Exercícios físicos regulares fazem bem, e todo mundo sabe disso. Ainda assim, a maioria das pessoas não consegue transformá-los em hábito. As barreiras para a prática são muitas, e certamente cada um tem suas próprias razões para deixar de lado algo tão importante. Estamos, hoje, vendo crianças e adolescentes com índices de aptidão física cada vez piores, provavelmente uma consequência de menos atividades físicas e desportivas em sua vida. Entre adultos, estudos mostram que a parcela da população que não atinge o mínimo de atividade física só tem aumentado nas últimas décadas.
Enquanto as estratégias de promoção da prática de exercícios na população têm mostrado eficiência aquém do desejado, cientistas buscam outro caminho para melhorar a saúde das pessoas: identificar e desenvolver moléculas capazes de induzir efeitos semelhantes aos provocados pelo exercício.
A lógica é relativamente simples. Sabemos que uma única sessão de exercício tem impacto enorme no metabolismo, e resulta na alteração de milhares de moléculas. Algumas são produzidas, outras destruídas, transportadas, ativadas ou inibidas. Como o exercício leva à melhora da saúde, assume-se que essas alterações moleculares também o fazem – se repetidas frequentemente. Em tese, pouco importa se tais alterações são causadas pelo exercício ou por qualquer outro meio, seja ele artificial ou não.
A despeito das alterações provocadas pelo exercício serem, em nível molecular, bastante complexas, algumas moléculas em particular parecem atuar como “maestras”, orquestrando como as demais irão se comportar. Essas moléculas-chave têm sido alvo dos cientistas, na esperança de promover algumas respostas similares às do exercício, mesmo sem se exercitar.
A ideia da “pílula de exercício”, como é frequentemente chamada, não é nova. Um dos primeiros relatos é de 2008, e apareceu em um estudo publicado na prestigiosa revista Cell. Nesse estudo, os pesquisadores testaram, em camundongos, uma droga em desenvolvimento chamada AICAR, capaz de estimular uma molécula de nome AMPK. Os resultados surpreenderam: o uso da droga melhorou a capacidade de corrida dos animais em 45%, mesmo sem que eles tenham realizado qualquer tipo de treinamento de corrida.
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Embora os pesquisadores certamente saibam que estimular uma única molécula ou, na melhor das hipóteses, um único conjunto de moléculas por ela governadas, não se aproxima (nem um pouco!) dos efeitos do exercício, eles ainda assim se referem a ela como “mimética de exercício”. A ideia que isso passa é a de que uma pílula é capaz de proporcionar todas as alterações positivas que o exercício e o treinamento físico oferecem, substituindo-os de vez e tornando-os práticas obsoletas de um passado a se esquecer.
Essa visão exagerada, precipitada e sensacionalista do estudo foi rapidamente adotada por diversos veículos de comunicação à época, que noticiavam a descoberta como algo que faria as pessoas treinarem mesmo estando no sofá.
Até hoje, a AICAR não vingou, e não tornou treinada nenhuma pessoa sedentária. Mas o sonho de encontrar a tal droga do exercício persiste. No ano passado, um estudo mostrou que outra droga (chamada SLU-PP-332) foi capaz de ativar alguns programas celulares típicos do exercício aeróbio. Os autores, mais uma vez, não relutaram em chamar o composto de “mimético de exercício”.
Semanas atrás, um novo estudo, dessa vez avaliando uma droga chamada LaKe, mostrou, em ratos, que consegue causar algumas poucas mudanças metabólicas parecidas com as do exercício e da restrição de comida. Embora esse tenha sido um estudo muito menos contundente do que os anteriores, ele ganhou grande repercussão aqui no Brasil, novamente com a mesma retórica equivocada de que a droga poderia mimetizar o exercício.
Aqui, compete a mim decepcionar os leitores mais esperançosos, e dizer que isso não existe, nunca existiu, e nunca existirá, por inúmeros motivos.
Primeiramente, exercício é um termo amplo, e engloba uma variedade enorme de estímulos: treinos de força, velocidade, flexibilidade, endurance, intervalado de alta intensidade, entre outros. Cada estímulo tem seus próprios efeitos, havendo, portanto, uma notável especificidade de respostas.
Se nem uma única modalidade de exercício consegue mimetizar as respostas das demais modalidades, como poderia uma simples molécula fazê-lo?
Ainda que consideremos apenas uma única modalidade, e vamos supor que seja o tradicional exercício aeróbio, seus efeitos não se restringem a um grupo de moléculas, de organelas, de células, ou a um órgão apenas. Ele, na verdade, é capaz de afetar positivamente quase todas as estruturas de nosso organismo. Dos músculos ao cérebro, coração e outros órgãos, passando por ossos, tendões, ligamentos, vasos, sistema imune. Desde a matriz extracelular até as diferentes organelas internas de nossas células. Para cada efeito benéfico, um ou mais grupos de moléculas estão por trás de tais respostas.
Uma pílula que realmente mimetize o exercício deveria, por definição, induzir todos os mesmos efeitos positivos. Não é o caso, e nunca será.
A ciência farmacêutica percebeu há muito tempo que drogas com muitas frentes de ação são aquelas com maior potencial para gerar efeitos colaterais e adversos. Em uma era em que as drogas estão cada vez mais específicas e, por isso mesmo, mais seguras e eficientes, é impensável desenvolver um medicamento capaz de interferir em tantos processos ao mesmo tempo. Ter todos os benefícios do exercício em uma única pílula é bom... Bom demais para ser verdade.
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