Após várias especulações e muitos estudos sobre o horário de verão, o Ministério de Minas e Energia (MME) concluiu, nesta quarta-feira, 16, que não há necessidade de retomada do horário de verão para este ano. Historicamente, a medida foi justificada como uma forma de economizar energia, buscando alinhar as atividades do dia a dia às horas de luz natural. No entanto, pesquisadores de cronobiologia, área que estuda os ritmos biológicos do corpo, sugerem que a alteração no chamado ritmo circadiano pode proporcionar impactos negativos na saúde e no bem-estar — por isso, eles comemoraram a decisão do governo.
Na opinião de John Araújo, pesquisador em cronobiologia e professor do Departamento de Fisiologia e Comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a resolução representa um alívio. Ele destaca que, em anos anteriores, metade dos brasileiros teve dificuldade de adaptação ao horário alterado, sofrendo durante os meses de sua vigência. “Nós, cientistas, estamos há tempos tentando mostrar que se trata de uma mudança mais maléfica do que benéfica. Por isso, consideramos que a não implementação do horário de verão é uma vitória das evidências”, destaca.
Para o cronobiologista Tiago Andrade, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a decisão de não retomar o horário de verão é correta, ainda que ele não tenha certeza sobre as motivações que sustentam a escolha. “Não dá pra ter certeza se a medida foi suspensa por razões de saúde pública, uma questão que, para nós, cientistas, é fundamental”, diz Andrade.
Ele ressalta que o impacto negativo do horário de verão na saúde é amplamente reconhecido internacionalmente, com várias associações científicas se posicionando contra a mudança no relógio, como a Associação Médica Americana e a Academia Americana de Medicina do Sono.
Em setembro deste ano, Araújo e Andrade, junto a outros 26 especialistas da área de cronobiologia, assinaram um manifesto contra a medida. O documento, que envolve instituições como Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que os ritmos biológicos humanos estão profundamente conectados ao ciclo natural de luz e escuridão, regulando de forma automática funções essenciais como sono, apetite e até mesmo o humor.
A introdução do horário de verão, porém, tornaria essa sincronização confusa, forçando o organismo a se reajustar a um novo “horário social”. O sono, por exemplo, têm conexão importante com os sistemas imunológico e hormonal, além de influenciar na saúde mental. Quando o descanso é desregulado, ficamos sujeitos a impactos prejudiciais. “Esse processo de adaptação nem sempre é fácil. Enquanto algumas pessoas conseguem se ajustar, outras permanecem fora de sintonia, o que pode gerar ou piorar problemas de saúde”, diz um trecho do documento.
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Conforme explica Araújo, os resultados da mudança no relógio podem ser imediatos ou a longo prazo. “A sonolência diurna é um dos primeiros efeitos que percebemos, principalmente na primeira semana de adaptação. Isso aumenta o risco de acidentes de trânsito, domésticos e no trabalho”, aponta. Ele ressalta que, com o tempo – e a ampliação do horário de verão para outros anos –, pessoas que não conseguem se ajustar ao novo horário podem apresentar problemas mais sérios, especialmente as com doenças pré-existentes, como doenças cardiovasculares e transtornos mentais.
No manifesto, os estudiosos mencionam um estudo realizado em 2017 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que abordou a forma como lidamos com a transição de horário. A pesquisa, baseada em questionários online, analisou as respostas de mais de 1.200 participantes sobre seus horários habituais de dormir e acordar, perguntando também sobre a chegada do horário de verão. A conclusão: mais de 50% dos entrevistados relataram passar por algum tipo de desconforto até o relógio voltar ao normal.
Apesar da decisão, Andrade afirma que as preocupações ainda existem, já que há a possibilidade de a medida ser retomada em 2025. “Me parece que ainda não há conscientização sobre os impactos negativos, tanto da população quanto das autoridades”, analisa o cronobiologista. “Por um lado, a decisão é positiva. Por outro, é importante saber se isso está sendo feito com argumentos pertinentes ou se, no ano que vem, precisaremos atualizar o nosso manifesto ou lançar outro”, destaca.
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