Fila de espera por transplante no País cresce 30,4% e chega a 50 mil pessoas

Pandemia contribuiu decisivamente para a piora do quadro; pacientes e familiares ficaram com receio de se movimentar e o sistema de saúde estava sobrecarregado

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Foto do author Leon Ferrari

Pelo menos nove pacientes morreram por dia à espera de transplante no primeiro trimestre deste ano, segundo relatório da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (Abto). Enquanto isso, a lista ativa de pacientes adultos e pediátricos em espera ultrapassou os 50 mil. Foi um crescimento de 30,45% desde o início da pandemia de covid-19.

A crise sanitária causou aumento nas contraindicações médicas de doação e represamento de procedimentos, além de ampliar as mortes de pacientes em lista de espera. Mesmo com o aparente arrefecimento da pandemia, os dados do primeiro trimestre não são animadores, na visão de especialistas.

Sala de hemodialise no Hospital do Rim, na zona sul de Sao Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Presidente da Abto, Gustavo Ferreira destaca que a pandemia desestruturou o programa de transplante no Brasil, ao provocar impacto negativo no número de procedimentos e de doações, que vinham em alta. A queda se deu, explica Ferreira, por dois motivos principais: insegurança de movimentar um paciente debilitado e expô-lo ao vírus e por causa da pressão no sistema de saúde, que paralisou alguns centros de transplante e reduziu a ação de outros.

Em 2020, o Ministério da Saúde recomendou “contraindicação absoluta” para doação de órgãos e tecidos em caso de doador com teste positivo, por exemplo. A taxa de contraindicação passou de 15% em 2019, para 23% em 2021, reduzindo a efetivação das doações.

A mortalidade em fila também progrediu. Foram mais de 4,2 mil mortes em 2021, número que foi de 2,5 mil em 2019. Isso tem forte ligação com a contaminação por covid. “São pacientes mais vulneráveis”, destaca Ferreira. Mais de 71% eram pacientes à espera de transplante renal, que precisam fazer hemodiálise ao menos três vezes na semana.

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O ano passado foi um dos piores para a atividade, especialmente o primeiro trimestre. Em números absolutos, os três meses iniciais de 2022 foram um pouco melhores. Na projeção anual, porém, “não foi bom”, destaca Valter Duro Garcia, responsável pelos transplantes renais na Santa Casa de Porto Alegre e editor do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) da Abto. No editorial trimestral, escrito por ele, a associação projeta queda nas taxas de transplantes de rim (-13,8%), fígado (-11,5%) e coração (-12,5%).

A taxa de efetivação de doação passou de 26,2% no fim de 2021 para 24,3% no primeiro trimestre deste ano. A queda foi acompanhada pelo crescimento da não autorização familiar para doação, que chegou a 46% – era 42% em 2021.

A contraindicação médica caiu, ficando em 21%, mas segue alta levando em consideração os níveis pré-pandemia. Em março, o governo flexibilizou as regras de doação em relação à covid para retomar os índices de antes da doença.

 

O que fazer

Para atingir os níveis de 2019, Garcia destaca que é preciso “crescimento substancial” até o fim do ano. Ele aponta ser necessário aumentar a efetivação da doação e melhorar o aproveitamento de órgãos. E, principalmente, aprimorar o acolhimento a famílias de potenciais doadores. É preciso encarar também a desigualdade regional. “Os maiores centros de transplante estão localizados nas Regiões Sudeste e Sul. Enquanto Norte e Nordeste têm menor número dessa atividade”, diz Gustavo Ferreira, presidente da Abto. 

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O Ministério da Saúde afirmou ter lançado o Programa de Qualidade no Processo de Doação e Transplantes (Qualidot), com investimento de R$ 26 milhões, para qualificar estabelecimentos que atuam nesses procedimentos. O governo ainda destacou que atua na formação de profissionais para que façam o acolhimento das famílias.

Enquanto esperam 

Na fila, pacientes relatam piora do quadro, medo de pegar covid e perda de autonomia. Veneranda Gama da Silva, de 40 anos, ficou cerca de um ano e meio na fila de transplante hepático. Conseguiu fazer o procedimento em julho do ano passado, quando já estava bastante debilitada. “Eu estava com 40 quilos. Fraquinha, fraquinha. Só couro e osso.” Isso prejudicou sua recuperação.

Maila Patricia Ramos, transplantada de rim agora esta na fila para transplante de pâncreas Foto: Werther Santana/Estadão

A espera poderia ter sido menor. Para fazer o transplante, ela deixou Rio Branco, no Acre, e veio para a capital paulista. A viagem, que estava marcada para março de 2021, só pode ocorrer um mês depois. “O governado do Acre suspendeu todos os voos.” Aquele mês foi um dos piores para ela. “Eu passava dois dias em casa e o resto no hospital.” Além da dor, os dias na fila foram marcados pelo medo de deixar os quatro filhos desamparados – a mais nova tem 2 anos.

Necessitando de transplante duplo, de rim e pâncreas, desde 2020, Marla Patrícia Ramos, de 41 anos, temia ser infectada pelo coronavírus. “Quando peguei, chorei quase três dias seguidos achando que ia morrer”, conta. Hoje, ela aguarda por um transplante de pâncreas. O de rim foi feito há três meses.

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Conseguir vencer a fila significará uma oportunidade de, finalmente, voltar para casa. Cerca de quatro anos atrás, conta, os rins “pararam de funcionar” em decorrência da diabete. Para fazer hemodiálise, precisou se mudar de Iturama, em Minas Gerais, para Votuporanga, em São Paulo.

“Estou com saudade da minha casa, da minha avó, da minha mãe”, diz. “Tem três meses já que não vejo meus filhos.” Antonio Carlos Rodrigues de Sousa, de 44 anos, disse não ter tido medo de se infectar. “Até porque eu não saía. Era de casa para a hemodiálise.” Essa foi sua rotina durante seis anos na fila de espera por transplantes de pâncreas e rim.

Morador de Vitória da Conquista, na Bahia, ele realizou em abril os transplantes em São Paulo. Dois meses após o procedimento, Antonio sonha em comer uma buchada e abrir uma loja. “Considero já ter uma vida normal. Agora é manter os cuidados e tocar o barco para frente.”

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