Viver em sociedade é muito complicado. E perigoso. E não tem como viver sozinho. Para viver junto, a humanidade aprendeu desde a pré-história que é preciso combinar regras.
Três instituições que talvez você não conheça ou pelo menos não saiba para que servem - o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) são fundamentais para permitir a vida em sociedade.
Para que servem essas organizações? O Cade zela para que, no afã de entregar coisas necessárias à sociedade, as empresas não se constituam em fornecedores únicos e tenham, portanto, a capacidade de controlar o mercado. O Inmetro tem a tarefa de analisar as condições de verificação das unidades de medida utilizadas na produção e comercialização de produtos. São dois órgãos fundamentais para o bom funcionamento da economia. Por um lado, protegem a economia popular e por outro garantem condições de organização e funcionamento do mercado para que as empresas possam atuar em um ambiente com regras conhecidas e reguladas.
E a Anvisa? Primariamente é a responsável pela garantia da segurança sanitária e eficácia de produtos e serviços na área da saúde. Ela interfere na produção e oferta de medicamentos, alimentos, cosméticos, domissaneantes, produtos e equipamentos para atenção à saúde, uso de agrotóxicos, produtos fumígenos e serviços de saúde (hospitais, ambulatórios, bancos de sangue, serviços de radiologia, laboratórios etc). E também controla a entrada e saída desses produtos nas fronteiras do País. E também o fluxo de passageiros em relação a doenças cuja circulação deve ser controlada.
Esses três órgãos fazem parte do aparato estatal que regula o funcionamento do mercado de oferta de bens e serviços. E existem outros, ligados a outros ministérios, que complementam essa atividade regulatória.
No Brasil, neste momento, a Anvisa está sendo atacada. O Legislativo criou um conjunto de leis que transforma a agência em uma replicadora de aprovações que ocorrem em outros países. O Judiciário, por meio do STF, impõe prazos de análise para registro absolutamente exíguos. E o Executivo quer comprar vacinas de qualquer país, mesmo sem ter sua eficácia e segurança aferidas pela agência.
A sensação que se tem, observando esses movimentos, é de que se está tratando de eventos burocráticos e desnecessários. Mas é importante entender que, na prática, se está interferindo no processo de articulação das relações de oferta e produção de bens fundamentais para a sociedade. Não se coloca a Anvisa de joelhos como propôs o Congresso e o ambiente negocial continua funcionando de maneira adequada na sociedade.
Neste momento delicado do País, em que existe uma profunda crise política e sanitária, deve-se ter cuidado para não destruir uma organização que atua em um complexo espaço da sociedade e não somente garante a segurança sanitária e a eficácia de produtos vitais para a vida, como também é responsável por garantir um ambiente negocial transparente e regulado. Lembrem-se de que esta foi uma das razões para se criar uma agência independente há apenas 21 anos.
O mercado e a cidadania se beneficiam diretamente da existência de um sistema bem regulado; e dessa articulação complexa depende o bom funcionamento da economia e da saúde pública.
É MÉDICO SANITARISTA E PROFESSOR DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FSP/USP)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.