BRASÍLIA – A longa fila para receber a vacina da covid-19 levou uma série de entidades que representam trabalhadores ou pacientes a tentar garantir doses mais cedo. A lista de pedidos de antecipação é variada. Há desde representantes de pessoas com deficiência, portadores de HIV, a sindicatos de bancários e de jornalistas. Mesmo se forem incluídos como grupos prioritários no plano nacional de imunização, porém, há uma ordem de vacinação.
Especialistas afirmam que não há problema em ampliar a lista de prioridades, desde que as vacinas cheguem antes a grupos de maiores risco ou de trabalhadores essenciais. A versão mais recente do planejamento do governo federal, publicada na segunda-feira, 25, estima que os grupos prioritários, que incluem desde profissionais de saúde a caminhoneiros (veja lista completa abaixo), somam cerca de 77,22 milhões de pessoas. Na primeira leva de imunizantes distribuídos no País, foram priorizados profissionais da saúde, idosos, pessoas com deficiência e indígenas. Ainda dentro dos “primeiros da fila”, há prioridades. Por exemplo, a orientação é vacinar antes médicos e enfermeiros que atuam na linha de frente do combate à covid-19 e idosos que vivem em asilos.
Os pedidos de prioridade na vacinação são feitos ao Ministério da Saúde e aos governos locais, que têm autonomia para estabelecer ordens próprias de vacinação. Os médicos peritos federais, por exemplo, fizeram pedidos a governadores e prefeitos para entrar nesta lista. Servidores do INSS também desejam esse espaço. As justificativas costumam ser parecidas: exercer uma atividade essencial que requer contato com outras pessoas.
No caso do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), o pedido é para imunizar antes os coveiros, que podem ficar expostos à doença diante do número crescente de mortos pela covid. Já a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) orientou os sindicatos locais a procurarem governos estaduais para também receberem antes a vacina. As atividades jornalísticas estão na lista das que foram consideradas essenciais durante a pandemia.
Para entrar na frente da fila vale até mesmo apelar à cúpula do Palácio do Planalto. O ministro da secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, recebeu em dezembro representantes da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A entidade pediu para priorizar a imunização trabalhadores do setor e ofereceu os supermercados como local para aplicação das doses.
A estratégia difere de acordo com a entidade. A Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA) e a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac) enviaram ofício ao Ministério da Saúde solicitando a prioridade na imunização. No Mato Grosso do Sul, a Associação de Bares e Restaurante (Abrasel) pede para entrar no plano local. O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) também tenta incluirem planos regionais a categoria.
A Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) espalhou pedidos ao governo federal, prefeitos e governadores para garantir a vacinação de bancários. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, também recorreu ao vizinho Ministério da Saúde solicitando a imunização de seus funcionários.
Já o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foi à Justiça para antecipar a imunização na população em situação de rua em São Paulo. O grupo está no plano nacional, mas ainda não há previsão de quando será vacinado.
Até agora, no entanto,poucos pedidos foram atendidos.A Confederação Nacional de Transporte (CNT) conseguiu incluir profissionais do transporte entre grupos prioritários, como caminhoneiros, portuários e servidores de empresas de transporte coletivo. Os professores estão na lista de prioridades, mas sem data definida para a vacinação. Diversas entidades pedem para que sejam antecipada a imunização deste grupo.
Mas não são só categorias de trabalhadores que querem ser imunizados antes. A Aliança Nacional LGBTI+ pede que pessoas que vivem com HIV recebam antes a vacina. A entidade argumenta que o mesmo ocorre na campanha de imunização para gripe e que a contaminação pela covid-19 poderia agravar o quadro de saúde de pacientes com a imunidade mais baixa.
A Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) pede priorização de pessoas com deficiência intelectual e múltipla. No plano atual, fazem parte do grupo de risco as pessoas com deficiência que vivem em residências inclusivas ou aquelas que tem deficiência permanente grave.
Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a epidemiologista Carla Domingues, não vê problema em inserir novos grupos prioritários, como os caminhoneiros.“Quanto mais brasileiros forem vacinados, melhor, lembrando que eles viajam pelo Brasil todo e podem levar a doença”, disse ela ao Estadão.
A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel afirma que o grupo prioritário ainda precisaria ser ampliado. "Essa estimativa populacional (da versão mais recente do plano) não é nem 50% da população. Essas contas precisam ser refeitas. Mais grupos precisam ser incluídos, pois não daria para atingir a imunidade de rebanho." Ela sugere a inclusão de pessoas com câncer, além de outros trabalhadores essenciais, como da cadeia produtiva de alimentos, dos supermercados e das farmácias. "Ampliar até chegarmos a mais de 150 milhões de pessoas". No plano, o ministério estima que teria de vacinar 70% da população, pelo menos, para chegar a uma imunidade coletiva.
Procurado, o Ministério da Saúde não informou sobre quantos pedidos recebeu para priorização no plano nacional. A pasta tem dito que o plano é "dinâmico" e que Estados e municípios têm autonomia para definir os grupos próprios, mas recomenda seguir a orientação nacional.
Câmara dos Deputados. Deputados federais também tentam inserir grupos no plano nacional. Até agora, nenhum projeto de lei deste tipo foi aprovado. Ricardo Silva (PSB-SP) pede prioridade aos bancários. Já Luiz Carlos Motta (PL-SP), para trabalhadores do comércio.
O deputado Célio Studart (PV-CE) apresentou, em dezembro, projeto de lei para incluir agentes de segurança pública, profissionais de transporte público, pessoas com deficiência e seus tutores, além de mulheres chefes de famílias monoparentais.
Ainda em maio de 2020, o deputado Helder Salomão (PT-ES) pediu para que profissionais da imprensa e da educação fossem priorizados em campanhas de imunização, incluindo da covid-19. A deputada Rejane Dias (PT-PI) quer antecipar a vacinação para pessoas com deficiência.
‘Fura-fila’
Além de categorias que tentam antecipar a imunização, as primeiras semanas de aplicação das doses registraram “fura-filas”. Políticos, profissionais recém-nomeados e até um chefe de um setor de informática e um fotógrafo estão entre as pessoas que já receberam a vacina, o que rompe com acordo firmado entre União, Estados e municípios. Os casos são investigados pelo Ministério Público de ao menos oito Estados, como mostrou o Estadão.
Em dezembro de 2020, um grupo de promotores do Ministério Público de São Paulo pediu para a categoria ser incluída em uma das "primeiras etapas prioritárias" da vacinação da covid, "dada a atividade funcional da carreira".
Antes da vacinação, ainda houve tentativas de receber doações ou de comprar doses das vacinas de Oxford, distribuídas pela Fiocruz, e da Coronavac, entregue no País pelo Butantan.
Os dois laboratórios públicos negaram pedidos de prioridade no acesso às doses ao Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). Também recusaram pleitos de prefeituras como de Barbacena (MG), Pombal (PB) e São Fidélis (RJ).
QUEM SÃO OS GRUPOS PRIORITÁRIOS DA VACINAÇÃO DE COVID-19
(População estimada do grupo prioritário)
Pessoas com 60 anos ou mais institucionalizadas - 156.878
Pessoas com Deficiência Institucionalizadas- 6.472
Povos indígenas Vivendo em Terras Indígenas - 410.197
Trabalhadores de Saúde - 6.649.307
Pessoas de 80 anos ou mais - 4.441.046
Pessoas de 75 a 79 anos - 3.614.384
Povos e Comunidades tradicionais Ribeirinha - 286.833
Povos e Comunidades tradicionais Quilombola - 1.133.106
Pessoas de 70 a 74 anos - 5.408.657
Pessoas de 65 a 69 anos - 7.349.241
Pessoas de 60 a 64 anos - 9.383.724
Comorbidades - 17.796.450
Pessoas com Deficiências Permanente Grave - 7.744.445
Pessoas em Situação de Rua - 66.963
População Privada de Liberdade - 753.966
Funcionário do Sistema de Privação de Liberdade - 108.949
Trabalhadores de Educação do Ensino Básico - 2.707.200
Trabalhadores de Educação do Ensino Superior - 719.818
Forças de Segurança e Salvamento - 584.256
Forças Armadas - 364.036
Trabalhadores de Transporte Coletivo Rodoviário de Passageiros - 678.264
Trabalhadores de Transporte Metroviário e Ferroviário - 73.504
Trabalhadores de Transporte Aéreo - 64.299
Trabalhadores de Transporte de Aquaviário - 41.515
Caminhoneiros - 1.241.061
Trabalhadores Portuários - 111.397
Trabalhadores Industriais - 5.323.291
Total - 77.219.259
Fonte: Programa Nacional de Imunizações / Ministério da Saúde
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