Está na hora de fazer terapia? Como dar o primeiro passo

O Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade e o 5º em casos de depressão, segundo a OMS; buscar ajuda profissional não é sinal de fraqueza

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Terapia é coisa de louco ou de gente fraca. Pensamentos como esse são um obstáculo à prática de psicoterapia, que pode ser uma forte aliada na saúde mental das pessoas. Um profissional preparado para conduzir tratamento psicológico pode apoiar uma pessoa na busca de autoconhecimento, bem-estar, enfrentamento de desconfortos emocionais e resolução de problemas do cotidiano, além de tratar transtornos mentais. 

“Ainda há preconceito em relação à psicoterapia. Algumas pessoas temem ser vistas como desajustadas ou incompetentes para resolver por si só suas dificuldades”, diz Maria Cristina Petroucic, professora de Psicologia da PUC-SP. “Qualquer pessoa que se sinta aflita, ansiosa, angustiada e que perceba que não consegue resolver questões pessoais sozinha pode procurar ajuda de um psicoterapeuta.”

O Brasil é o país com maiores taxas de transtornos de ansiedade do mundo; muitos brasileiros se beneficiariam da terapia Foto: Catarina Bessell

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Muitos brasileiros se beneficiariam da psicoterapia: somos o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade e o quinto em casos de depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2017, eram 19 milhões de brasileiros que sofriam de transtorno de ansiedade, situação que deve ter se agravado durante a pandemia. Em comparação com outros dez países, o Brasil foi o com maior índice de ansiedade e depressão na pandemia, em pesquisa liderada pela Universidade Estadual de Ohio, nos EUA. “Vários problemas sociais e pessoais vieram à tona. As pessoas ficaram fragilizadas de diversas maneiras, a depender dos acontecimentos que as atingiram e dos recursos pessoais e do apoio que receberam”, observa a professora. 

O empresário Carlos Eduardo Murayama, de 36 anos, viu o seu negócio parar na pandemia, mas o tratamento psicoterapêutico iniciado em 2019 o ajudou a enfrentar o furacão. “Com a terapia, percebi o que me causava ansiedade. Também aprendi a me abrir e a falar das minhas dores. Não sofro calado mais”, diz. O aprendizado o ajudou a melhorar o relacionamento com a mulher e o filho. “Na pandemia, apesar das dificuldades no trabalho, pude me aproximar mais deles. Hoje sou uma pessoa melhor do que quando comecei a terapia”, avalia, após passar por três psicólogos de diferentes abordagens, até encontrar um com quem tivesse afinidade.

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O profissional de saúde mental, geralmente um psicólogo, conduz as sessões de terapia, que podem ser individuais, em casal ou em grupo. Ele precisa ter profundo conhecimento para coordenar um processo complexo. Mas o formato mais comum de consulta é simples: uma conversa sigilosa, sem censura ou julgamentos. A fala é uma das principais formas de fazer essa interlocução, mas os profissionais também podem explorar outros recursos como desenhos, brincadeiras, encenações e movimentos corporais para que o paciente entre em contato com suas questões, dores e desejos e buscar caminhos para amenizar seus sofrimentos, dificuldades e angústias.

"Com a terapia, aprendi a me abrir e falar de minhas dores. Não sofro calado mais", diz o empresário Carlos Eduardo Murayama Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A psicóloga Yara Kilsztajn, por exemplo, costuma atender casais e pedir-lhes que façam colagens com pedaços de revista ou simulem que são uma “estátua” para que possam observar um ao outro – entre outras propostas que vão além da conversa. “Há diversas formas de trazer para a consciência a dor de cada um”, diz Yara, que segue a linha da psicologia junguiana, também chamada de analítica. 

Recode de divórcios

O número de divórcios bateu recorde histórico nos cincos primeiros meses de 2021, segundo o Colégio Notarial do Brasil, que representa mais de 9 mil cartórios do País. Yara observou no seu consultório um crescimento de conflitos entre casais na pandemia, causados ou agravados por motivos como convivência restrita e por mais tempo e poucos recursos de prazer, além das tensões da própria crise sanitária e econômica.

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“Sem distrações, os casais foram forçados a olhar para o que não estava bom no relacionamento”, lembra a psicóloga. Ela recomenda a terapia de casal quando há frieza e distância entre os dois. Ou em momentos críticos como a chegada ou partida dos filhos, que exigem uma reorganização de papéis e rotinas. “Eu não tenho um pozinho mágico que resolva tudo. A terapia é um espaço de autoconhecimento”, explica.

Eu não tenho um pozinho mágico que resolva tudo. A terapia é um espaço de autoconhecimento

Yara Kilsztajn, psicóloga

Yara conduziu a terapia do casal Kezia e Nathan. Preocupado com as brigas e desentendimentos, o operador de loja Nathan Moura Lima, de 22 anos, propôs a Kezia Caroline Costa Ramos, de 20 anos, uma visita em dupla à psicóloga. Era fim de 2019 e eles estavam juntos há um ano. “O relacionamento estava se perdendo, pensei nessa saída”, conta ele. Eles não conheciam ninguém que tivesse feito terapia de casal. “Era algo que só tínhamos visto em filmes”, diz Kezia. Na primeira sessão, ficaram ansiosos, mas depois se sentiram à vontade. “Pode até ser desconfortável no início se abrir a uma pessoa que você não conhece, mas vale a pena. Ajuda a entender a percepção do outro e a solucionar conflitos”, aprova Nathan.

A escolha do profissional 

Mas como escolher um bom psicoterapeuta para chamar de “seu”? Buscar uma indicação com pessoas de confiança e analisar a formação do profissional é a principal dica de Pablo Castanho, professor do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. “Confira se a pessoa tem registro no Conselho de Psicologia ou uma formação de pós-graduação respeitável”, recomenda. Ele explica que profissionais sérios não prometem resultados e nunca devem impor suas crenças ou orientações religiosas ou esotéricas aos pacientes.

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"Há diversas formas de trazer para a consciência a dor de cada um", diz a psicóloga Yara Kilsztajn Foto: Catarina Bessell

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A condução da psicoterapia não é exclusividade de psicólogos ou médicos psiquiatras, mas é preciso ter formação adequada para a prática, alerta Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia. “Procure profissionais que tenham um saber embasado na ciência. Não deixe de verificar se o profissional está inscrito em seu conselho de classe. Isso não significa que ele seja ótimo, mas você terá um órgão a quem recorrer caso estranhe a conduta do profissional.”

A professora Maria Cristina Petroucic, da PUC-SP, recomenda dar preferência a psicólogos. “O curso de Psicologia leva o aluno a desenvolver melhores condições para analisar e compreender o papel do indivíduo no ambiente familiar e social, de se apropriar adequadamente dos dados fornecidos pelo paciente, bem como de interpretá-los”, argumenta. 

Abordagens

Uma dúvida que pode surgir no momento da escolha do psicoterapeuta é sobre a abordagem terapêutica. Basta uma pesquisa na internet para ficar confuso. Surgem questões como: “Devo seguir pela abordagem da psicanálise ou da psicologia comportamental?” ou “Será que a psicologia humanista é boa para mim?”.

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Diante de questões desse tipo, não se intimide ou desanime. Os especialistas orientam pacientes a não se preocupar demais com isso, mas com a qualidade de atendimento e vínculo. “Há centenas de linhas terapêuticas. Muda a forma de o profissional realizar o seu trabalho, mas todas têm o mesmo objetivo”, explica Acioli. O professor Castanho reforça: “Diversos estudos mostraram que a abordagem não é determinante. O que importa é que o profissional esteja disponível e que o paciente esteja comprometido em se ajudar”.

Para escolher sua psicoterapeuta, a professora de ioga Juliana Barrena, de 41 anos, pediu indicações a amigos psicólogos. Nunca viu a cara de sua analista, mas, desde o ano passado, tem conversas semanais com ela por telefone, sem vídeo. “O isolamento fez com que questões viessem à tona, então decidi que iria fazer psicanálise. Estava disposta a colocar o dedo na ferida”, conta. A dedicação vale a pena, diz Juliana: “Com a psicoterapia, olhei para meu passado, minhas raízes e para questões familiares. Reconhecer meu percurso ajuda a conviver melhor com quem sou. Tenho hoje um olhar mais compassivo comigo. E isso não é pouco”.

Conheça as abordagens terapêuticas mais populares

Há centenas de abordagens terapêuticas, que são linhas de tratamentos que se diferenciam em teoria e técnica – mas que podem acabar se misturando durante o processo. Vejam as principais adotadas no Brasil:

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  • Psicanálise: considerada a primeira escola de psicoterapia, baseada nos estudos do médico neurologista Sigmund Freud (1856-1939), o “pai da psicanálise”. Com base na teoria do inconsciente, o analisando é levado a falar “o que vier na cabeça”, sem censura, de forma a acessar seus medos e angústias ocultos. A teoria de Freud passou por releituras posteriormente, como a feita pelo francês Jacques-Marie Émile Lacan, que iniciou a corrente lacaniana de psicanálise.
  • Psicologia Analítica ou Junguiana: segue as teorias do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), que traz novas ideias como a do “inconsciente coletivo”: conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhados por toda a humanidade. Inicialmente discípulo de Freud, criou sua própria corrente com outras técnicas, como a que faz a análise da psique humana a partir de símbolos, que ajudam a entender atitudes inconscientes.
  • Terapia Cognitivo-comportamental (TCC): tem foco no presente e no “viés de interpretação”, que é como uma pessoa interpreta as situações que vive, baseada em questões culturais e na história de vida. Após a formulação do caso, o terapeuta irá criar um plano de tratamento, de acordo com a meta estabelecida. “Buscamos mudar a forma como o paciente se relaciona com os seus pensamentos e crenças e a forma como interpreta as situações”, explica Priscila Covre, psicóloga especialista em neuropsicologia e em Terapia Cognitiva. 

Terapia online funciona?

A pandemia acelerou a adoção das tecnologias de comunicação à distância na psicoterapia. O número de psicólogos que fizeram seu cadastro junto ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) para realizar atendimentos online aumentou 900% de janeiro de 2020 a janeiro de 2021. Hoje mais de 170 profissionais estão autorizados pelo CFP a realizar as sessões a distância, utilizando telefone, WhatsApp, Skype ou outra ferramenta.

A plataforma Zenklub, que oferece serviços online de profissionais da saúde mental, teve um aumento de 151% de sessões no primeiro semestre de 2021, em relação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, realizam 50 mil sessões ao mês. O Zenklub é oferecido como benefício a funcionários de 300 empresas como Ambev, Creditas e Natura. 

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Isabela de Souza Pinto, 27 anos, engenheira de software, utiliza a plataforma desde agosto de 2020. Os funcionários da empresa onde ela trabalha têm direito a fazer quatro sessões gratuitas por mês no Zenklub. “Resolvi experimentar a psicoterapia porque conciliar o home office e a família estava me causando muita ansiedade e cobrança interna”, conta. “Converso com a minha terapeuta por videochamada, durante 50 minutos, toda semana. Ela me ajudou a identificar diversos pontos de melhoria e aqueles que não deveriam me preocupar tanto. É uma troca muito enriquecedora.” 

A engenheira Isabela Pinto faz psicoterapia online: 'Tudo o que preciso é de uma internet razoável e de um lugar calmo para conversar' Foto: Werther Santana/Estadão

Isabela gosta das sessões online e não tem planos de migrar para os encontros presenciais. “Tudo o que preciso é de uma internet razoável e de um lugar calmo para conversar”, diz. A psicoterapia online é cômoda, eficaz e está sendo estudada há 20 anos, afirma Acioli, conselheiro do CFP. Apesar disso, ele recomenda dar preferência ao atendimento presencial. “Presencialmente, conseguimos perceber mais coisas no paciente, pois todos os sentidos são utilizados. No atendimento online, nem sempre é possível garantir segurança e sigilo para falar de si”, argumenta.

Crianças e vítimas de violência doméstica, por exemplo, tem o atendimento prejudicado no modo online, segundo Acioli. “Queremos que a internet seja uma ferramenta, não a forma principal de atendimento.”

Grupos de apoio acolhem pessoas em situação semelhante

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Desabafar e trocar experiências com pessoas que passam pela mesma situação que você pode ajudar a superar crises e viver melhor. Pessoas que passaram pelo luto de uma pessoa muito querida, por exemplo, podem se beneficiar desses “grupos de acolhimento” que são conduzidos por profissionais da saúde mental. 

“Em algumas situações, como a de luto, os grupos de acolhimento são até mais indicados, por conta da urgência e das técnicas utilizadas pelos profissionais, que fazem os primeiros cuidados psicológicos”, explica Pablo Castanho, professor do Instituto de Psicologia da USP. “Esses grupos estão sendo subutilizados enquanto sabemos que há um crescimento de casos de depressão que não estão recebendo a devida atenção.”

Um dos grupos indicados por Castanho é o Acolhe-Dor, conduzido por psicólogos voluntários, que oferece reuniões mensais gratuitas de apoio emocional para pessoas em luto. O Governo de São Paulo organiza grupos de apoio abertos, dentro do projeto Autoestima.

A empresária Ligia Vieira de Aquino, 41 anos, já participou de um grupo de acolhimento, voltado para pessoas em luto perinatal – com a morte da criança em fase gestacional ou após o nascimento. Ela havia perdido a filha Laura no final da gravidez, em março de 2015. No início, confessa que estava descrente. Pensava: “como isso vai me ajudar nesse vazio que é buraco que fica quando perdemos um filho?” Mas ela insistiu e percebeu que a roda de conversa a apoiava na elaboração do luto.

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“Me ajudou a respirar minimamente e a encontrar outros espaços de vida, pois naquele momento eu só via morte”, conta ela, que assim obteve força para fundar a organização sem fins lucrativos Mães para Sempre, que promove a humanização do luto e oferece rodas de conversa mediadas por psicólogos, entre outras atividades.

Nesses grupos de acolhimento, a discussão é sigilosa, aberta, respeitosa e sem julgamento, explica Damiana Angrimani, uma das psicólogas que conduz o processo. “Quem leva o grupo são os participantes, nós só fazemos uma facilitação. Eles se reúnem para ouvir experiências e processos parecidos. E o resultado disso são estruturações internas muito bonitas.”

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