Hospitais particulares também estão no limite em Estados mais afetados pelo coronavírus

Amazonas, Pará, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro tem alta taxa de ocupação de leitos de UTI também na rede privada

PUBLICIDADE

Foto do author Márcia De Chiara

Seis dos sete Estados com mais casos de covid-19 confirmados no País já estão com os hospitais privados lotados. Amazonas, Pará, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro tem taxa de ocupação no limite em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Só os hospitais particulares de São Paulo ainda têm vagas, entre os Estados com mais vítimas da pandemia.

PUBLICIDADE

"Mais de 90% de ocupação é sinônimo de falta de vaga. É o tempo de limpar o leito do paciente que saiu para colocar outro no seu lugar", diz Breno Monteiro, presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviço de Saúde do Estado do Pará, que apontou o colapso na ocupação dos hospitais particulares nesses Estados. Ele representa as empresas de vários setores da Saúde, entre os quais 6 mil hospitais privados do País.

Guilherme Jacoud, presidente do Sindicato dos Hospitais e Clínicas do Rio de Janeiro, diz que a ocupação de leitos de UTI varia entre 90% e 95% nos hospitais privados do Rio por conta de internações de covid-19 feitas por meio de planos de saúde. "A rede privada está sobrecarregada, estamos tendo de fazer peripécias para poder atender." Um das saídas é criar leitos de UTI em enfermarias contíguas ao CTI (Centro de Terapia Intensiva) para os pacientes em condições respiratórias ruins irem para um ambiente de terapia intensiva, que tem mais estrutura e pessoal mais qualificado.

O quadro se repete em Manaus(AM). Nos 11 hospitais particulares  do município, a ocupação das UTIs está acima de 90%, conta o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde  do Estado do Amazonas, Adriano Terrazas. "Estamos sem reserva técnica." Isso significa que não há nesses hospitais margem de manobra para acolher novos pacientes. Ele lembra também que, no caso de quebra de equipamentos ou substituição de peças e partes, a situção também é crítica. Os hospitais particulares  de Manaus estão  particamente totalmente ocupados por pacientes de planos de saúde.

Publicidade

O colapso na ocupação dos hospitais particulares nos Estados mais críticos na pandemia ocorre no momento em que o Conselho Nacional de Saúde, órgão ligado ao Ministério da Saúde, recomenda a requisição de leitos privados. Essa é uma forma compulsória de uso dos equipamentos pelos órgãos públicos em casos extremos. O mecanismo está previsto na Constituição e no decreto que reconhece o estado de calamidade pública por causa da pandemia.

Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus. Foto: Bruno Tadeu

Insatisfeitos com os valores oferecidos pela diária de UTI pelo Ministério da Saúde, de cerca de R$ 1.600, hospitais particulares tentam uma saída negociada com prefeituras e secretarias estaduais para disponibilizar leitos. Até porque, fora dos Estados onde há colapso no atendimento, os estabelecimentos privados enfrentam ociosidade.

Com a suspensão pelos planos de saúde de exames, consultas e cirurgias eletivas, isto é, aqueles procedimentos que podem ser adiados, muitos hospitais particulares estão vazios. Esses estabelecimentos viram a sua receita cair abruptamente do dia para noite e correm o risco de fechar. "O risco de quebrar é enorme”, diz Monteiro.

Aldevânio Francisco Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), que representa 4.200 estabelecimentos, conta que os hospitais particulares estão com dificuldade de manter os gastos fixos, o maior deles com pessoal. Nas suas contas, na média, 80% dos hospitais estão ociosos no País e usam 20% da capacidade. Hoje 70% dos hospitais representados pela entidade são de pequeno porte, têm até 100 leitos e não aguentam a queda na receita. "O que vai acontecer? Vão fechar. Daqui a pouco vão estar mandando os funcionários embora porque não têm como pagá-los."

Publicidade

Morato afirma que a questão, no momento, também é discutir os valores pagos pelo uso do equipamento hospitalar. "Vamos discutir e unir as duas forças, o público e o privado, para não deixar as pessoas morrerem sem UTI."

Na última terça-feira, a Comissão Externa para Prevenção do Coronavírus da Câmara dos Deputados tratou do atendimento privado da covid-19 em Estados onde ocorre o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). Na reunião, da qual participaram representantes dos hospitais privados, planos de saúde e também Santas Casas e entidades filantrópicas, saiu uma proposta para que estados e municípios façam um chamamento público aos hospitais privados no lugar de uma requisição compulsória dos leitos, conta o presidente da comissão, o deputado dr. Luizinho (Luiz Antonio Teixeira Jr.), doPT/RJ.

"O risco que corremos hoje é de um gestor, num momento de desespero, invadir um hospital privado e colocar os pacientes da rede pública no CTI. Mas quem vai pagar o médico? Se ninguém pagar, no dia seguinte ele não vai trabalhar", alerta.

Segundo o deputado, ficou nítido nas discussões da comissão que a saída para o problema de falta de leitos é que os governos regionalmente façam um chamamento público para os hospitais interessados em se habilitarem a oferecer leitos. "Essa discussão começou a perder a racionalidade, o Brasil é muito grande. O que vale para São Paulo não vale para o Amazonas", diz.

Publicidade

PUBLICIDADE

Apesar de reconhecer as diferenças regionais do País, especialmente no que se refere a preços pagos, o pesquisador da Fiocruz Francisco Campos Braga Neto diz que não há fundamento em considerar a requisição de leitos uma medida "irracional". "Na verdade, a ideia de requisição de leitos não só está amparada legalmente, mas a racionalidade que a sustenta é salvar vidas que estão sendo perdidas na fila de espera por cuidados", afirma o pesquisador.

Outro ponto questionado pelo especialista é sobre o risco de sobrevivência dos hospitais privados diante dos preços oferecidos pelo governo. Ele afirma que, se há um excesso de demanda por leitos intensivos, "certamente não haverá prejuízo, porque os recursos dos estabelecimentos privados serão utilizados". Ele pondera, no entanto, que é preciso buscar um preço justo, que não cause danos aos cofres públicos e, por outro lado, seja aceitável pelos hospitais privados. Braga Neto lembra, porém, que custos da mão de obra, um dos que mais pesam nos hospitais, variam de acordo com a região do País.

Preço

Um ponto de consenso entre os participantes da reunião da Comissão Externa para Prevenção do Coronavírus da Câmara dos Deputados, na semana passada, é que o valor pago pelos governos estaduais e prefeituras para usar um leito de UTI seja regionalizado. "Um leito de UTI em São Paulo é mais caro do que em Manaus (AM) e em Fortaleza (CE)",exemplifica o deputado Luizinho. Neste ponto, representantes de hospitais se comprometeram a enviar no prazo de até umasemana sugestões de preços regionalizados.

Publicidade

O deputado conta que numa proposta feita pelo governo do Rio foi oferecida diária de UTI de R$ 1.600 e não houve hospitais interessados. "Só o gasto de EPI (Equipamento de Proteção Individual) é de R$ 1 mil por dia. Tem de ser um valor que interesse aos hospitais", argumenta.

Antes da pandemia, o valor pago pelo SUS por uma diária de UTI era R$ 500, diz o presidente da CNSaúde. Depois, esse valor subiu para R$ 800 e está em R$ 1.600. "São Paulo tem sido o Estado mais eficiente em relação ao demais nas contratações", atesta Monteiro. O governo paulista acrescentou R$ 500 aos R$ 1.600 pagos pelo SUS e está conseguindo contratar por R$ 2.100 uma rede de prestadores de serviços que vai ajudar no combate à pandemia. "Esse é o melhor caminho para que não haja requisição de leitos", diz o presidente da CNSaúde.