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Exercício, ciência e treinamento

Opinião|Aquecimento é mais do que alongamento – e traz vantagens à pratica de exercícios

As duas técnicas costumam ser consideradas sinônimas, mas não são; entenda as diferenças e funções de cada uma

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Foto do author Guilherme Artioli

Houve uma época em que começar seus exercícios sem antes alongar ou fazer alguma forma de aquecimento era uma verdadeira ofensa. Da mesma forma, encerrar sua sessão de treino sem alguns alongamentos era igualmente grave. Hoje em dia, parece que os profissionais da área e as pessoas em geral entenderam que nada de muito sério irá acontecer se pularmos os alongamentos ou o aquecimento.

Mas isso não quer dizer que essas técnicas não tenham nenhuma função – têm sim e, de muitas formas, podem melhorar o desempenho.

Não confunda aquecimento com alongamento

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Cabe esclarecer, antes de tudo, a confusão em torno dos termos “aquecimento” e “alongamento”.

Aquecimento é um conjunto de atividades realizadas com o objetivo de preparar o organismo para o exercício que virá na sequência. Embora muitas pessoas façam apenas alongamentos como forma de aquecimento, esse tipo de atividade é apenas uma dentro de inúmeras outras que podem servir para aquecer, tais como corridas, saltos, além de movimentos de mobilidade articular ou específicos da modalidade que será praticada em seguida.

Já os alongamentos são exercícios que esticam a musculatura, e geralmente têm o intuito de aumentar a amplitude do movimento de uma articulação. Esse ganho pode ocorrer de forma imediata – ou seja, a pessoa consegue realizar movimentos um pouco mais amplos logo após o alongamento. No entanto, isso é uma coisa momentânea. Para conseguir de fato aumentar a amplitude máxima, é preciso treinar flexibilidade, o que envolve rotinas específicas e muito mais intensas do que aqueles meros cinco minutinhos de alongamento antes ou depois do treino.

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O alongamento é apenas uma atividade que pode servir como aquecimento. Para aquecer, é possível recorrer, por exemplo, a saltos e corridas estáticas. Foto: puhhha/Adobe Stock

Se não alongar, vai se machucar?

Embora essa seja uma crença muito difundida, alongar-se antes ou depois do treino não reduz muito o risco de lesões durante o treino – a exceção talvez fique por conta das lesões musculotendíneas em atividades esportivas que exigem muita explosão muscular e mudanças rápidas na direção dos movimentos.

Em atividades como corrida moderada e musculação, o risco de lesões já é baixo, e o alongamento provavelmente não terá muito efeito protetor. Já para atividades mais vigorosas, como o futebol, as evidências, embora não muito claras, indicam uma discreta proteção do alongamento pré-exercício.

Outra alegação comum é de que o alongamento no pós-treino seria capaz de reduzir a dor muscular que pode aparecer nos dias que se seguem. Mas os estudos não confirmam tal percepção.

Ser mais alongado é diferente de se alongar

Algumas pessoas são mais alongadas do que outras e, portanto, exibem maior amplitude de movimento. Os fatores que contribuem para a flexibilidade de uma pessoa são muitos, e incluem sexo biológico, genética, idade, nível de atividade física e, claro, realização de treinamento específico de flexibilidade.

Por mais inflexível que uma pessoa seja fisicamente, treinar essa habilidade de forma sistemática irá torná-la mais alongada – e esse aumento de amplitude máxima de movimento pode proteger contra lesões, segundo alguns estudos.

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O alongamento ideal

Se, por um lado, o ganho momentâneo de amplitude de movimento não tem grandes efeitos protetores para o sistema musculoesquelético, ele pode, por outro lado, melhorar a qualidade técnica do gesto motor. Em outras palavras, o movimento esportivo pode ser executado com melhor técnica, o que tende a ser positivo para o desempenho no esporte.

Porém, é preciso certo cuidado ao incluir essa atividade na rotina de aquecimento, já que muitos estudos mostram redução temporária de força logo depois de alongamentos estáticos muito prolongados. Para evitar esse prejuízo no desempenho, é importante evitar ficar com a musculatura esticada de forma estática por mais de 60 segundos e preferir as versões dinâmicas.

Efeitos de um bom aquecimento

Todavia, um aquecimento bem feito pode, sim, melhorar o desempenho, e existem pelo menos dois fenômenos fisiológicos bem descritos que explicam isso.

O primeiro deles é a potencialização pós-ativação, que descreve um aumento do desempenho de força e de potência musculares que ocorre logo após uma atividade de alta intensidade. Obviamente, nem toda atividade é capaz de evocar essa potencialização, e o uso inapropriado da intensidade ou duração pode fatigar o atleta, piorando seu desempenho, ao invés de melhorar. Uma rotina de aquecimento inteligente deveria utilizar desse efeito para otimizar o desempenho.

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O segundo fenômeno fisiológico que deveria ser empregado em rotinas de aquecimento é a ativação do metabolismo aeróbio, conhecido como priming de VO2. Quando começamos um exercício, há certa demora na ativação do metabolismo aeróbio (que fornece energia que os músculos precisam para o exercício). Com esse atraso, outro sistema entra em ação para cobrir sua ausência temporária: os sistemas anaeróbios. Esses não dependem de oxigênio (por isso o nome), e são ativados muito mais rapidamente, porém há um custo: eles se esgotam muito rapidamente e produzem compostos que prejudicam a contração muscular e causam fadiga. Logo, para minimizar a dependência do metabolismo anaeróbio e melhorar o desempenho, é uma boa ideia ativar o metabolismo aeróbio antes, o que pode ser feito com cerca de cinco minutos de exercício em intensidade forte.

Por fim, o próprio aumento da temperatura corporal (afinal, estamos falando de “aquecimento”) pode também contribuir com o aumento do desempenho.

Ainda que o aquecimento possa parecer algo simples e trivial, há bastante pesquisa mostrando que as pessoas podem se beneficiar (ou não) dessa prática. Tirar proveito do seu lado benéfico depende da aplicação inteligente dos conceitos trazidos pela ciência.

Opinião por Guilherme Artioli

Bacharel, mestre e doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Faculdade de Medicina da USP e professor do Instituto de Ciência Biomédicas da USP.

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