Estamos no Julho Amarelo, mês voltado à conscientização da população sobre as hepatites virais. No total, existem cinco versões da doença: A, B, C, D e E. No Brasil, as infecções mais comuns são causadas pelos vírus A, B e C. O grande perigo é que elas podem atingir o fígado – e, muitas vezes, de maneira silenciosa. Com isso, há risco de complicações sérias, como a cirrose.
“A cirrose é uma doença grave, que faz com que o fígado vá parando de funcionar”, define o médico infectologista Paulo Abrão, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Em alguns casos, a pessoa acometida pode precisar de um transplante de fígado ou até mesmo morrer.
Entre 2000 e 2021, foram confirmados 718 651 casos de hepatites virais no Brasil, como mostra o último Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Sendo que a divisão por tipo ficou assim:
- Hepatite A: 23,4% do casos (ou 168 175)
- Hepatite B: 36,8% dos casos (ou 264 640)
- Hepatite C: 38,9% dos casos (ou 279 872)
- Hepatite D: 0,6% dos casos (ou 4 259)
As infecções causadas pelos vírus da hepatite B ou C são as principais causas de doença hepática crônica. De acordo com Moacyr Silva Júnior, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), o grande objetivo do Julho Amarelo é incentivar a população a realizar a sorologia, ou seja, um exame de sangue. “Assim, é possível detectar se a pessoa é portadora de algum desses vírus, principalmente o B e o C, que são os que mais levam à cirrose hepática”, esclarece. Além disso, o avanço dessas infecções aumenta o risco de câncer no fígado.
Na maioria das vezes, as hepatites que avançam para quadros crônicos não provocam sintomas. Daí porque costumam ser chamadas de “assassinas silenciosas. “O indivíduo convive com a doença por muitos anos, mas sem saber disso. Aí, não busca assistência médica e, por consequência, não trata a condição. Enquanto isso, acaba passando o vírus para outras pessoas”, lembra Abrão. Cabe destacar que as hepatites B e C podem ser transmitidas via relação sexual desprotegida.
Atualmente, há vacinas contra as hepatites A e B. Para a infectologista Ceuci Nunes, diretora-presidente do Bahiafarma, o Julho Amarelo também serve para alertar sobre a disponibilidade desses imunizantes. “O importante é saber que as hepatites mais frequentes são preveníveis por vacinas que são oferecidas gratuitamente no Brasil”, ressalta.
Abaixo, conheça mais detalhes sobre cada uma das hepatites virais.
Hepatite A
O vírus da hepatite A é transmitido principalmente por alimentos, bebidas e água contaminados. Ao ingeri-los, o indivíduo adoece. Inicialmente, as manifestações do quadro podem incluir mal-estar, febre e dores musculares. Ainda é possível apresentar enjoo, vômitos, dor abdominal, constipação ou diarreia.
A principal forma de prevenção da hepatite A é por meio de uma vacina, que faz parte do plano de imunização do SUS. Atualmente, ela está no calendário infantil – a dose é oferecida aos 15 meses de idade. A prevenção também depende de hábitos de higiene, como a lavagem constante das mãos. Além disso, é essencial limpar corretamente os alimentos, sobretudo aqueles que serão consumidos crus. Lave-os com água tratada, clorada ou fervida e deixe de molho por 30 minutos. Cozinhe todos os outros muito bem.
Mais um fator que faz muita diferença na prevenção da doença é o saneamento básico. “A gente sabe que, no Brasil, existe um grande percentual de domicílios que não tem água tratada e há muitos locais sem sistema de esgotamento sanitário. Então, temos grupos muito vulneráveis, como as populações ribeirinhas” lembra Ceuci. De acordo com a médica, evitar as hepatites virais depende de medidas individuais e também coletivas.
Ainda não há tratamento para a hepatite A. Segundo informações do Ministério da Saúde, vale conversar com o médico para receber indicação de medicamentos capazes de aliviar sintomas e trazer conforto.
Hepatite B
Ela foi responsável por 13 922 (ou 32,8%) dos casos de hepatite notificados no Brasil em 2018, segundo o Ministério da Saúde. Na maioria dos casos, a infecção pelo vírus do tipo B não provoca sintomas, o que acaba culminando em um diagnóstico tardio – já com repercussões relacionadas a doenças do fígado, como cansaço, tontura, enjoo/vômitos, febre, dor abdominal, além de pele e olhos amarelados.
Entre as formas de transmissão da hepatite B, estão: relações sexuais sem uso de camisinha com pessoas infectadas, transmissão vertical (de mãe para filho na gestação, no parto ou na amamentação) e compartilhamento de objetos perfurocortantes. “Esse vírus é transmitido através do contato com sangue contaminado. Isso pode acontecer, por exemplo, na manicure, ao fazer tatuagem ou piercing e até mesmo na acupuntura”, comenta Abrão. Daí a importância de realizar procedimentos assim em locais confiáveis, que garantam a limpeza adequada desses instrumentos.
Atualmente, há um imunizante disponível no SUS para todas as pessoas não vacinadas. Embora a hepatite B não tenha cura, Abrão conta que é possível viver muito bem com a doença. “O controle é excelente” resume o médico. “Consideramos que só 2% das pessoas, mais ou menos, vão atingir critérios de cura”, explica.
Hepatite C
O vírus é transmitido sobretudo por meio de sangue contaminado, durante compartilhamento de agulhas e reutilização ou falha de esterilização de itens perfurocortantes. Relações sexuais sem preservativo representam um risco, mas essa via de transmissão não é tão comum. A hepatite C pode avançar de maneira silenciosa.
Entre as medidas de segurança mais importantes estão manter relações sexuais protegidas e principalmente não compartilhar objetos que possam carregar sangue contaminado. “Ao frequentar a manicure, por exemplo, deve-se levar o próprio alicate. Além disso, não compartilhe lâminas de barbear e tesouras”, aconselha Silva Júnior, do Einstein.
Atualmente, não há vacina para a hepatite C, mas existe medicação contra a doença. O tratamento é feito com os chamados antivirais de ação direta (ou DAA), que apresentam taxas de cura de mais 95% e são administrados, geralmente, por 8 ou 12 semanas. Todo o tratamento para infecção pelo vírus da hepatite C acontece pelo SUS. De acordo com o Ministério da Saúde, os DAA revolucionaram o tratamento da doença.
Hepatite D
Também conhecida por Delta, pode passar despercebida de início. Porém, quando dá sintomas, os mais comuns são tontura, enjoo, vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras. Segundo o Ministério da Saúde, a hepatite D crônica é considerada a forma mais grave de hepatite viral crônica, com progressão mais rápida para cirrose e um risco aumentado para descompensação e morte.
Não há uma vacina específica contra essa doença. “Mas o vírus D, sozinho, não causa a doença. Para isso, ele precisa do vírus B. Então, na prática, se você tomar a vacina para a hepatite B, acaba se protegendo contra a hepatite D”, explica a infectologista Ceuci. Além disso, usar preservativo durante a relação sexual e não compartilhar objetos pessoais perfurocortantes também são comportamentos indicados para a prevenção.
Caso o indivíduo desenvolva hepatite B, não existe cura, mas, segundo o Ministério da Saúde, o médico pode prescrever medicamentos para controlar o dano hepático.
Hepatite E
É a menos comum no Brasil. A transmissão ocorre por meio de água ou alimentos contaminados e em locais com saneamento precário. Segundo o Ministério da Saúde, outras formas de propagação podem ocorrer pela ingestão de carne mal cozida ou produtos derivados de animais infectados (como fígado de porco), transfusão de sangue infectado ou por transmissão vertical, aquela que ocorre de mãe para filho.
Atualmente, não há um tratamento especifico para a hepatite E. O mais importante é evitar a automedicação para alívio do sintomas, uma vez que há medicamentos que podem ser tóxicos para o fígado, o que pode agravar ainda mais o quadro de saúde, segundo o Ministério da Saúde. Se precisar amenizar desconfortos, converse com um médico.
A prevenção também depende de saneamento básico, higiene pessoal e manipulação adequada de alimentos. Mas vale destacar que, em caso de contaminação, na maioria dos casos se trata de um quadro benigno. O grupo que deve ficar mais atento, devido à possibilidade de agravamento, é o de gestantes.
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