Estudo mostra relação entre alterações na microbiota intestinal e autismo em crianças

Pesquisa comparou microrganismos do intestino de crianças com e sem TEA; resultados não significam relação de causa e efeito, apontam especialistas, mas aponta novos caminhos de investigação

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Por Bárbara Giovani

Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) possuem alterações nos microrganismos que compõem a microbiota intestinal, conjunto de fungos, bactérias, vírus e outros micróbios que vivem no intestino e são essenciais para a saúde do sistema digestório e o bem-estar. A descoberta foi publicada nesta semana, na revista Nature Microbiology.

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Para o estudo, pesquisadores da Universidade Chinesa de Hong Kong realizaram o sequenciamento metagenômico da microbiota de 1.627 crianças entre 1 e 13 anos de idade. Assim, não apenas identificaram o DNA de todas as espécies presentes, como também puderam analisar sua função e a interação com o ambiente em que estão inseridas, o intestino. Depois, utilizaram técnicas de aprendizado de máquina com inteligência artificial para verificar possíveis relações entre alterações nos microrganismos e a presença do Transtorno do Espectro Autista.

No total, a pesquisa identificou que 14 arqueias, 51 bactérias, 7 fungos, 18 vírus, 27 genes microbianos e 12 vias metabólicas estavam alterados em crianças com TEA, em comparação com participantes sem o transtorno. Segundo os autores, os achados podem auxiliar no diagnóstico da condição no futuro.

Estudo analisou os dados de 1.627 crianças entre 1 e 13 anos de idade e verificou alterações na microbiota de participantes com TEA Foto: myboys.me/Adobe Stock

Atualmente, o TEA é diagnosticado após análise clínica de um neurologista ou psiquiatra, com base no relato ou na observação do comportamento do paciente. Em crianças, isso geralmente acontece entre 2 e 3 anos de idade.

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“Quando vemos um estudo assim, sempre vem a possibilidade de, no futuro, existirem biomarcadores mais fidedignos para o diagnóstico de autismo. Quem sabe, até mesmo antes das manifestações clínicas”, afirma Hélio van der Linden, neuropediatra e integrante do Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI).

Ainda assim, o especialista destaca a necessidade de cautela, pois não há uma relação clara de causa e efeito entre os achados da nova pesquisa. “Esse estudo não é capaz de dizer se as crianças já apresentavam previamente alterações do microbioma e isso levou ao autismo, ou se as crianças que têm autismo, por apresentarem alterações na sua dieta, principalmente seletividade alimentar, podem desenvolver alterações secundárias no microbioma”, explica.

Pesquisas anteriores já haviam evidenciado que pessoas com Transtorno do Espectro Autista apresentam alterações nas bactérias presentes na microbiota. “Isso já foi provado em um estudo anterior, mostrando que muitas das alterações descritas em pessoas com TEA são decorrentes da dieta que a pessoa com TEA tem, mais restrita por conta de todas as questões comportamentais e sensoriais envolvidas”, afirma o neuropediatra da SBNI.

O novo estudo inova justamente por analisar o que chama de “multireino”, incluindo microrganismos como fungos, vírus e arqueias, e por identificar as maneiras como eles interagem.

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“Essa descoberta de haver vias metabólicas, como do ubiquinol e da tiamina, que eles descrevem, e o fato de serem menos abundantes ou menos frequentes nos pacientes com autismo é que nos dão um ‘insight’ sobre algum mecanismo biológico que possa estar por trás do espectro”, destaca Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

No entanto, para os especialistas, há necessidade de mais estudos que confirmem esses resultados. “Será que o microbioma de intestino do paciente no Brasil é igual ao microbioma do paciente desse estudo, que é de Hong Kong?”, questiona Haddad, que acha necessária uma análise comparativa multicêntrica.

O especialista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz afirma que ainda é preciso saber como esses marcadores podem ser integrados à prática clínica e quais são as implicações para o manejo dos pacientes. “O estudo é super importante e bem feito. Mas ainda vai chegar o momento em que ele terá um impacto maior. Por enquanto, ele abre um novo caminho, mas ainda estamos longe de pensar que vamos utilizá-lo para o diagnóstico do espectro autista”, conclui.

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