De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a depressão pós-parto é identificada em mais de uma mãe de recém-nascidos, em um grupo de quatro, no Brasil. O transtorno pode promover falta de conexão com o bebê, cansaço extremo, ansiedade e muita sensação de culpa. Sintomas que a escritora Beatriz Singer, 43 anos, sentiu fortemente após dar à luz ao seu primeiro filho, Leonardo, hoje com 10 anos.
“Era um sonho meu desde pequenininha ser mãe. Com 12 anos, enquanto minhas amigas tinham álbuns de papéis de carta, eu tinha um de fotos de bebês que recortava de revistas. Era uma paixão”, conta. O sonho foi batalhado e conquistado via fertilização in vitro, em 2013. “Quando eu descobri, foi o melhor dia da minha vida”, diz. Mas tudo mudou pouco antes de ela receber alta hospitalar.
“Foram dias difíceis, eu não tinha conexão alguma com meu filho. Na verdade, queria longe de mim e, em uma tentativa de resgatar minha vida anterior sem essa angústia, desejava que ele partisse, que fosse levado por alguma doença congênita”, declara a escritora Beatriz Singer. Admitir isso ainda é difícil – mesmo dez anos depois de ter sido diagnosticada com depressão pós-parto. “Sentia que algo estava errado. Em casa, tinha muita ansiedade, não sabia o que fazer com ele. Tudo isso fez com que eu encarasse o bebê como uma fonte constante de demanda e a razão pela qual não conseguia descansar.”
Depois de anos sonhando com a gravidez e com a maternidade, Beatriz se culpava pelos sentimentos que tinha, assim como sua performance como mãe – e como mulher. Afinal, é esperado pela sociedade que as mulheres desejem e celebrem a maternidade. “As pessoas comemoram o nascimento de um bebê, mas também tem a morte de uma mulher ali.”
As pessoas comemoram o nascimento de um bebê, mas também tem a morte de uma mulher ali”
Beatriz Singer, escritora
Nessa busca por ser quem ela era antes, Beatriz sonhava com alívio. “Eu queria conseguir dormir, queria sentir tédio de novo”, conta. A depressão pós-parto tem diferentes níveis e pode durar até meses depois do nascimento do bebê. No caso de Beatriz, depois de uma gravidez saudável e harmoniosa, as coisas começaram a mudar no terceiro dia de vida de seu filho Leonardo. Qualquer contratempo, dos mais complicados até os mais banais, era uma grande catástrofe para Beatriz. “O barulho do chorinho dele acordando era um negócio que me subia ansiedade. Eu tremia, perdi 14 kg em duas semanas, não conseguia sair de casa”, diz.
Ela conta que se sentia completamente sozinha. “Não importa quem está em volta de você nessa condição. Você está sozinha porque ninguém ali é mãe, ninguém está deprimido como você.” Por não se sentir digna de ser mãe, Beatriz começou a flertar com ideias de suicídio. “O ciclo sempre recomeçava, então pensei em acabar com tudo. Eu tinha meu bilhete de adeus pronto na cabeça.”
Altos e baixos até a cura
Apesar de ter tido dois episódios de depressão no passado, por ter tido acompanhamento psiquiátrico durante a gravidez, ela achou que estava segura. “No quinto dia meu psiquiatra me fez voltar com a minha medicação e pediu para eu me mudar para casa da minha mãe, onde eu ia ter supervisão 24 horas tanto para mim quanto para o meu filho”, diz. Depois de um mês, houve uma melhora significativa, mas Beatriz ainda lutava pela conexão com seu filho.
“O que me curou foi exatamente o que falam para não fazer: sair de perto da minha rede de apoio, que eu deixava assumir funções que deveriam ser minhas”, afirma. Assim, quando o marido recebeu uma proposta de emprego em Nova York, Beatriz mergulhou de cabeça na maternidade. “Eu tive de cuidar do Léo o dia inteiro e isso me obrigou a criar uma conexão maior.” Claro que a medicação, o tempo e a terapia ajudaram e, oito meses depois do parto, Beatriz se sentiu curada.
Outra coisa que teve um papel fundamental nessa melhora foi escrever no blog, que ela começou antes mesmo de ser mãe, para relatar suas emoções.
Quando Leonardo tinha 3 anos, Beatriz descobriu que estava grávida de Catarina, hoje com 7 anos. “Quando descobri fiquei com muito medo de acontecer de tudo de novo. Só que percebi que eu queria muito, então seguimos em frente”, diz. A filha nasceu e criou uma conexão instantânea com a mãe. “O que por um lado é maravilhoso, mas por outro me enche de culpa.”
Durante a pandemia, conseguiu transformar suas dores e medos no livro Entressafras, que traz um relato intenso e sincero sobre a depressão pós-parto. “Eu contei absolutamente tudo o que eu passei. Hoje eu não tenho vergonha do que aconteceu porque sei que é uma doença. Mãe nenhuma escolhe passar por isso.”
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