Tenho a impressão de que estamos vivendo um momento de simplificação excessiva das coisas, o que tem levado à superficialidade nas relações interpessoais e também na forma como consumimos informação e aprendemos. Até a maneira como pensamos e analisamos problemas complexos tem se tornado rasa. Contudo, a busca por respostas fáceis para questões difíceis pode ter efeitos adversos importantes para os indivíduos e para a sociedade como um todo. A tendência de dicotomizar análises e de avaliar questões sob o viés do certo versus errado ou do bem versus o mal, não nos ajuda a fazer boas escolhas.
Essa lógica ultrassimplificada tem se manifestado também nos universos fitness e da nutrição, e pode ser vista na forma como muitos classificam alimentos como equilibrados ou não. Hoje, para que o alimento seja visto como saudável, parece que basta trocar açúcar por adoçante ou, mais importante ainda, acrescentar tanta proteína quanto as papilas gustativas tolerarem. É como se fosse uma grande ofensa consumir qualquer coisa que não tenha doses vultuosas e nada palatáveis de proteína.
Essa obsessão exagerada por alimentos proteicos revela uma forma um tanto desarranjada com que as pessoas estão encarando a alimentação. Isso, creio eu, está indissociavelmente ligado a um modo igualmente desarranjado de achar que um corpo excessivamente musculoso é necessariamente saudável.
Mas será que o consumo de proteína realmente leva ao ganho de músculos? E quanto mais proteínas, mais músculos? O abuso desse nutriente traz riscos à saúde? Vamos analisar essas e outras questões.

Proteína aumenta os músculos?
Em termos. O consumo de proteínas leva a um aumento da quantidade de aminoácidos (os blocos que constituem as proteínas) dentro dos músculos, onde alguns deles conseguem estimular o que denominamos anabolismo, ou a construção de mais músculos.
No entanto, é importante frisar que esse efeito não necessariamente se traduz em ganhos efetivos de massa muscular. Para que o músculo cresça, o consumo de proteína precisa ser acompanhado de exercícios que também estimulem o crescimento muscular, como é o caso da musculação.
Portanto, o treino de força é um componente essencial nessa equação. Ingerir proteínas e ficar sentado no sofá não garantirá mais músculos.
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Quanto mais proteína, mais músculos?
Em termos. Para pessoas que treinam força, existe sim uma relação dose-dependente entre consumo de proteína e o grau de do anabolismo no músculo. Mas há um limite acima do qual mais proteína não significa mais anabolismo.
A ciência mostra que a ingestão de cerca de 0,4 g de proteína por quilo de peso corporal em uma refeição já promove estímulo anabólico máximo (ou próximo disso) em pessoas jovens – em idosos, a história é um pouco diferente, mas deixemos esse assunto para outro dia. Para uma pessoa de 70 kg, estamos falando de aproximadamente 30 g de proteína por refeição (ou um filé de peito de frango).
A literatura mostra, ainda, que o consumo de aproximadamente 1,6 g de proteína por quilo por dia é suficiente para garantir hipertrofia muscular máxima em jovens que treinam força. Isso equivale a cerca de 110 g de proteína por dia, que pode ser dividida ao longo das refeições.
Para jovens que consomem carnes ou outras fontes de proteína nas suas principais refeições, não é muito difícil obter essas quantidades apenas com a alimentação. Saliento que esses valores se referem a pessoas que treinam regularmente. Para quem não treina, as necessidades de proteína são menores, e variam entre 0,8 a 1,2 g do nutriente por quilo de peso corporal.
Vegetarianos e veganos não ganham massa muscular como os onívoros?
Mito. Os primeiros estudos sobre o assunto de fato mostraram que a ingestão de cerca de 20 g de proteína vegetal resulta em estímulo anabólico um pouco menor do que a mesma quantidade de proteína animal. Além disso, alimentos fontes de proteína de origem vegetal geralmente contêm menos proteína por grama, ou seja, têm menor densidade proteica. Esses itens também contêm quantidades um pouco menores de aminoácidos essenciais e de leucina (dois gatilhos importantes para o anabolismo muscular). Isso tudo deu um certo suporte científico para esse mito.
No entanto, muitos estudos que vieram depois mostraram que essas diferenças no estímulo ao anabolismo desaparecem quando quantidades um pouco maiores de proteína são ingeridas (por exemplo, 30 g).
Fora isso, um estudo importante mostrou que vegetarianos e veganos que fazem musculação apresentam o mesmo crescimento muscular do que onívoros, desde que consumam os recomendados 1,6 g de proteína por quilo de peso ao dia. Em se tratando de proteínas vegetais, variar as fontes é outra boa estratégia para aproveitar melhor seus efeitos sobre os músculos.
Preciso tomar whey protein para ganhar músculos?
Mito. Embora os suplementos de whey e tantos outros produtos “fit” tenham ganhado popularidade, o consumo desses alimentos não é necessário na grande maioria dos casos. A exceção diz respeito aos casos em que a pessoa não consegue obter as quantidades indicadas apenas com a alimentação. Entre os idosos, por exemplo, que naturalmente já necessitam de mais proteína do que os jovens e ainda têm maior dificuldade em obtê-las via dieta, a suplementação pode, sim, ser uma importante aliada da preservação da massa muscular e da saúde.
Como dito acima, não há evidências de benefícios adicionais em se consumir mais proteína do que a recomendação de 1,6 g/kg/dia.
Da mesma forma, não é preciso ter pressa em consumir proteínas imediatamente após o treino. Muitas pessoas acreditam que se não tomarem whey nesse momento, perderão uma “oportunidade” de seus músculos crescerem. Mas a ciência já mostrou que a sensibilização que o treino de força causa no músculo dura 24 horas ou mais.
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Proteínas prejudicam os rins?
Mito. Em pacientes com insuficiência renal, há sim uma recomendação médica de se reduzir o consumo proteico. No entanto, em pessoas saudáveis, não há evidências de que o consumo de proteína na quantidade recomendada – ou até mesmo um pouco acima dela – resulte em qualquer prejuízo à função renal. Pelo contrário, os estudos disponíveis mostram um bom perfil de segurança.
Pessoas que treinam regularmente têm necessidades de proteína um pouco maiores do que pessoas sedentárias, mas isso não significa que essa população deva suplementar ou aumentar o consumo de alimentos proteicos.
Converse com um bom nutricionista e entenda como está sua alimentação – e fique atento para não cair nas armadilhas da indústria fitness. Uma alimentação transtornada, mesmo que adequada em proteínas, está longe de ser sinônimo de saúde.