Com um frasco de álcool em gel no bolso da calça cinza de moletom, o aposentado Cícero Benedito andava apressado pelos corredores do Pão de Açúcar Borba Gato, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo, na tarde de sábado. "Foi só uma escapadinha. Não tinha ninguém em casa para comprar a mistura. Eu sei que não deveria estar aqui, mas estou me prevenindo", disse o senhor de 65 anos mexendo no bolso e se justificando meio sem jeito a quebra da quarentena. Para conter a pandemia de coronavírus, o Ministério da Saúde recomenda o isolamento social, principalmente para os idosos acima de 60 anos, grupo de risco da doença.
Histórias como a do seu Cícero se repetiram nos supermercados no primeiro fim de semana após a determinação de quarentena em todos os 645 municípios de São Paulo desde o dia 24 de março pelo governador João Doria. Com permissão para funcionar normalmente, os supermercados concentram nas sextas-feiras e sábados os dias de maior movimento, de acordo com a Associação Paulista de Supermercados (APAS). E vários idosos circulavam pelos corredores.
Tomate, cenoura, limão, queijo e alimentos para o dia a dia estavam na lista de compras do médico psicanalista Wagner Vidille no supermercado Mambo, localizado na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. Ele procurou álcool em gel, mas não encontrou - o item de limpeza continua desaparecido de todas as prateleiras. "Eu só saio para o essencial. Os atendimentos médicos são feitos pela internet. O isolamento social é muito importante nesse momento. Nós sugerimos ciência para as pessoas e não achismo", diz o especialista de 67 anos que também é presidente da Federação Brasileira de Psicanálise.
De acordo com a Apas, o movimento nas lojas físicas de supermercados está desacelerando e voltando para um ritmo quase normal. O arrefecimento ocorre depois do pico de vendas registrado nos supermercados no dia 20 de março, quando o faturamento cresceu quase 50% em relação à véspera. Nesse período, o consumidor saiu para fazer estoques em razão do isolamento imposto pela pandemia do novo coronavírus. Mas, de lá para cá, esse movimento vem perdendo força.
"Ainda não tenho dados deste fim de semana, mas a minha percepção, a partir de conversas com representantes regionais da Apas, é que o fluxo de pessoas e as vendas estão retomando a normalidade", diz Ronaldo Santos, presidente da entidade. Ele relata que não há desabastecimento no varejo e o que pode ocorrer é a falta pontual de um determinado produto ou marca. No momento, o que mais preocupa o setor são aumentos abusivos de preços, caso do leite (36,4%), feijão (50,3%), batata (64,5%), alho (18%), arroz (9,8%), molho de tomate (33%), limão (72,1%) e cebola (36%).
Muitos consumidores foram aos supermercados para as compras essenciais trazendo no rosto a preocupação com a prevenção. Ainda no supermercado Mambo, a presença de clientes com a máscara cirúrgica foi comum no fim de semana. A professora Vanessa Guimarães foi além e amarrou um lenço rosa em cima da máscara. "Essa prevenção nem é para mim. Eu penso mais na minha mãe, que tem 65 anos. Como tenho de comprar as coisas para ela, tenho de tomar muito cuidado. Esse lenço foi um jeito que encontrei para tentar uma proteção maior", diz Vanessa.
Outras mudanças importantes na unidade foram a instalação de placas de vidro à frente dos caixas e a sinalização no chão para definir a distância de 2 metros entre cada pessoa na fila de pagamento.
As medidas, no entanto, não impediram totalmente pequenas aglomerações. No supermercado Castanho, na zona oeste da cidade, que adotou a sinalização de distância na fila do caixa e até avisos para compras solidárias, as pessoas ficavam próximas na fila do açougue e no setor de hortifruti. "A gente se previne de todas as formas, mas ainda está se acostumando a manter a distância. É um aprendizado", diz o motorista de aplicativo Cleber Augusto Santana.
Feiras livres
Com um fluxo bem menor do que o normal, com redução da ordem de 70% na opinião de alguns feirantes, muita gente - inclusive idosos - aproveitou a manhã deste domingo para fazer compras na feira da Vila Saúde, uma das maiores da capital. Aos 62 anos, Rosa Cristina afirmou que precisava ir às compras. Ela mora com a mãe, que tem a doença de Alzheimer. "Sou do grupo de risco pela idade, mas precisava vir. Compro tudo rapidinho, chego em casa e deixo o sapato para fora, depois faço a higienização de todos os produtos", explica.
A vendedora Angela Piccolo utilizava máscara, embora não estivesse gripada ou com algum sintoma do novo coronavírus. "Foi mais pela proteção, porque tem uma certa aglomeração nas barracas. Não tem muito o que fazer, porque tem de escolher as frutas e você acaba pegando onde todo mundo pegou. Ando com álcool em gel na bolsa e quando chego em casa já higienizo tudo", afirmou a mulher de 57 anos.
A queda do movimento nas feiras facilitou o deslocamento e impediu a formação de pequenas aglomerações. Poucas barracas tinham tumulto na hora da venda. "Até o número de barracas diminuiu", reparou Marcos Felix, que possui uma banca de frutas. "Em todas as feiras está assim desde a semana passada".
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