Seja você um atleta experiente ou alguém que está apenas começando no mundo da atividade física, certamente já ouviu falar da suplementação de creatina. A substância é um composto de três aminoácidos (glicina, metionina e arginina) produzidos naturalmente pelo nosso organismo, mas é frequentemente consumida em forma de suplemento alimentar por esportistas como um recurso ergogênico, ou seja, para melhora de performance.
“Durante o exercício, existe o gasto de energia, que está em forma de ATP (adenosina trifosfato) e é reduzida a ADP (adenosina difosfato). A creatina age doando rapidamente uma molécula de fosfato e o ADP retorna à forma de ATP. Isso gera energia mais rapidamente e por mais tempo. Desse modo, a resistência ao exercício físico aumenta e, consequentemente, a performance também”, detalhou a nutricionista Arieta Gualandi Leal, pesquisadora na Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Mas esse não é o único benefício da creatina – há estudos que demonstram seu potencial na melhora da saúde mental e na disposição como um todo, por isso o consumo não se restringe aos atletas ou adeptos dos exercícios físicos.
“Para pessoas que não fazem atividade física, ela acaba funcionando como um recurso ergogênico do cérebro por causa do fornecimento maior de energia. Isso contribui para a melhora da cognição, da memória, do raciocínio. Ela também está associada à diminuição dos sintomas de ansiedade e depressão e redução do cortisol”, afirmou Arieta.
Apesar de a rotulagem especificar que ela é indicada para pessoas com mais de 18 anos, não há evidências científicas que contraindiquem o uso por crianças e adolescentes. “Existem alguns estudos que mostraram benefícios para essa faixa etária com uso de doses seguras. O que se preconiza é que, antes de suplementar, a alimentação desse adolescente seja adequada para uma dieta bem equilibrada”, disse Serena del Favero, nutricionista do Espaço Einstein, unidade de esporte e reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein. Ela ressaltou, no entanto, que o uso da creatina tem sido preconizado para crianças e adolescentes que são atletas e estão envolvidos em treinamento competitivo e supervisionado.
Diante dos benefícios, uma das dúvidas de quem vai começar a usar o suplemento é qual a creatina mais adequada – existem sete tipos no mercado. “A creatina é um dos suplementos ergogênicos mais populares atualmente e os estudos têm mostrado que a suplementação é segura e eficaz”, afirmou Serena. A escolha deve ser feita sempre com auxílio de um profissional da saúde, de preferência, o nutricionista. Veja abaixo os principais tipos:
Creatina monohidratada
É a mais usada e mais barata. Sua absorção é mais lenta, quando comparada às outras versões. No entanto, o efeito da creatina é crônico e ela é estocada nos músculos, então essa lentidão não gera prejuízos. “Quando estamos fazendo exercício, a creatina utilizada é a que está armazenada no músculo, por isso não há necessidade de uma rápida absorção”, disse Arieta.
Serena acrescentou que a creatina monohidratada é a mais antiga, mais estudada e mais segura e eficaz. “Não existe um benefício em se usar outro tipo de creatina, por isso não temos tanta divulgação e nem tantos estudos com outras creatinas”, disse.
Sais de creatina
Lançados no mercado no início dos anos 1990, os sais de creatina são feitos ao adicionar um ácido à creatina, formando uma combinação que pode se separar facilmente quando ingerida. “A ideia era que, além de entregar creatina aos músculos, esses sais também poderiam fornecer outros nutrientes benéficos e melhorar a solubilidade da creatina”, explicou Serena.
Porém, até o momento, não existem estudos que indiquem que os sais de creatina sejam mais rapidamente absorvidos, mais eficazes ou uma fonte de creatina mais segura do que a creatina monohidratada. “Por isso eles são categorizados como tendo evidências limitadas para suportar sua biodisponibilidade, eficácia e segurança”, disse.
Magnésio creatina quelato (MgCr-C)
É promovido como uma forma de creatina que o corpo pode usar melhor. A ideia é que, como o magnésio ajuda nas reações de energia do corpo e é o único mineral que diminui durante o exercício, combinar creatina com magnésio poderia trazer benefícios adicionais.
“Algumas alegações são de que a suplementação de MgCr-C poderia melhorar a construção de músculos com doses recomendadas muito menores. Mas não há dados mostrando que o MgCr-C aumente os níveis de creatina no sangue ou promova maior retenção de creatina nos músculos”, afirmou Serena.
Leia também
Creatina Etil Éster (CEE)
É uma creatina que passou por um processo de esterificação com o objetivo de aumentar sua biodisponibidade no corpo. “Assim, em teoria, uma maior quantidade de creatina estaria disponível para ser utilizada e, consequentemente, menor quantidade do produto seria consumida”, explicou Arieta.
Segundo Serena, os fabricantes dizem que ela é absorvida mais rapidamente e de forma mais eficiente do que o CrM, teria menos efeitos colaterais (como inchaço e desidratação) e recomendam doses de 2 a 6 gramas por dia. No entanto, os estudos mostram que a CEE pode não ser tão eficaz quanto se pensava.
“Alguns pesquisadores descobriram que ela se degrada rapidamente no ácido do estômago, e não se converte bem em creatina no corpo. Isso significa menos creatina disponível para os músculos”, disse. “Em outro estudo, a CEE aumentou os níveis de creatinina no sangue significativamente, o que pode ser preocupante para a segurança. Portanto, as evidências de biodisponibilidade, eficácia e segurança ainda são limitadas.”
Creatina HCl (cloridrato de creatina)
O cloridrato de creatina (Cr-HCl) é vendido como uma forma de creatina que o corpo pode usar melhor do que a creatina monohidratada (CrM). É feito combinando creatina com ácido clorídrico, o que poderia melhorar a solubilidade da creatina em água.
“A propaganda diz que o Cr-HCl é 38 vezes mais fácil de ser usado pelo corpo do que o CrM. No entanto, isso é baseado em testes de laboratório que não são completamente justos, pois comparam a solubilidade do CrM e do Cr-HCl em diferentes níveis de pH. Melhor solubilidade em água não significa necessariamente que o corpo absorve melhor”, alertou Serena.
Nitrato de creatina (CrN)
É uma combinação das duas substâncias (nitrato e creatina) e é promovido como uma forma eficaz de suplemento, com doses diárias de 1 a 2 g por dia. Mas há poucos estudos disponíveis sobre sua absorção e seus efeitos no desempenho.
“Sobre o desempenho, alguns estudos encontraram benefícios na resistência muscular ao tomar CrN, mas esses benefícios podem estar mais ligados ao nitrato do que à creatina. Outros estudos relataram melhorias na força e resistência muscular com CrN, mas também não está claro se essas melhorias foram devido à creatina ou ao nitrato”, disse Serena.
Creatina alcalina
Surgiu no mercado no início dos anos 2010 como uma versão “alcalinizada” ou “pH-corrigida” da creatina monohidratada. Nesta versão, a creatina foi misturada com substâncias alcalinas (como bicarbonato) para aumentar o pH, tornando-a mais estável e, supostamente, mais fácil de ser usada pelo corpo. Foi promovida como uma fonte de creatina que o corpo absorveria melhor do que a creatina comum, mas até o momento não há provas de que ela seja melhor do que a versão tradicional.
Leia também
PERGUNTAS E RESPOSTAS
1 - Nosso corpo produz creatina naturalmente. Qual a necessidade de suplementar? Existe algum sintoma de “baixa creatina”?
A creatina não fica deficiente no corpo porque o próprio organismo a produz e por isso não existe sintoma de baixa creatina. No entanto, a suplementação gera benefícios e por isso é frequentemente adotada. Atletas de alta performance ou mesmo esportistas que desejam melhorar seu desempenho costumam utilizá-la.
2 - Qual a diferença entre creatina e whey protein?
A creatina é um aminoácido produzido pelo próprio corpo, mas que também pode ser encontrado em alimentos como carnes, ovos e leite. A creatina age na mitocôndria, gerando mais energia, e contribui para melhora da performance. Já o whey protein é uma proteína do soro do leite que auxilia na recuperação e na construção muscular após o treino.
3 – Qual a dose recomendada de creatina?
Atualmente, a recomendação é de consumo de 3 a 5 g por dia (o equivalente a uma colher de chá), independentemente do peso.
4 – O uso de creatina tem efeitos colaterais?
Não. Segundo Serena, o consumo da creatina pode levar ao acúmulo de água dentro do músculo, mas de maneira transitória. “Para cada molécula de creatina que acumulamos dentro do músculo, o corpo retém água. No momento em que a pessoa faz a atividade física, essa água vai embora”, afirmou a nutricionista. O suplemento pode aumentar a quantidade de creatinina na urina, o que gera dúvidas em relação a possíveis complicações renais, mas os estudos mais recentes apontam que isso não implica em prejuízos da função renal.
5 – Existe um melhor horário para consumir?
Não, a creatina pode ser consumida todos os dias e em qualquer horário. Seu efeito é cumulativo, então a dica é escolher um horário em que você não se esqueça de consumir.
6 – É possível otimizar o efeito da creatina?
Sim. A absorção da creatina é otimizada quando a insulina está levemente mais alta, por isso, a indicação é consumir junto a alimentos com carboidratos ou proteínas. Ela pode ser misturada a vitaminas, iogurtes ou ser diluída na água e consumida imediatamente antes ou após as refeições.
7 – Preciso fazer uma pausa no uso da creatina?
Até o momento, não há conhecimento sobre doses de creatina que causem toxicidade ou efeitos adversos no uso contínuo. Pesquisadores da Alemanha reuniram diversos ensaios clínicos que avaliaram a dose e o tempo de uso em idosos com doenças neurodegenerativas. Os resultados mostraram que uma dose de 9 g todos os dias por 5 anos foi bem aceita e bem tolerada, sem efeitos adversos.
8 – Há contraindicações?
A creatina é contraindicada para pessoas que possuem problemas renais preexistentes.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.