A cada R$ 100 faturados pelos planos de saúde com o recebimento das mensalidades dos seus clientes, R$ 12,70 são perdidos com fraudes e desperdícios, mostra um estudo feito pela consultoria EY e divulgado nesta terça-feira, 21, pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Com base na análise de dados financeiros do setor, projeções e questionários com 14 operadoras e dezenas de especialistas, os pesquisadores estimaram que 12,7% dos cerca de R$ 270 bilhões faturados no ano passado pelas empresas foi consumido por práticas fraudulentas ou desperdício, o que representa cerca de R$ 34 bilhões.
Não há dados sobre quanto desse montante é perdido com fraudes e quanto vai pelo ralo com desperdícios, mas o estudo estima, por exemplo, que entre 12% e 18% das contas hospitalares apresentem itens indevidos e 25% a 40% dos exames laboratoriais não são necessários. Isso indica que, somente em fraudes em contas hospitalares, foram gastos R$ 15 bilhões. Os exames desnecessários consumiram R$ 12 bilhões.
Para Cassio Ide Alves, superintendente médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o percentual é “inaceitável” e muito superior ao observado em países desenvolvidos. “Avaliamos esse percentual como absurdo, inaceitável e insustentável. Não podemos nos conformar com nenhum índice, o ideal seria zero. Mas, até termos legislação e normas que permitam punir o fraudador, temos que tentar reduzir esse índice para aquele observado em países como Estados Unidos e os da União Europeia, onde ele fica em torno de 7%”, afirma.
Para Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)‚ as fraudes colocam em risco a sustentabilidade do mercado privado de saúde e prejudicam o sistema de saúde como um todo. “É preciso um trabalho conjunto com as entidades, autoridades e poder público para intensificar a identificação e coibir as ações fraudulentas. Esses valores divulgados pelo estudo prejudicam diretamente os beneficiários de planos de saúde e as operadoras, que são uma importante engrenagem para o funcionamento do sistema de saúde do país. No final, todos pagam essa conta’’, disse ela, por meio de nota.
Fraudes e desperdícios mais frequentes
O estudo levantou as fraudes mais frequentes e com maior impacto financeiro para o setor:
- Adulteração de procedimento
- Superutilização
- Ocultação de condição pré-existente
- Fornecimento de dados de acesso a terceiros
- Reembolso sem desembolso
- Falsificação de laudos de exames
- Atendimento falso
- Fracionamento de recibo
- Reembolso duplicado
- Boleto falso
Com relação aos principais tipos de desperdícios, o estudo elenca:
- Pagamento de preço excessivo
- Desperdício de materiais não utilizados
- Uso excessivo de insumos de alto custo
- Atendimento ineficaz e inapropriado (baixo valor)
- Eventos adversos que podem ser prevenidos
- Duplicações de serviços
Em 2022, o setor de saúde suplementar teve prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, o pior resultado financeiro desde 2001, quando o setor passou a ser regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Uma das razões apontadas pelas operadoras é justamente o aumento de fraudes, em especial em pedidos de reembolso. Conforme o Estadão mostrou em julho, a alta desses casos fez as empresas iniciarem uma ofensiva contra os fraudadores que incluíram denúncias ao Ministério Público, uso de inteligência artificial para detectar fraudadores e endurecimento das regras para solicitação de reembolso.
Também pesam no desequilíbrio das contas do setor o alto custo de novos tratamentos, o aumento de beneficiários idosos, o aumento da judicialização na saúde, entre outros fatores. A situação tem pesado no bolso dos consumidores, que reclamam do alto custo do serviço. Neste ano, o índice de reajuste definido pela ANS para planos individuais e familiares ficou em 9,63%, quase o dobro da inflação acumulada em 2022, de 5,78%.
Nos planos coletivos e por adesão, nos quais o reajuste não é regulado pela ANS, os aumentos podem chegar a 82%, conforme estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) com base nos índices praticados nos últimos cinco anos.
Como os gastos com fraudes e desperdícios afetam o consumidor
Ainda que as fraudes e desperdícios não sejam o único fator que explique a alta nas despesas das operadoras, especialistas dizem que o elevado custo dessas práticas acaba sendo repassado ao consumidor já que o cálculo dos reajustes é feito com base no que foi gasto no ano anterior.
“Os impactos recaem sobre todos os compradores e pagadores de planos de saúde. É que as fraudes e desperdícios aparecem nas operadoras como despesas, o que acaba aumentando os reajustes. Se não existissem, certamente as mensalidades seriam menores. O que pode parecer uma ação de baixo impacto individual, quando agregada em comportamentos que se generalizam, acaba por representar um percentual elevado das receitas”, diz José Cechin, superintendente executivo do IESS.
Para Alves, da Abramge, o impacto não é só no bolso dos que já têm plano de saúde, mas também para aqueles que não conseguem acessar a saúde suplementar. “O impacto é para todo o ecossistema. O fraudador está lesando o princípio do mutualismo. Temos impactos nas mensalidades e também no acesso, porque novos beneficiários têm mais dificuldade de acessar porque a precificação inicial do plano muda também”, afirma.
Tipo de fraude mudou após ‘Máfia das Próteses’
Cechin comenta que o perfil de fraudes mudou ao longo dos últimos anos, após a descoberta da Máfia das Próteses, em 2015, esquema que envolvia empresas, advogados e até médicos que superfaturavam materiais usados em cirurgias ortopédicas e até faziam operações sem necessidade.
“As operadoras reagiram àquela situação e adotaram compras diretas, segunda opinião etc. Agora, as fraudes migraram para os reembolsos. Nessa área, pode-se dizer, com bom grau de confiança, que aumentaram”, afirma Cechin.
Ele diz que um dos objetivos do estudo é trazer recomendações às operadoras de como tentar combater fraudes e reduzir desperdícios. Entre as medidas propostas estão investimento em comitês específicos de combate a fraudes, uso de tecnologia para identificar e coibir a prática, campanhas educativas e maior aproximação com os beneficiários.
“Destacaria como ações urgentes continuar com as campanhas informativas e educativas - as pessoas perderam a noção, por exemplo, de que desdobrar recibos é uma fraude; trocar informações e experiências sobre fraudes e fraudadores, e aperfeiçoar técnicas que dificultem o cometimento e facilitem a detecção das fraudes e desperdícios, valendo-se de ciência de dados e inteligência artificial”, diz o superintendente executivo do IESS.
Questionado sobre o que o setor está fazendo para combater fraudes e desperdícios, Alves, da Abramge, afirmou que, com relação às práticas fraudulentas, há um esforço por parte das operadoras para a utilização de ferramentas tecnológicas tanto para o diagnóstico de fraudes quanto para coibi-las, como exigência de biometria facial para beneficiários solicitarem reembolso.
Quanto aos desperdícios, ele afirma que é preciso haver um esforço conjunto entre operadoras, ANS, médicos, associações de classe e pacientes. “Precisamos trazer mais protocolos, linhas de cuidado, medicina baseada em evidências e avaliação de tecnologias”, diz ele, referindo-se ao estabelecimento de diretrizes que reduzam procedimentos desnecessários.
A FenaSaúde ressaltou que lançou, em março deste ano, a campanha Saúde Sem Fraude. Desde então, diz a federação, as empresas associadas à entidade têm redobrado as medidas para o combate das ações fraudulentas no setor. “As operadoras de saúde mantêm áreas específicas e possuem mecanismos como token e biometria facial para tentar conter a ação de fraudadores. Também investem em tecnologias – sistemas de prevenção e inteligência artificial para identificação de casos suspeitos. Os indícios de crime são reunidos e encaminhados às autoridades de investigação para adoção das medidas cabíveis”, disse, em nota.
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