Muito se fala em saúde mental durante o processo de luto, que acontece pelo fim de um relacionamento, perda de emprego ou principalmente pela morte de alguém querido. Mas é importante lembrar que outros órgãos, como o coração, também estão diretamente ligados às emoções e à forma como lidamos com elas durante esses momentos difíceis.
Um exemplo é a síndrome do coração partido, também chamada de síndrome de Takotsubo, que ocorre quando uma pessoa passa por um pico de descarga hormonal muito grande e o coração não está preparado para esse aumento da frequência cardíaca.
A síndrome tem sintomas semelhantes aos de um infarto e seu nome reflete a dor que o estresse emocional pode causar. “O amor é tão intenso que, quando a pessoa amada morre, é como se o coração se quebrasse”, explica Maria Júlia Kovács, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte.
Como as emoções afetam o coração
De acordo com Álvaro Avezum, cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente do Departamento de Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), quando acontece um evento inesperado, são liberados hormônios como adrenalina e cortisol. Essas substâncias aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial, o que pode causar arritmias, infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca.
Para ter ideia, um estudo divulgado em 2012 indicou que, nos primeiros dias após a morte de uma pessoa querida, o risco de infarto do miocárdio aumenta até 21 vezes. Os especialistas consideram que os sentimentos são mais intensos no primeiro ano do luto. Nesse período, pode surgir uma sensação de peso no peito, semelhante à dor do infarto. Também pode haver falta de ar intensa, tal qual numa insuficiência cardíaca.
Ophelia Maria, de 84 anos, passou por um episódio de taquicardia meses após perder o marido em um acidente envolvendo o carro onde o casal estava com os dois filhos. Ela precisou então procurar um profissional para investigar o que era aquela sensação de que o coração “batia fora do lugar”, como descreve.
O cardiologista Jasvan Leite, do Hospital do Coração (Hcor), explica que algumas partes do coração são mais suscetíveis às emoções. É o caso do ventrículo esquerdo, o mais afetado por descargas hormonais intensas. Por conta do excesso de estresse durante momentos como o luto, esse músculo se contrai de forma desordenada e não consegue distribuir o sangue de maneira normal.
No caso de Ophelia, foi difícil chegar ao ponto de buscar ajuda porque, em meio ao luto, ela teve de lidar com as fraturas decorrentes da batida e cuidar dos dois filhos, na época com 4 e 8 anos. “De repente, você sofre um acidente, que é um horror, tem a parte física muito dolorida e tem os filhos pequenos que também sofreram acidente, que também se machucaram, que também correm risco”, recorda. “Não tive tempo nem de chorar.”
Sentir o luto
A forma como a pessoa lida com as emoções é determinante para garantir que o processo do luto não comprometa a saúde física. Apesar de toda a parte burocrática que envolve a morte de alguém e das mudanças com a partida, os especialistas explicam que é importante se permitir sentir a dor do primeiro momento.
“O luto tem que ser vivido. Não é para fingir que não é conosco, não é para não chorar, não é para não ficar entristecido. É um fato que entristece. Ela (a dor) é real, então tem uma resposta”, afirma Avezum.
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Esse processo não tem fases e não podemos dizer que tem um fim, segundo Maria Júlia. Sua duração está relacionada com a elaboração e a aprendizagem de cada um. Geralmente, o primeiro ano é mais difícil porque são vividas as principais situações, as festas e datas comemorativas sem a presença da pessoa amada. Ainda assim, não é possível dizer que o luto acaba após 365 dias.
A integração entre cuidados psicológicos e físicos ajuda a passar pelo processo de uma forma menos traumática e, por consequência, reduzir as chances de problemas cardíacos. Apesar disso, durante o primeiro momento do luto, pode ser difícil encontrar motivação para buscar atendimento.
“O que a gente pode fazer enquanto amigo, familiar ou profissional é ver quais são as necessidades da pessoa, orientar para que ela busque cuidados de diversas ordens, inclusive de ordem física, mas também de ordem emocional, com psicólogos, psiquiatras”, ensina Maria Júlia. É importante que o enlutado tenha por perto pessoas dispostas a ajudar e que o auxílio seja baseado nas suas necessidades, acrescenta a professora.
Diagnóstico e tratamento
Como os sintomas da síndrome do coração partido são parecidos com os do infarto, é preciso investigar para chegar às causas da alteração no coração. “A diferenciação é feita por um profissional médico, que faz a triagem e o atendimento. De acordo com a anamnese e com a história clínica, ele vai trilhando para o caminho da descarga hormonal para o coração partido”, afirma Leite. Nesse processo, podem ser solicitados exames como o ecocardiograma, capaz de indicar a contração desordenada do coração.
O cardiologista do Hcor diz que o tratamento, no caso da síndrome do coração partido, é semelhante ao de insuficiência cardíaca: são usados medicamentos para diminuir o nível da pressão arterial, provocando uma vasodilatação dos vasos periféricos e favorecendo o funcionamento do órgão. “Tudo isso é para diminuir o trabalho do coração. Dá um desafogo para aquele coração que está trabalhando no sufoco”.
A depender do caso, o tratamento dura poucas semanas. Alguns pacientes, porém, precisam controlar a frequência cardíaca e o funcionamento do coração ao longo dos anos. Além disso, exames como o ecocardiograma passam a fazer parte do check-up anual.
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