‘Fomos ao Guarujá em sete. Todos passaram mal’; turistas relatam surto de virose no litoral de SP

Visitantes e moradores narram dificuldade para conseguir atendimento e remédios; prefeitura diz que reforçou equipe e pediu investigação à Sabesp

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Foto do author Renata Okumura
Foto do author Juliana Domingos de Lima
Por Renata Okumura , Layla Shasta e Juliana Domingos de Lima
Atualização:

GUARUJÁ E SÃO PAULO- Moradores e turistas relatam que passaram mal durante o feriado da virada de ano e enfrentam dificuldade para conseguir atendimento e remédios nos hospitais e farmácias do Guarujá, no litoral de São Paulo.

“Fomos para o Guarujá em sete pessoas. Todos ficaram mal”, conta Carolina Simões, engenheira civil de 28 anos. Ela e seus amigos viajaram para o município no dia 27. Como muitos visitantes, começaram a apresentar sintomas a partir de 1º de janeiro - um após o outro.

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“Vomitamos bastante e a maioria teve diarreia, febre e dor no corpo”, diz. Uma colega foi ao hospital, mas não conseguiu atendimento: “Estava lotado e ela desistiu”, diz Carolina, já em casa, na capital paulista. Na cidade, o Estadão ouviu mais depoimentos de infectados.

A prefeitura do Guarujá informou nesta quinta-feira, 2, que fez mais de 2 mil atendimentos por viroses em dezembro e disse que algumas unidades de saúde tiveram o horário de atendimento ampliado diante da alta da demanda.

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Nesta sexta, 3, em um novo posicionamento, a prefeitura afirmou que as UPAs Doutor Matheus Santamaria e Enseada, as mais movimentadas da cidade, contam agora com o reforço de mais um médico e um enfermeiro, e que aumentou a infraestrutura das unidades para que os pacientes possam receber soro intravenoso.

A administração também notificou a Sabesp sobre a possibilidade de vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada, o que poderia ser a causa do aumento dos casos de virose na cidade.

Já a Secretaria de Estado da Saúde informou que “está acompanhando e orientando os municípios da Baixada Santista e do litoral norte sobre as medidas a serem adotadas”.

Segundo o Estado, as cidades com alta de diarreia aguda são orientadas a fazer investigação epidemiológica e coleta de fezes dos pacientes dentro de cinco dias do início dos sintomas. “Essa coleta, priorizada no período inicial, é fundamental para detectar o patógeno causador do surto.”

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As causas do surto ainda são desconhecidas. A Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) orienta os banhistas a verificar a qualidade da água da praia por meio do site, app e bandeiras de sinalização nas orlas.

Conforme o Boletim de Balneabilidade divulgado nesta quinta, 2, das 175 praias monitoradas no litoral paulista, 38 apresentavam condições impróprias para banho (21,7%). No Guarujá, duas são apontadas como impróprias: Perequê e Enseada (na altura da Avenida Santa Maria).

O órgão lembra ainda que não é recomendado banho de mar se a praia estiver classificada como imprópria nem entrar na água até 24 horas após chuvas. Já a Sabesp afirma que não há ocorrência que tenha alterado a qualidade da água fornecida na Baixada.

Hospital Casa de Saúde Guarujá registra espera de até 3 horas para atendimento devido ao aumento de casos de virose. Foto: Renata Okumura

Hospitais lotados

A professora de Educação Física Larissa Novelli, de 29 anos, conta que buscou atendimento no Hospital Casa de Saúde Guarujá, ainda na madrugada do réveillon, e teve dificuldades. “Estava muito cheio. Fui atendida depois de três horas, mas muita gente desistiu.”

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Ela passou a virada do ano com o marido e familiares, que também se sentiram mal. “Todos com os mesmos sintomas: minha mãe, meu irmão e minha cunhada”, relata. Os sinais eram diarreia, náusea e vômito.

Para quem é do Guarujá, o problema nesta época do ano já é conhecido. A professora Niceia Ferreira, de 50 anos, começou a sentir os sintomas há três dias e buscou atendimento nesta sexta-feira, 3. “Não consigo comer nada. Vomitei e tive diarreia. Fiquei somente deitada, e estou tomando bastante água. Além de mim, minha sobrinha, o marido dela e a bebê de 6 meses também passaram mal”, diz.

A reportagem encontrou o hospital cheio, com a maioria das pessoas relatando os mesmos sintomas. Segundo a professora, o tempo para atendimento estava em cerca de 3 horas. Procurada, a direção do Hospital Casa de Saúde Guarujá disse que reforçou sua equipe de profissionais e seus estoques.

“Importante destacar que durante os períodos de alta temporada, como o ano-novo, a população da cidade pode triplicar, exigindo esforço redobrado das instituições de saúde. A Casa de Saúde Guarujá tem historicamente ajustado seu quadro clínico para atender com excelência e qualidade, mas é fundamental que a comunidade colabore utilizando os serviços de forma consciente”, afirma a nota.

A unidade médica lembra que o pronto-socorro deve ser reservado para casos graves e emergências. “Situações consideradas ‘eletivas’ devem ser encaminhadas a outros serviços de saúde, evitando a sobrecarga do sistema e garantindo atendimento adequado a quem realmente necessita de cuidados urgentes.”

Na fila do hospital, a professora Niceia Ferreira, de 50 anos, conta que começou a sentir os sintomas há três dias. Além dela, outros membros da família passaram mal. Foto: Renata Okumura

Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Enseada, é grande a movimentação de pacientes. Muitos estão aglomerados dentro do prédio, enquanto outros aguardam atendimento em pé ou sentados no chão na parte externa. Do lado de fora, é possível ouvir pessoas vomitando dentro da área de atendimento.

Os relatos dos sintomas são os mesmos: diarreia, vômito, dor de cabeça e dor no estômago.

Paula Moraes, de 49 anos, saiu com a família da capital para passar a virada de ano. Estão hospedados em um hotel na região da Enseada. Na quinta-feira, 2, o marido começou ter sintomas. “Ele teve diarreia apenas. Depois, tive diarreia e comecei a vomitar. Minha filha também está passando mal.”

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“São quase 40 pessoas na minha frente ainda. Estamos aguardando para sermos atendidos. Estamos muito mal, por isso viemos. É um absurdo”, critica. Segundo a prefeitura, o tempo de espera na UPA Enseada era de 4 horas na quinta, 2, e de 2 hora e 20 minutos nesta sexta, 3.

Falta de medicamentos

Além dos hospitais cheios, há relatos sobre dificuldades para encontrar medicamentos e farmácias lotadas. “Quando procuramos por remédios nas farmácias, estavam todos em falta. Não encontramos Vonau ou Imosec e tivemos dificuldade para encontrar Gatorade também”, diz Carolina.

O estudante de Cinema Bruno Coelho, de 18 anos, foi para a cidade passar o ano-novo acompanhado de três amigos. Todos do grupo adoeceram. “Quando fomos à farmácia, o lugar estava lotado e os remédios estavam em falta”, afirma o jovem, que já retornou para a capital.

Na farmácia Nissei, os medicamentos para diarreia, vômito e náusea sumiram rapidamente das prateleiras na virada de ano. “Recebemos novas reposições, mas em baixa quantidade, pois ninguém estava preparado para a alta demanda. Em poucas horas, os novos medicamentos chegam e rapidamente são vendidos”, conta a farmacêutica Cynthia Souza. Três funcionários da farmácia também relataram os sintomas e estão afastados.

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A drogaria fica em frente ao Hospital Casa de Saúde Guarujá. Cynthia relata que o movimento na quinta foi ainda maior do que o observado ao longo desta sexta. “As cadeiras que ficam dentro do hospital foram colocadas no lado externo. Na unidade, estavam até distribuindo sacolinhas, em caso de a pessoa vomitar.”

Em algumas unidades da Farma Conde, a busca por medicamentos para alívio de sintomas como náuseas, vômitos e problemas intestinais quadruplicou na comparação com os últimos meses. “De cada três atendimentos, dois são de pessoas com sintomas de virose em busca de medicamentos específicos”, relata o farmacêutico Murilo dos Santos, gerente regional da rede na Baixada Santista. Segundo a empresa, os maiores aumentos são observados no Guarujá, Ubatuba, Caraguatatuba, Santos e Praia Grande.

Na farmácia Nissei, os medicamentos para diarreia, vômito e náusea sumiram rapidamente das prateleiras. Foto: Renata Okumura

Praia Grande

O governo de Praia Grande diz que verificou que as unidades de saúde estão realizando atendimentos relacionados a casos de virose com maior frequência. Não há, contudo, números específicos sobre o problema.

“De acordo com protocolo do Ministério da Saúde, não é necessário produzir a notificação desta doença, somente em caso de surtos, o que não condiz com o cenário atual do município”, afirma a Secretaria de Saúde Pública. Ao todo, a cidade contabiliza 7 mil atendimentos nas unidades de urgência e emergência nos primeiros dias de 2025.

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Santos

O Pronto Atendimento da Unimed Santos registrou uma demanda recorde na quinta, 2, levando em consideração os dados do último trimestre. Ao todo, 590 pessoas foram atendidas em 24 horas, entre adultos e crianças.

Segundo a cooperativa, 80% dos pacientes tiveram diagnóstico de virose e todos foram liberados com medicação para o controle dos sintomas. Não há registro de encaminhamento para internação.

A Prefeitura de Santos afirma que os casos de virose subiram de 2.147 em novembro para 2.264 em dezembro. Em janeiro, foram 273 atendimentos nas unidades municipais até esta sexta-feira.

Sintomas

O quadro descrito pelos pacientes é semelhante, assim como a melhora dos sintomas entre um a dois dias. No amanhecer de quinta, o marido de Larissa, o operador de equipamentos Wanderson Soares, de 31 anos, também começou a apresentar diarreia, náusea, vômito, além de uma dor intensa na barriga.

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“Imediatamente vim para o hospital. Fui atendido como preferencial, em razão da forte dor na barriga. Quase desmaiei. Tomei soro na veia”, recorda. “Estou melhorando, mas é difícil. Não podia comer nada que logo vomitava.”

“Além dos sintomas, também senti fraqueza”, acrescenta Larissa. “Agora, dois dias depois, estou começando a me recuperar, tomando muitos remédios e isotônicos”, continua.

Prevenção

Segundo o infectologista Marcelo Otsuka, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a melhor forma de controlar situações desse tipo é garantir higiene adequada, o que começa pelos alimentos devidamente higienizados e pelo uso de água de boa qualidade.

É importante ter cuidado com galões de água de procedência desconhecida ou com métodos de enchimento duvidosos. As melhores opções são água filtrada, fervida ou mineral em garrafas lacradas.

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O médico também recomenda atenção às condições da praia. “Ainda há muito esgoto sendo despejado nas praias, o que pode comprometer a qualidade da água. Isso é ainda mais preocupante para crianças, que frequentemente ingerem água do mar de forma acidental”, diz.

Tratamento

A Secretaria de Estado da Saúde enfatiza que o principal tratamento é a hidratação. Para casos mais graves, é preciso realizar a hidratação endovenosa.

“Evacuações muito frequentes e líquidas, dificuldade na hidratação com vômitos que não cedem, pele e boca secas, dificuldade em urinar são indicações de que se deve procurar o serviço de saúde”, orienta a pasta, lembrando que crianças e idosos demandam atenção especial.

Por fim, a secretaria ressalta que nenhum medicamento deve ser tomado sem indicação médica.

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