A partir desta sexta-feira, 17, a Fiocruz Ceará passará a sediar o Centro Pasteur Fiocruz de Imunologia e Imunoterapia. Localizado em Eusébio, a 30 minutos de Fortaleza, o prédio, que em 2020 foi utilizado para realizar diagnósticos da covid-19, foi ressignificado e agora reúne pesquisadores do instituto francês Pasteur e da Fiocruz com o objetivo de desenvolver imunoterapias para doenças infecciosas e não transmissíveis, incluindo câncer, e doenças neurodegenerativas, como esclerose múltipla e Alzheimer.
A iniciativa busca ainda ampliar o acesso a esses tratamentos e reduzir seus custos, especialmente para o Sistema Único de Saúde (SUS). “A pandemia deixa esse legado, que foi construído naquele momento de caos, e agora está sendo reestruturado para gerar benefícios para a população brasileira de uma outra maneira”, declarou Caroline Passaes, imunologista brasileira e pesquisadora do Instituto Pasteur.
Conforme explica João Hermínio Martins da Silva, também coordenador de pesquisa do Centro Pasteur Fiocruz, a imunoterapia é uma forma de tratamento que visa condicionar o sistema imunológico do próprio paciente para reconhecer e combater doenças e infecções.
Em essência, ela envolve o uso de anticorpos monoclonais ou nanocorpos, assim como terapias celulares e gênicas. Para simplificar: os anticorpos monoclonais, por exemplo, existem quando uma célula produtora de anticorpos é cultivada e reproduzida em quantidades ilimitadas, aumentando, assim, sua eficiência. Esse tipo de tratamento, de maneira geral, é administrado por meio de vacinas ou medicamentos e é conhecido por ser menos agressivo e mais tolerável, especialmente para doenças como o câncer.
Financiado pelo Ministério da Saúde, Fiocruz e Pasteur, com um investimento total de cerca de R$ 500 milhões, incluindo novos equipamentos e os recursos previamente aplicados na infraestrutura durante a pandemia, o Centro Pasteur Fiocruz tem como prioridade inicial desenvolver imunoterapias para o tratamento de câncer, doenças infecciosas e negligenciadas, como leishmaniose e doença de Chagas, além de doenças autoimunes, neurodegenerativas e inflamatórias.
O maior objetivo, segundo Martins, é acelerar a cadeia de produção e ampliar o acesso a esse tipo de terapia, que possui custo elevado, especialmente para o sistema público de saúde.
“A terapia celular, por exemplo, tem um custo estimado em média de R$ 2 milhões por paciente. Além de ter um custo alto, não é uma terapia que pode ser amplamente aplicada, porque precisa considerar especificidades como o tipo de resposta imune de cada pessoa. Quando consideramos que as pesquisas vão partir de um investimento público, isso implica que a saúde pública será diretamente beneficiada. Até porque é muito bom ter um artigo, é muito bom ter uma tese, um PHD, mas e o paciente do SUS? Como é que ele vai se beneficiar disso? Essa é a nossa preocupação, no final das contas”, declarou o pesquisador.
Ainda de acordo com o especialista, a iniciativa também tem um olhar direcionado para a pressão sofrida pelo sistema de saúde com o aumento de gastos causado pela alta de casos de doenças como o câncer e o elevado custo de terapias inovadoras para essas patologias.
“É muito promissor considerar o uso dessa abordagem. Não só para o câncer, mas para tratamento de doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla, leishmaniose e várias outras que envolve algum tipo de receptor e um ligante, duas células se comunicando ou transitando pelo sistema imune, todas essas são passíveis desse tipo de tratamento”, afirmou o pesquisador, que também destacou o rápido envelhecimento da população brasileira como um dos fatores que contribui para o aumento da incidência de doenças, explicando, assim, a importância dessa linha de pesquisa e o apoio recebido pela esfera pública.
Além disso, considerando o contexto atual, onde as emergências sanitárias saíram do campo hipotético para se tornarem uma suscetibilidade do nosso tempo, Caroline afirma que a covid-19 destacou que a imunoterapia, embora frequentemente associada ao câncer, também se mostrou importante no combate a doenças infecciosas emergentes. Isso porque medicamentos com uso de anticorpos monoclonais, como o Paxlovid – que, embora subutilizado no SUS, tem potencial para reduzir em até 90% as hospitalizações causadas pelo coronavírus – começaram a ser desenvolvidos ainda durante o período mais crítico da pandemia.
“A covid-19 foi um divisor de águas, mostrando a possibilidade de um desenvolvimento acelerado desse tipo de molécula em resposta a uma demanda que não era conhecida antes”, disse a pesquisadora.
Além do benefício para a saúde pública brasileira, os pesquisadores afirmam também a expectativa de que as pesquisas desenvolvidas resultem também em benefícios para países vizinhos da América Latina e por extensão, o Sul Global e seus países emergentes.
Fora eles, considerando que o Instituto Pasteur é de origem francesa, a intenção é que o país se beneficie conjuntamente da cooperação entre as instituições. “É importante lembrar que o território francês não se limita apenas à França continental na Europa, mas inclui diversos territórios que enfrentam muitas das mesmas doenças infecciosas e arboviroses comuns na América Latina, como dengue e febre amarela. Então existe um interesse mútuo em promover essa sinergia”, disse Caroline.
Ecossistema cearense
Segundo o pesquisador, a escolha do Ceará para a localização do centro da Fiocruz se deve a vários fatores estratégicos e colaborativos que remontam a 2008, quando foi assinado um decreto que permitiu a ampliação da Fiocruz para a região. Desde então, houve um alinhamento entre esferas estadual, federal e municipal que facilitou a criação e a prospecção de um ambiente propício para o estabelecimento de um polo de biotecnologia.
Além disso, segundo Hermínio, os cursos de graduação e pós-graduação presentes no Estado, com pesquisadores experientes e aliados à demanda crescente, tanto do Ministério da Saúde como do próprio mercado, também colaboraram para que o Ceará fosse reconhecido como um local favorável para sediar a instituição.
Além disso, segundo Caroline, a escolha da região também conversa com todo um planejamento para implantação da Bio-Manguinhos, unidade produtora de vacinas da Fiocruz. “Vamos dizer que não somos a cereja do bolo, mas agregamos valor e talvez sejamos a peça que faltava para fortalecer esse ecossistema. Temos um ambiente muito favorável, propício para que nossas pesquisas atinjam as pessoas que realmente precisam”, declarou a pesquisadora, que também afirma que a escolha do prédio valoriza o financiamento público prévio, fazendo menção aos R$18 milhões investidos no laboratório de diagnósticos da covid-19 em 2020.
“Por um momento, a gente já não tinha mais a quantidade de casos de covid que justificasse o uso da estrutura para a finalidade anterior. Então, sim, é um legado que fica agora marcado por uma soma de expertises complementares de Pasteur e Fiocruz para preenchermos, juntos, as lacunas relacionadas às etapas de desenvolvimento das pesquisas e garantirmos um acesso mais fácil às imunoterapias”, disse Caroline.
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