Um novo estudo identificou uma relação entre o uso de semaglutida, ativo dos medicamentos Ozempic e Wegovy, e um risco aumentado de desenvolver neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NOIA-NA), uma doença ocular rara que atinge o nervo óptico e pode levar à cegueira. No entanto, como este foi um estudo observacional, mais pesquisas são necessárias para confirmar a relação de causalidade.
A pesquisa foi desenvolvida por pesquisadores do Mass Eye and Ear, hospital-escola da Universidade Harvard com foco na saúde ocular, do ouvido, nariz, garganta, cabeça e pescoço. Os resultados foram publicados na revista científica JAMA Ophthalmology, renomada publicação da especialidade de oftalmologia.
A Novo Nordisk, farmacêutica fabricante do Ozempic e do Wegovy, afirmou que o estudo de Harvard tem “limitações metodológicas fundamentais”, como o pequeno número de pacientes da amostra (leia mais abaixo), e que a NOIA-NA “não é uma reação adversa ao medicamento (Ozempic®, Wegovy®, Rybelsus®) de acordo com as respectivas bulas aprovadas”. Disse ainda que “a segurança do paciente é uma prioridade máxima” para a empresa e que todos os relatos sobre eventos adversos são levados muito a sério.
Entenda a pesquisa
Para o estudo, pesquisadores analisaram registros de pacientes do hospital Mass Eye and Ear e acompanharam durante 36 meses 710 pessoas com diabetes tipo 2 e 979 indivíduos que receberam diagnóstico de sobrepeso ou obesidade. Em ambos os grupos, uma parte dos pacientes eram tratados com semaglutida e outra parte utilizava outros medicamentos para o controle da diabetes e a perda de peso.
Por fim, os pesquisadores analisaram a taxa de diagnóstico de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica entre os participantes. Entre aqueles que usavam a semaglutida, seja para tratar diabetes ou obesidade, a incidência de NOIA-NA era maior.
No grupo de diabéticos, a taxa de casos da doença ocular foi de 8,9% entre os pacientes que usavam semaglutida contra 1,8% entre aqueles que usavam outros medicamentos, um risco quatro vezes maior. Já no grupo com diagnóstico de obesidade ou sobrepeso, a incidência de NOIA-NA entre aqueles que utilizavam semaglutida foi de 6,7% ante 0,8% no grupo que fazia outro tipo de tratamento, um risco sete vezes maior.
Limitações do estudo
Os próprios pesquisadores apontam que o estudo tem limitações, como por exemplo o fato de o hospital-escola de Harvard receber um número anormalmente alto de pessoas com doenças oculares raras. Ainda assim, eles consideram que a quantidade de casos de NOIA-NA analisados no período da pesquisa é relativamente pequena, o que pode alterar as estatísticas. Dessa forma, reforçam que o estudo não prova causalidade entre o uso da semaglutida e o risco de ter a doença ocular.
“Nossas descobertas devem ser vistas como significativas, mas provisórias, pois estudos futuros são necessários para examinar essas questões em uma população muito maior e mais diversa”, disse Joseph Rizzo, líder do estudo, em comunicado.
Ao Estadão, Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, afirmou que os resultados chamam a atenção e podem servir como alerta para que pesquisadores investiguem a possível associação, mas que não atestam uma relação de causa ou consequência, especialmente após a publicação recente de estudos maiores com a semaglutida em que não houve relato dessa complicação.
Segundo Cohen, pacientes com diabetes e obesidade têm maior risco de problemas oftalmológicos. Ele afirma que a NOIA-NA é considerada uma condição aguda, cujo diagnóstico é feito após as consequências - no caso, a perda da visão - já terem se manifestado. Por isso, é difícil observar sinais que levam à suspeita da neuropatia. Sobre a incidência da doença ocular, o especialista afirma que não há dados e que a condição “é tão rara que não é algo que chame a atenção em relação à saúde pública”.
Sobre a pesquisa de Harvard, a Novo Nordisk também destacou que a totalidade dos dados existentes de estudos prévios com a substância garante seu perfil de segurança. Em nota, a farmacêutica relembrou que o ativo do Ozempic e Wegovy foi analisado “em grandes estudos de evidências do mundo real e em programas de desenvolvimento clínico robustos (SUSTAIN, PIONEER, STEP, SELECT, OASIS) com uma exposição cumulativa, incluindo o uso pós-comercialização de mais de 22 milhões de pacientes-ano”.
A fabricante do Ozempic ainda ressaltou as limitações do novo estudo, em especial o “pequeno número de pessoas” com diabetes tipo 2 ou obesidade que eram tratadas com semaglutida na amostra analisada e o fato de que o estudo não considerou fatores de confusão importantes como o tabagismo, a duração do diabetes e a morfologia do disco óptico. Por isso, conclui que “as informações fornecidas na publicação limitam avaliar se as pessoas estavam expostas à semaglutida quando o evento ocorreu”.
Em pronunciamento, a novo Nordisk também anunciou que um estudo em andamento chamado FOCUS está analisando os efeitos de longo prazo da semaglutida 1,0 mg em outra doença ocular e comum em pessoas com diabetes, a retinopatia diabética. A data de conclusão da pesquisa está prevista para o segundo semestre de 2027.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.