Excesso de exercício faz mal? Confira o que dizem especialistas

O famoso “no pain, no gain” pode ser um equívoco; riscos incluem desde desequilíbrios hormonais até baixa imunidade

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Foto do author Victória  Ribeiro

Quando o assunto é atividade física, muita gente acredita que quanto mais, melhor — seja em relação à frequência ou à dor (o famoso “no pain, no gain”). Mas a verdade é que treinar demais e ignorar os sinais do corpo pode ocasionar exatamente o oposto do que se espera ao buscar uma vida mais saudável: um combo de problemas para o organismo. Então como saber quando se está exagerando nos treinos?

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O ortopedista e médico do esporte João Polydoro, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que o segredo está em equilibrar três fatores: frequência, intensidade e recuperação. “Um treino muito longo, intenso e sem pausas adequadas pode sobrecarregar o corpo”, alerta.

Mas dosar esses fatores não é tão simples, já que cada pessoa tem um limite diferente e o que é exagero para um pode não ser para outro.

Excesso de exercício pode deixar os músculos doloridos, fracos e mais propensos a lesões Foto: terovesalainen/Adobe Stock

Ainda assim, todos nós temos um ponto máximo e, quando ultrapassamos esse limite, o corpo dá sinais. Segundo o presidente do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Bruno Gualano, nosso organismo funciona em um esquema de “trade-off energético”. Isso significa que temos uma quantidade limitada de energia para manter todas as funções vitais em dia. Se uma atividade — seja qual for — consome energia demais, outras funções podem ser prejudicadas.

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“O próprio burnout é um exemplo disso: ele acontece quando gastamos muita energia no trabalho, levando a uma sobrecarga emocional e psicológica”, compara Paulo Zogaib, especialista do Núcleo de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital Sírio-Libanês. No caso da atividade física, o corpo direciona muita energia para órgãos como coração, cérebro e músculos, deixando menos recursos para funções que, naquele momento, são consideradas menos urgentes. Além disso, o fluxo sanguíneo também é redistribuído.

“Para se ter uma ideia, quase todo corredor de maratona desenvolve pequenas lesões intestinais por conta da redução do fluxo sanguíneo para o intestino. Essas microlesões geralmente se resolvem sozinhas, mas esse exemplo ilustra bem como o corpo se adapta ao esforço extremo”, detalha.

Para evitar problemas, o processo de recuperação e fortalecimento é essencial. Sem ele, não há ganho de condicionamento físico — nem de músculos. “Quando treino e recuperação estão equilibrados, cada célula exigida durante o exercício volta melhor do que antes”, afirma Zogaib. Por exemplo, quando você se exercita, cria microlesões nas fibras musculares e é justamente o descanso que leva ao ganho de força e resistência.

Agora, se o treino for muito intenso e o descanso for insuficiente, os benefícios desaparecem e o prejuízo pode ser grande, levando a um déficit físico, mental e hormonal. Esse fenômeno é chamado de overtraining.

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Quais os sinais do overtraining?

Se você tem a sensação de que, mesmo se dedicando, seu rendimento não melhora — ou pior, parece estar regredindo — pode ser que esteja exagerando na dose. Por mais que não existam exames laboratoriais que comprovem o overtraining, existem pistas de que talvez seja necessário pisar no freio. E vale ressaltar: nem todos os sinais precisam estar presentes para caracterizar o quadro.

  • Fadiga persistente – sensação constante de cansaço
  • Dores musculares prolongadas – o excesso de exercício pode deixar os músculos constantemente doloridos, fracos e mais propensos a lesões
  • Alterações no apetite – desde perda total da fome até episódios de fome excessiva
  • Desequilíbrio hormonal – queda nos níveis de testosterona (em casos graves, pode levar ao hipogonadismo) e alterações no ciclo menstrual
  • Problemas de sono – insônia ou sono de baixa qualidade devido ao excesso de cortisol (hormônio do estresse)
  • Aumento da frequência cardíaca em repouso – um sinal de que o corpo está sob estresse constante. Em pessoas predispostas a doenças cardíacas, a falta de acompanhamento adequado pode levar a riscos sérios, como morte súbita durante treinos intensos
  • Baixa imunidade – infecções recorrentes ou agravamento de doenças respiratórias crônicas. Quem tem rinite, sinusite ou asma pode notar crises mais frequentes e intensas. Além disso, resfriados e gripes podem se tornar mais comuns
  • Alterações emocionais – sintomas de ansiedade, irritabilidade e até depressão podem surgir com a sobrecarga do sistema nervoso

Além do overtraining, Gualano também destaca a síndrome de deficiência energética relativa no esporte (RED-S), que é mais comum em mulheres. Embora os sintomas sejam os mesmos, a RED-S não tem a ver com a falta de descanso, mas sim com a alimentação insuficiente, gerando um déficit de energia para dar conta das demandas físicas.

O que leva alguém a exagerar na dose de exercícios?

Os motivos podem ser vários, mas, segundo Polydoro, a pressão estética tem um peso grande na equação. A busca por corpos musculosos ou magros, muitas vezes inalcançáveis, pode levar ao overtraining e às dietas restritivas. Em meio a isso, o transtorno dismórfico corporal (vigorexia) também pode entrar na conta. “A pessoa pode estar forte e definida, mas, ao se olhar no espelho, se enxerga fraca. Isso a motiva a treinar de forma intensa e excessiva.”

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Outro ponto importante é a dependência do exercício. O corpo libera endorfinas durante o treino, proporcionando uma sensação de bem-estar – e isso pode virar um vício. “O atleta pode acabar se condicionando a treinar cada vez mais para sentir esse efeito.”

Em alguns casos, destaca Zogaib, o excesso de exercício está diretamente ligado à necessidade de perda de peso. “Esportes como judô e taekwondo, ou modalidades como ginástica olímpica e balé, muitas vezes envolvem um controle grande de peso e treino pesado, gerando um desequilíbrio energético perigoso.”

E não são só os atletas amadores que enfrentam esse problema. Os profissionais também podem cair na armadilha do excesso, principalmente quando fatores como mudanças na rotina interferem na recuperação. “Muitas vezes, a rotina envolve viagens, fazer check-in, chegar ao hotel, ir para campo, jogar, e por aí vai. Tudo isso também interfere em uma recuperação de qualidade.”

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Como evitar o overtraining?

A ciência demonstrou há décadas que a evolução acontece na recuperação, não no esforço. Lá nos anos 1930, um cardiologista e um professor de educação física alemães criaram o interval training (treino intervalado) – método em que os atletas chegavam a 180 batimentos por minuto e depois descansavam até a frequência cair para 120, para então retomarem o treino. Muitos treinos ainda seguem essa mesma lógica, como o HIIT, funcional e spinning, e essa é uma boa estratégia para evitar o overtraining, segundo Zogaib.

Além disso, a chave é planejar. Nem todo treino precisa deixar o praticante “destruído” no dia seguinte. Estratégias como ter dias da semana com maior carga de exercícios seguidos por dias de redução da intensidade também são válidas. “É claro que o risco de se fazer isso é maior, principalmente para pessoas que estão em reabilitação física. Se errar a mão, em vez de supercompensar lá na frente, você tem uma descompensação até mais severa depois”, alerta o médico do Sírio-Libanês.

Também é válido lembrar que cada pessoa tem um limite diferente. Em uma aula de spinning, por exemplo, a carga pode estar leve para um e pesadíssima para outro. Por isso, a individualização do treino é importante, bem como dormir bem e ter uma alimentação adequada e ajustada à rotina de treinos.

“No fim, treinar bem não é só sobre esforço, mas sobre equilíbrio. Respeitar o descanso é tão importante quanto suar a camisa e é isso que vai garantir que seu treino realmente traga resultados”, orienta Zogaib.

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