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Feiúra imaginária: conheça o transtorno que faz as pessoas enxergarem defeitos que não existem

Quem sofre com dismorfia corporal também tende a supervalorizar, de forma obsessiva, características físicas das quais não gosta; situação leva a problemas de relacionamento e aumenta o risco de distúrbios psiquiátricos

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Por Thais Szegö

Quem nunca se olhou no espelho e pensou: ‘Não gosto muito dessa parte do meu corpo’, ‘aquela região poderia ser menor’, ‘eu deveria estar mais magro’...? Mas, para alguns indivíduos, o descontentamento se torna algo constante, ocupando os pensamentos em grande parte do tempo. No fim das contas, vira uma verdadeira fixação: a pessoa tende a ficar checando a aparência sem parar ou, o contrário, foge do próprio reflexo.

Essa é a realidade de quem tem dismorfia corporal, também conhecida como transtorno dismórfico corporal, um problema psiquiátrico que, segundo estimativas, atinge cerca de 2% da população no mundo todo.

Quem tem dismorfia corporal enxerga defeitos físicos que não existem ou supervaloriza características das quais não gosta Foto: Microgen/Adobe Stock

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Os impactos do quadro à saúde e ao bem-estar podem ser profundos. Muitos indivíduos desenvolvem, por exemplo, dificuldades de relacionamento – o que pode prejudicar inclusive a vida profissional. Em geral, há uma preocupação excessiva com o peso e, por isso, sobe o risco de surgimento de transtornos alimentares. Outras doenças psiquiátricas também podem dar as caras, como depressão e ansiedade.

A dismorfia corporal pode acontecer em qualquer idade, mas é mais comum entre os 15 e 30 anos. O quadro atinge mais mulheres e é muito confundido com excesso de vaidade.

“Atualmente, talvez seja difícil pensar em alguém que não tenha nenhuma insatisfação com o próprio rosto ou corpo. Mas, quando a angústia ocupa o pensamento por muito tempo, todos os dias, a ponto de atrapalhar o cotidiano e gerar estados como ansiedade e tristeza excessivas, entre outros incômodos físicos ou psíquicos, vale a pena procurar ajuda”, afirma a psicóloga e psicanalista Deborah Klajnman, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e professora da Faculdade Sírio-Libanês, do Hospital Sírio Libanês.

A ciência ainda não sabe explicar exatamente o que causa o transtorno dismórfico corporal, mas existem evidências de que aspectos genéticos e pressão social estão por trás do problema.

“Trata-se de uma doença multifatorial, provocada por uma complexa interação de fatores biológicos, psicológicos e ambientais”, descreve a psiquiatra Yara Azevedo, supervisora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP. “Estudos mostram que experiências adversas na infância, como enfrentar bullying, receber muitas críticas em relação ao físico, inclusive de familiares, além de sofrer rejeição e abuso emocional ou físico, podem estar relacionadas ao distúrbio”.

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“Existem também questões neurobiológicas, especialmente envolvendo o circuito de neurotransmissores como a serotonina”, acrescenta a psiquiatra. Essa substância é associada às sensações de satisfação e bem-estar.

A médica ressalta ainda que, em muitos casos, a dismorfia vem acompanhada de outras doenças psiquiátricas. Quase 90% dos pacientes desenvolvem depressão, 70% apresentam transtorno de ansiedade e, em alguns casos, sofrem com transtorno psicótico.

As redes sociais têm uma grande influência nesse cenário. “Seus filtros podem contribuir para a intensificação do quadro, especialmente porque reforçam a constante comparação com o outro, evidenciam possíveis padrões de perfeição estética criadas com o uso de inteligência artificial e ainda aumentam o sentimento de alienação com o próprio corpo”, explica Deborah.

Intervenções estéticas

A obsessão pela aparência faz com que as pessoas busquem tratamentos estéticos e cirurgias de maneira desnecessária e frequente, pois acabam não vendo o resultado esperado – afinal, o problema está relacionado à imagem que o indivíduo tem de si mesmo, e não à realidade.

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“Nos últimos anos, houve um aumento grande na procura por procedimentos estéticos no rosto. Isso está muito relacionado ao uso de redes sociais, selfies e vídeos, que fazem com que as pessoas fiquem o tempo todo se autoavaliando e procurando possíveis defeitos na aparência”, conta o cirurgião plástico Paolo Rubez, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética e da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica.

Rubez destaca que a preocupação com detalhes no rosto foi exacerbada na pandemia de covid-19, quando as chamadas e reuniões por vídeo se tornaram comuns. “Antigamente, era muito comum que os pacientes trouxessem imagens de outras pessoas que eles achavam bonitas para que usássemos como referência na hora da cirurgia. Agora, eles passaram a trazer também a própria imagem com filtro, perguntando se podemos chegar a um resultado parecido.”

O diagnóstico não é fácil

Como vivemos em uma sociedade que cultua a beleza, o receio das pessoas com a estética e a busca incessante para se encaixar em um padrão são comportamentos normalizados. Em muitos casos, a situação é encarada como uma insatisfação comum. Ou seja, nem se cogita a possibilidade de se tratar de um distúrbio psiquiátrico.

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Por isso, o papel de quem convive com esses indivíduos e também de dermatologistas e cirurgiões plásticos para notar esses exageros é muito importante.

O tratamento normalmente envolve o apoio de um psiquiatra, que pode prescrever medicamentos (como os antidepressivos) e de um psicólogo, que vai ajudar o paciente a entender os problemas internos que levaram a esse transtorno e a ressignificá-los.

Também é interessante agir na prevenção do quadro. “Reduzir o uso das redes sociais é indicado, assim como investir em intervenções psicológicas e educacionais, principalmente para os adolescentes, difundindo a ideia da diversidade corporal e da aceitação do próprio corpo”, informa Yara.

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