas que exigiam atenção durante uma hora. Em seguida, os participantes jogaram jogos que envolviam tomar decisões sobre cooperação e agressão. A taxa de cooperação caiu de 86% para 41% entre aqueles que estavam mentalmente exaustos, em comparação com o grupo controle, que não passou pelas tarefas de fadiga.
Durante o experimento, eletrodos foram usados para medir a atividade elétrica cerebral dos voluntários. Os pesquisadores identificaram a presença de ondas delta e theta no grupo em que houve o esgotamento mental. Essas ondas, de frequência mais lenta, são características de uma fase específica do sono profundo — conhecida como sono NREM — e não deveriam aparecer quando estamos acordados.
Um grupo maior de participantes repetiu a parte comportamental do mesmo experimento e também foram observados comportamentos mais impulsivos e agressivos após passarem pelo processo de fadiga mental.
Efeito do cansaço no cérebro
Quando estamos despertos e atentos, recebemos estímulos externos a todo instante, o que provoca um aumento da atividade elétrica neuronal. Por exemplo, quando escutamos um barulho, o cérebro direciona a atenção para esse estímulo auditivo, mas, ao mesmo tempo, também busca processar todas as informações sobre o que está sendo visto, cheirado e tocado. Isso faz com que a frequência elétrica medida pelo eletroencefalograma seja alta.
Durante o sono é diferente. Como há menos estímulos, essa atividade elétrica diminui, especialmente na fase do sono profundo, conhecida como NREM. O que os pesquisadores identificaram foi a existência desse fenômeno em pessoas acordadas, um processo conhecido como “sono local”. Ou seja, embora despertos, os voluntários tinham certas regiões cerebrais “adormecidas”, impactando na tomada de decisões.
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A autora principal do estudo, Erica Ordalli, neurocientista e pesquisadora da Universidade de Florença, explica que a tomada de decisões envolve diferentes partes do cérebro, especialmente o córtex frontal, mas também outras regiões especializadas e responsáveis por atividades muito precisas. O estudo induziu a fadiga mental nas áreas encarregadas por controle de impulsos e regulação emocional.
“Se essas áreas (do cérebro) estão ‘adormecidas’, a pessoa pode ter mais dificuldade em controlar uma resposta emocional impulsiva, como responder agressivamente a alguém, o que por sua vez altera seus processos de tomada de decisão, favorecendo a agressividade”, diz.
Segundo a pesquisadora, não há um tipo de atividade específica que leve ao esgotamento mental e qualquer tarefa cognitiva que demande muita atenção pode esgotar os recursos se exigir concentração extrema por um período prolongado. “Um dia de trabalho intenso com várias reuniões longas e pouco tempo para passar de uma tarefa para outra pode ter um efeito semelhante no cérebro”, afirma Erica.
Por isso, é recomendável realizar pausas entre as tarefas para que o cérebro se recupere. “Não é necessário muito tempo, 10 minutos podem ser suficientes; o importante é se distrair das tarefas e fazer outra coisa.”
Como evitar a fadiga mental
John Araujo, neurocientista e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia Comportamental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que o que corrobora para o processo de fadiga é o fato de haver atenção direcionada a uma única atividade.
“Na hora que eu crio uma atenção direcionada para um determinado fenômeno, por exemplo, numa sala de aula, ou prestar atenção no computador, numa tarefa ou num jogo, os neurônios frontais são direcionados para aquela função e isso promove uma fadiga frontal”, afirma.
Ele acrescenta que por isso é tão comum passarmos horas mexendo no celular, nas redes sociais, sem percebermos. Como somos hiperestimulados por inúmeros conteúdos a cada segundo, é como se estivéssemos “resetando” e começando tudo de novo com nosso córtex frontal. Não nos cansamos porque não mantemos a atenção direcionada para aquilo, explica.
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Para Fernando Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a mudança no comportamento neuronal devido à fadiga mental se assemelha ao que acontece com o cérebro depois de uma noite de sono maldormida.
“O estudo identificou alterações em algumas das regiões que são afetadas com a privação de sono e que são muito relevantes para o comportamento. Quando a gente dorme mal, o pré-frontal não funciona de maneira adequada e nós ficamos mais impulsivos e irritadiços, podendo interferir nas relações sociais”, explica. O pesquisador aponta que uma boa noite de sono é fundamental para a recuperação e metabolização de substâncias pelo cérebro, garantindo seu bom funcionamento durante o dia.
Por causa disso, Araujo acredita que a rotina de trabalho de grande parte dos brasileiros, com várias horas diárias gastas no trânsito e jornadas de cinco a seis dias por semana, reduz o tempo de sono e favorece o processo de fadiga frontal durante as atividades cognitivas no dia a dia. “A tendência é ter comportamentos impulsivos, porque a capacidade de tomar decisão, de autoavaliação, de autocontrole, está reduzida. Isso pode fazer com que a pessoa se torne mais violenta no trânsito, mais agressiva na conversa com o outro”, diz.
Embora não haja uma definição exata do tempo limite de concentração antes do estado de fadiga mental, ele estima que seja em torno de 20 a 30 minutos. O ideal é fazer pausas depois desse período de tempo focado numa tarefa, para que o cérebro se recupere e volte a focar. O problema, de acordo com Araujo, é que a maioria das pessoas não respeita esse limite. “Por causa da fadiga mental, a pessoa acaba perdendo o autocontrole e a capacidade de perceber que precisa fazer pequenas pausas durante a jornada de trabalho.”
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