“Envelhecer faz parte da vida, a gente tem de encarar assim”, afirma a dona de casa Aspasia d’Avila. Aos 95 anos, ela enxerga bem, tem pouco problema de audição, mora sozinha, cozinha e até trabalha. Mas esta última, apesar da idade avançada, é a mais recente das novidades.
Por ter se casado cedo, aos 17 anos, dona Aspasia d’Avila, de 95 anos, nunca trabalhou fora. “Trabalhava em casa, cuidando dos meus três filhos e também do marido. Dava muito trabalho, sim. Eu não tinha tempo para nada”, diz ela.
Com os filhos crescidos, a rotina ficou mais tranquila e ela pôde se dedicar aos trabalhos manuais. Curiosa, aprendeu crochê sozinha – e assim foi também com o amigurumi, técnica de artesanato japonesa para criar bonecos. Em pouco tempo, o hobby se transformou em profissão: ela começou a vender a produção em 2019. “A sensação de ter meu próprio dinheiro foi de muita liberdade. É algo sensacional”, conta. “Eu tenho muito orgulho do meu trabalho. Vejo as pessoas agradecerem, mandarem mensagens e isso me deixa muito feliz”, diz ela.
A técnica de artesanato foi apresentada a ela pela neta Fabiana. Trata-se de uma combinação, em japonês, das palavras ami, que significa trançado, e migurumi, boneco de pelúcia. Curiosa, Aspasia aprendeu a fazer sozinha o trabalho por meio de pesquisas na internet e começou a criar anjos e santinhos para treinar, cerca de quatro anos atrás.
De acordo com ela, os primeiros ficaram bem horrorosos. Mesmo assim, a neta criou uma rede social própria para divulgar o trabalho, seguindo o apelido de Aspasia entre os netos e bisnetos: vó Pati. Em pouco tempo, começaram a surgir encomendas. “Quando vi, estava ganhando meu próprio dinheiro pela primeira vez na vida.”
Reviravolta depois das perdas
Desde os 17 anos, Aspasia foi sustentada pelo marido, Alziro, que trabalhava no ramo da construção civil. Suas tardes envolviam cuidar da casa e da família. “Eu ficava bem zangada quando ele me perguntava para que eu precisava do dinheiro quando eu pedia. Falava que era para ele fingir que estava me pagando por cuidar dele e dos filhos”, conta.
Depois que os filhos já estavam crescidos, ela aproveitava para ir à hidroginástica, passear pelo bairro de Ipanema, no Rio, onde vive, cochilar. Além de se dedicar a trabalhos manuais. “Fiz várias roupas para os meus filhos e cada neto ganhou um tapete quando casou”, lembra.
Em 1994, Alziro teve câncer de próstata e em pouco tempo morreu. A sensação de perder o amor da sua vida foi dura, mas com a ajuda dos filhos e dos amigos próximos, Aspasia continuou forte.
Vinte e cinco anos depois, seu filho mais novo, Alberto, também morreu de um câncer agressivo. “Você não imagina enterrar um filho. Mas sabia que tinha de seguir. Não sei como eu encontro força, mas eu sei que a tenho”, revela.
A união da família a ajuda nessa tarefa. A filha mora no mesmo prédio, e a neta está no edifício ao lado. “Eu sou uma pessoa muito feliz, tenho uma família realmente maravilhosa. Meus filhos cuidam de mim, se preocupam comigo e é importante você se sentir assim”, observa. “Eu me sinto segura.”
Outra característica que ajuda dona Aspasia a seguir em frente é sua personalidade, que ela mesmo define ser “pra frente”. “Eu tenho muita vontade de fazer as coisas. Sou muito positiva, não fico me lamuriando. Pra mim tudo o que acontece tem de acontecer. Enquanto isso, você se mantém ocupada.”
A ocupação foi com os amigurumis. Ainda mais com os meses de pandemia que a impediram de sair de casa. Em pouco tempo as vendas já estavam nas centenas. Hoje, ela acredita ter vendido nesse tempo cerca de 700 unidades, incluindo vendas para Japão, Canadá e Portugal.
O trabalho é realizado em equipe. “Enquanto eu faço o amigurumi, minha filha os monta e minha neta divulga”, explica.
As tardes tranquilas foram trocadas por muito trabalho e lista de prazos, mas, para ela, é um esforço que vale a pena. “A sensação de comprar uma coisa com o meu próprio dinheiro foi libertadora. Eu adorei a sensação de olhar algo, gostar e comprar. Comprei muitas coisas, até uma geladeira”, ressalta.
Ela assegura que quer continuar com o trabalho – e o ganho do dinheiro próprio – até quando der. “Eu não penso em viver ou morrer. Eu vou vivendo enquanto Deus quer. E procuro tirar o melhor disso.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.