Há quem as ame e quem as odeie, mas ninguém pode negar que as frutas cristalizadas são um símbolo do Natal. Por isso, no final do ano, elas surgem com tudo, colorindo panetones, bolos e outras receitas. Mas, antes de chegarem à mesa, as frutas precisaram passar por um longo processo de “cristalização”, que altera a sua estrutura e modifica o seu sabor.
Diante dessas mudanças, será que o consumo do alimento cabe em uma dieta saudável? E como é o processo que dá às frutas um brilho e uma textura tão diferentes? Confira o que dizem especialistas ouvidos pelo Estadão.
Como é o processo de cristalização?
A cristalização é uma técnica tradicional usada para conservar frutas e vegetais. Para sua realização, o primeiro passo é mergulhar a fruta em uma calda de açúcar fervente, explica Regina Nogueira, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Depois disso, a fruta deve “descansar” e, então, ser fervida novamente, com ainda mais açúcar. O processo é repetido diversas vezes e pode levar até sete dias. O passo seguinte é expor o alimento ao ar quente para secar. É assim que a fruta conquista a camada de brilho e a textura seca que auxiliam na sua preservação.
“Nesse processo, ocorre a saída da água contida na matéria-prima e entrada do açúcar presente na calda na fruta, criando uma condição desfavorável ao crescimento de micro-organismos”, explica.
De acordo com Regina, esse processo pode ser feito com qualquer fruta e é possível usar qualquer uma delas no panetone, por exemplo.
Frutas cristalizadas são saudáveis?
Apesar de serem frutas – e, portanto, fontes de muitos nutrientes e compostos bioativos –, o processo de cristalização faz com que esses alimentos deixem de ser vantajosos à saúde. “Falamos de frutas nas quais se adiciona muito açúcar para reduzir a quantidade de água e, portanto, não podemos considerá-las saudáveis”, justifica a nutricionista Renata Oliveira, gestora do serviço de Nutrição do Hospital da Obesidade da Bahia.
A nutricionista, que é doutora em Medicina e Saúde Humana, menciona que o consumo excessivo de açúcar, seja através de frutas cristalizadas ou de outros alimentos, traz riscos já conhecidos: excesso de peso, descompensação da glicemia e altos níveis de triglicerídeos no sangue. Essas alterações são associadas ao aparecimento de condições como síndrome metabólica, obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.
Outra grande preocupação é a ingestão desse alimento entre as crianças. “Nessa faixa etária, estamos formando os hábitos alimentares. O consumo das frutas cristalizadas pode prejudicar esse processo, pois alimentos com sabor mais acentuado — como os com mais açúcar ou sal — acabam sendo as primeiras escolhas, ocupando o lugar das frutas in natura”, comenta.
Panetone de frutas cristalizadas ou de chocolate?
Engana-se quem acredita que o panetone recheado com as frutas cristalizadas é mais equilibrado do que o famoso chocotone. No que diz respeito ao açúcar, utilizar essas frutinhas ou chocolate ao leite (e não o 70% cacau) na receita dá praticamente na mesma. Por isso, os dois devem ser consumidos com moderação, sobretudo por quem precisa controlar melhor os níveis de glicose.
No quesito calorias, há uma pequena diferença: em 100 gramas de chocotone, há em torno de 400 calorias, enquanto na mesma quantidade de panetone tradicional a média é de 350 calorias, descreve a nutricionista Lara Natacci, pós-doutorada pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora de clínica Dietnet.
Cabe destacar, no entanto, que o chocolate tende a acrescentar mais gordura à receita. Fora que é um produto totalmente industrializado. “Quando comparamos um panetone de fruta cristalizada com um panetone trufado [de chocolate], por exemplo, prefiro sugerir o de fruta cristalizada, já que o trufado tende a ser mais processado e conter ingredientes menos saudáveis”, diz Renata.
Mas ela alerta que, na hora da compra, não adianta focarmos apenas no recheio do produto. “É preciso considerar a composição como um todo”, diz. Ou seja, alguns panetones podem ter mais conservantes, gorduras e carboidratos do que outros. Logo, vale um olhar minucioso na tabela nutricional e também na lista de ingredientes.
Como consumir sem prejuízos
Para o time que ama as frutas cristalizadas, é essencial ficar de olho na quantidade ingerida. “Essa cautela vale para o consumo do alimento isolado ou como parte de um produto”, diz Renata Oliveira.
Lara ressalta que ninguém precisa se privar desse prazer, basta ter moderação. Desse modo, as frutas cristalizadas podem fazer parte de uma alimentação equilibrada. Ela sugere, por exemplo, pequenas porções complementadas com fontes de proteína no lanche da tarde. Se preferir um pedaço modesto de chocotone, tudo bem.
Além disso, garanta o armazenamento adequado do produto. Segundo Renata, embora as frutas cristalizadas apresentem menor risco de contaminação por bactérias, elas ainda podem ser um ambiente favorável ao crescimento de fungos, que gostam de alimentos açucarados – e podem provocar doenças.
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Combo com castanhas
De acordo com Renata, uma boa ideia é combinar as frutas cristalizadas com oleaginosas – grupo composto por castanhas, nozes, amêndoas e afins. A proporção pode ser de uma colher de sopa das frutas para duas de oleaginosas.
É que o time das castanhas fornece, entre outras coisas, fibras e gorduras consideradas boas. Essa composição acaba diminuindo a velocidade com que o açúcar das frutas entra na corrente sanguínea. Dessa maneira, é possível evitar picos glicêmicos – e todos os problemas associados à disparada de glicose na circulação.
Alguns locais já oferecem produtos artesanais, como panetones, com essa combinação. “As oleaginosas podem aparecer inteiras ou até trituradas, e já teremos uma melhora a qualidade funcional do alimento”, diz a nutricionista.
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