Incontinência urinária motivou mais de 29 mil cirurgias nos últimos anos; número é considerado baixo

Muitas pessoas com o problema sentem vergonha e não buscam tratamento, afirmam especialistas

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Por Gabriel Damasceno

O Sistema Único de Saúde (SUS) realizou cerca de 29,3 mil cirurgias para incontinência urinária entre 2020 e 2024, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) com dados do Ministério da Saúde. O número é considerado baixo e pode estar ligado a uma falsa normalização do quadro.

“No caso das mulheres, realizamos cerca de 15% do número de cirurgias dos Estados Unidos e 30% do número da Inglaterra. Considerando que as brasileiras não são menos incontinentes que as estrangeiras, conseguimos concluir que muitas mulheres estão perdendo urina sem tratamento”, diz Alexandre Fornari, coordenador do Departamento de Disfunções Miccionais da SBU.

Incontinência urinária pode acometer mulheres, homens e crianças, ressaltam especialistas Foto: Andrey Popov/Adobe Stock

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Segundo os especialistas, muitas pessoas com o problema acreditam que se trata de um fator natural do envelhecimento, mas não é. Apesar de ser mais comum em pessoas idosas, a condição não é uma consequência da idade e pode afetar diferentes grupos.

“A incontinência compromete significativamente a qualidade de vida, ainda mais porque muitas pessoas que enfrentam essa condição não falam sobre ela. Por terem vergonha, tendem a esconder a situação”, diz Fornari.

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A incontinência, explica, é caracterizada por qualquer perda involuntária de urina. “Ela pode acometer tanto homens quanto mulheres e crianças. Os menores, depois dos 5 anos de idade, já deveriam ter um controle total da urina, mas algumas vezes isso não acontece”.

De acordo com o urologista e cirurgião Carlo Passerotti, do Centro Especializado em Urologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, estima-se que, no Brasil, 35% das mulheres acima dos 40 anos e 15% dos homens idosos sofram com o problema. Nos Estados Unidos, estudos apontam que entre 20% e 45% das mulheres apresentam algum grau de incontinência, com a incidência aumentando com a idade.

“A condição pode ocorrer devido à fraqueza dos músculos do assoalho pélvico, disfunção neuromuscular, aumento da pressão abdominal ou alterações hormonais. É essencial procurar um especialista para avaliar a causa e indicar o melhor tratamento, evitando complicações e garantindo maior qualidade de vida”, afirma Passerotti.

Três categorias

A condição pode ser dividida em três categorias principais. A mais comum, correspondente a cerca de 40 a 70% dos casos em mulheres, é a incontinência urinária por esforço. Ela é caracterizada pela perda urinária mediante ações como tossir, rir, espirrar, praticar exercícios ou carregar peso e decorre de um problema no mecanismo de sustentação da uretra. “Isso pode acontecer por conta do envelhecimento ou por partos. Em homens, ela normalmente acontece após cirurgias de próstata”, explica Fornari.

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O segundo tipo é a incontinência de urgência, associada ao que os médicos chamam de bexiga hiperativa. Nesse caso, a pessoa tem uma vontade súbita e incontrolável de urinar.

A terceira categoria é a incontinência mista, que associa os dois tipos anteriores. “Cada tipo exige uma abordagem específica e, por isso, é fundamental buscar orientação médica para o diagnóstico preciso e um tratamento adequado”, recomenda Passerotti.

Como o tratamento é feito?

O tratamento depende do diagnóstico e cada caso é único. “A incontinência urinária pode ser um indicativo de doenças neurológicas, como Parkinson e AVC, e pode ser tratada com terapias comportamentais, medicamentos e cirurgia”, afirma Passerotti.

A incontinência urinária de esforço, por exemplo, é o tipo que mais demanda cirurgias, mas as operações não são a primeira linha de abordagem. “Antes, fazemos o tratamento com medidas conservadoras, que são mudanças de hábito e fisioterapia. Caso não funcione, indicamos o tratamento cirúrgico”, diz Fornari.

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O mais comum dos procedimentos cirúrgicos é o sling. “Colocamos uma tela de polipropileno embaixo da uretra para dar mais sustentação. É um procedimento rápido, que leva em torno de 20 a 30 minutos, e o paciente pode ir embora no mesmo dia. O pós-operatório tem muito pouca dor, mas necessita de um tempo de repouso um pouco longo, de no mínimo 30 dias”, explica.

Já na incontinência de urgência, os médicos podem recomendar injeções quando as mudanças comportamentais e a fisioterapia não surtem efeito. “A terceira linha de tratamento inclui a aplicação de toxina botulínica — o botox — na bexiga ou um implante de marcapasso para o órgão, procedimento chamado de neuromodulação sacral”, conta Fornari.

Uma nova tecnologia para o tratamento da incontinência de urgência, que consiste em implantar um dispositivo no nervo tibial (próximo ao tornozelo) para estímulo crônico da bexiga e controle do quadro, vem sendo utilizada em outros países e deve chegar ao Brasil em 2026.

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O que causa o quadro?

Um dos fatores de risco, de fato, é a idade. “A incontinência é um problema muito grande na população idosa, principalmente nas mulheres. Nos homens, também é possível que ela apareça ligada a problemas prostáticos, mas a incidência no público feminino após os 50 anos é bem maior”, destaca Aline Saraiva, médica geriatra do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio de Janeiro, e integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Porém há outras questões que também podem contribuir para o problema, incluindo histórico familiar, gestação, tabagismo, diabetes, sobrepeso e obesidade.

Cirurgias pélvicas e na próstata (principalmente para tratamento de câncer) e exercícios de alto impacto (quando não há avaliação e acompanhamento adequados) também estão associados a um risco mais elevado, bem como a presença de doenças neurológicas como Parkinson e esclerose múltipla. “A incontinência urinária em estágios iniciais pode ser um alerta de que alguma doença neurológica pode vir a surgir”, ressalta Aline.