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Exercício, ciência e treinamento

Opinião | Banheira gelada depois do treino? Veja benefícios, riscos e indicações

Atletas de certas modalidades e até celebridades ajudaram a popularizar a prática, usada com o objetivo de recuperar os músculos após os exercícios; mas, se a ideia é ganhar massa magra e força, é melhor evitar o hábito

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Foto do author Guilherme Artioli

Em tempos de Jogos Olímpicos, é oportuno lembrar aos leitores que o universo do esporte (e, por extensão, o universo fitness) é frequentemente invadido por novidades mirabolantes e invencionices que, pelo que se alega, melhoram o desempenho, evitam lesões e, eventualmente, são até mais eficientes do que o próprio treinamento.

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Quem não se lembra dos dispositivos que alargavam as narinas para que os atletas respirassem melhor? Ou daquelas fitas elásticas coloridas que eram coladas na pele deles? Ou, mais recentemente, quem não reparou nos estranhos hematomas redondos nas costas de vários competidores? Muitas dessas promessas somem do mercado tão rapidamente quanto surgem e, para não cairmos em ciladas, é importante exercer um ceticismo prudente sempre que novas e sedutoras promessas nos sejam apresentadas. Afinal, na imensa maioria dos casos, elas não têm qualquer fundamentação lógica, plausibilidade biológica, e nunca foram ou serão submetidas ao rigor do escrutínio científico.

Em casos raros, algumas dessas invenções até passam por certa testagem sistemática nos laboratórios e centros de pesquisa. Em situações ainda mais raras, algumas podem se provar úteis para determinadas finalidades. Dentro deste último e seleto grupo, está a prática de entrar em banheiras com água gelada, popularizada nos últimos anos por atletas de certas modalidades, em particular as de lutas e o rúgbi. Até celebridades já apareceram nas redes sociais investindo nessa técnica. Vejamos o que a ciência tem a dizer sobre o assunto.

A imersão em gelo após o treino tem indicações específicas. Foto: Michele Ursi/Adobe Stock

Como a banheira de gelo é bastante utilizada por atletas envolvidos em modalidades que requerem força e massa muscular, uma das preocupações mais importantes é se o hábito interfere (ou não) nesses aspectos. Nesse quesito, parece não haver muitas dúvidas. Há cerca de 10 anos investigações já mostravam que a imersão em água gelada após as sessões de treino prejudica as respostas anabólicas à musculação. Ou seja, quando realizado de forma contínua, o banho gelado parece colocar um freio nos ganhos de força e de massa muscular.

Os dados dos estudos são robustos, e mostram que as pessoas que realizam uma recuperação tradicional após os treinos ganham força e hipertrofiam seus músculos, ao passo que as que entram em banheiras de água gelada praticamente não exibem ganhos de força e massa muscular. Esses achados têm sido confirmados em diversos outros estudos. Portanto, fica claro que, se o objetivo é ganhar força ou massa muscular, o uso contínuo e repetido de banheiras de gelo é um verdadeiro balde de água fria.

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Por outro lado, há quem defenda a ideia de que a banheira de água fria promova uma melhor recuperação muscular após treinos extenuantes. Eu explico. Quando fazemos um treino intenso e/ou prolongado, é comum experimentarmos a chamada “dor muscular de início tardio”, geralmente acompanhada de inchaço muscular, além de perda de força e mobilidade. Essas respostas normalmente duram de 24 a 72 horas.

A presença de dor inibe a produção de força, e o inchaço e a perda de mobilidade prejudicam a capacidade de treinar. Logo, acelerar a recuperação após treinos extenuantes pode permitir que o atleta treine melhor nas sessões seguintes.

Do ponto de vista fisiológico, todas essas alterações são causadas por microlesões musculares, que ocorrem durante o treino extenuante, e desencadeiam uma resposta inflamatória local, culminando em dor, calor e inchaço musculares. A banheira de água gelada certamente não atenua as microlesões musculares, mas pode ter um efeito importante de reduzir a inflamação e, junto com ela, a dor, o inchaço e as perdas de força e mobilidade. Isso aconteceria porque a água gelada é capaz de causar constrição dos vasos sanguíneos que irrigam os músculos (combatendo a hiperemia, um importante elo entre inflamação e dor), além de reduzir diretamente a temperatura dos músculos.

Os estudos têm mostrado que, de fato, a imersão em água gelada consegue atenuar a dor muscular de início tardio, o que pode se traduzir em melhor recuperação de alguns parâmetros da função muscular.

Outro potencial efeito benéfico do uso de banhos gelados é o efeito direto e imediato sobre a temperatura corporal, o que pode ser especialmente relevante para atletas quem treina ou compete em locais quentes, pois os ajudaria a evitar aumentos exagerados da temperatura corporal – algo possível de ocorrer quando nos exercitamos no calor.

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Ainda que as banheiras de água gelada possam atenuar a inflamação muscular, melhorar a dor e acelerar a recuperação muscular, seu uso deve ser feito com moderação e de forma pontual, naqueles momentos de maior necessidade, ou quando houver dor e sinais de inflamação muscular decorrentes de um treino extenuante.

Para nós, meros mortais praticantes de exercícios sem qualquer intenção de competir, os banhos gelados podem até atenuar a dor muscular após treinos intensos. Mas é bom ficar atento, pois sentir dores constantes talvez seja um sinal de que algo precisa ser mudado em sua rotina de treinos. Para os que pretendem ganhar força e massa muscular, o uso regular do banho gelado sem a devida parcimônia pode acabar sendo uma fria.

Opinião por Guilherme Artioli

Bacharel, mestre e doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Faculdade de Medicina da USP e professor do Instituto de Ciência Biomédicas da USP.

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