Pandemia vai ficar se não vacinarmos todo mundo, afirma diretor do Prêmio Nobel

Diplomata e ex-ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega destaca que compartilhamento do imunizante contra a covid-19 ainda é muito desigual

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Foto do author Roberta Jansen

RIO - Nesta terça-feira, 16, cinco ganhadores do Prêmio Nobel se reúnem virtualmente com 80 estudantes de 24 países da América Latina e do Caribe. O Brasil será o país com o maior número de representantes, 16 no total. Os alunos terão oportunidade de conversar com a microbióloga francesa Emmanuelle Charpentier, laureada com o Nobel de Química do ano passado, a australianaElizabeth Blackburn e a norueguesa May-Britt Moser, ganhadoras do prêmio de medicina em 2009 e 2014 respectivamente, além do americano Saul Perlmutter, Nobel de Física de 2011, e o holandês Bernard Feringa, Nobel de Química em 2016.

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No encontro, os laureados estarão reunidos com estudantes de graduação e pós-graduação. Divididos em cinco salas virtuais, eles debaterão questões como a responsabilidade dos cientistas e a construção de diálogos entre a ciência, os atores políticos e a sociedade. Os cinco Prêmio Nobel também vão propor desafios científicos aos jovens e responderão a questões propostas pelos estudantes. O evento poderá ser visto no canal do Prêmio Nobel no YouTube.

Diplomata e ex-ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, Vidar Helgesen é desde o início deste ano diretor-executivo da Fundação Nobel, que concede o prestigiado prêmio. Nesta entrevista exclusiva para o Estadão, concedida por ocasião desse encontro virtual entre cientistas laureados e estudantes da América Latina, Helgesen fala sobre aquecimento global, pandemia de covid-19 e negacionismo, mas evita polêmicas sobre as premiações mais recentes.

“A mobilização científica foi sem precedentes. A colaboração internacional levou à produção de várias vacinas em tempo recorde; é uma grande conquista da ciência”, afirmou ele, sobre a resposta mundial à pandemia. “Infelizmente, o mundo não foi igualmente bem sucedido em levar a vacina a todos os cantos do planeta. O compartilhamento do imunizante ainda é muito desigual.”

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Qual a importância de iniciativas como esta que acontecerá nesta terça-feira, 16, reunindo estudantes da América Latina a cientistas laureados com o Prêmio Nobel?

Há bons argumentos para falar da importância de eventos como esse tanto do ponto de vista da pandemia quanto do ponto de vista da infodemia. A ciência é muito necessária para resolver os grandes problemas do mundo, a pandemia de covid-19 certamente é um deles. E a ciência está sob grande pressão. Temos de nos unir para a ciência e pela ciência, para defender sua integridade e contribuir em diferentes campos. Reunir laureados e estudantes é um bom estímulo aos jovens e também uma forma de reforçar a importância da ciência e dos cientistas.

Vidar Helgesen, diretor-executivo da Fundação Nobel Foto: Clément Morin/Fundação Nobel

De fato, a ciência está sob ataque em muitos países, inclusive no Brasil. Como a Fundação Nobel pode ajudar na luta mundial contra o negacionismo e as fake news?

O negacionismo e as fake news são sem dúvida um dos maiores desafios do nosso tempo. Em setembro passado, ao discursar na Assembléia Geral da ONU, o secretário-geral Antonio Guterres falou sobre a necessidade de as decisões serem tomadas com base na ciência. Os laureados nas mais diversas disciplinas, os cientistas mais prestigiados do mundo, vêm alertando para a importância da busca por provas científicas. É por isso também que fazemos eventos assim, reunindo estudantes e cientistas agraciados com o Nobel, para reforçar a importância da ciência.

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A despeito da infodemia, das fake news e do negacionismo, a ciência teve um papel crucial na pandemia de covid-19, como o desenvolvimento de várias vacinas contra a doença em menos de um ano....

A mobilização científica foi sem precedentes. A colaboração internacional levou à produção de várias vacinas em tempo recorde; é uma grande conquista da ciência. Infelizmente, o mundo não foi igualmente bem sucedido em levar a vacina a todos os cantos do planeta. O compartilhamento do imunizante ainda é muito desigual. Em minha parte do mundo, estamos discutindo a importância de uma terceira dose de reforço e ainda tem muita gente que não tomou a primeira dose. Temos evidências científicas sólidas de que a pandemia não irá embora se não vacinarmos todo mundo. Esse é um tema crítico no qual a ciência não é a única coisa que importa, a política é importante também. E há ainda o desafio de disseminar a mensagem sobre a importância da vacinação, que deveria ser levada a cabo por cientistas e políticos em conjunto.

Muita gente esperava que, entre os laureados deste ano do Nobel, houvesse cientistas por trás de estudos sobre a covid-19 e o desenvolvimento em tempo recorde de novas vacinas contra a doença. Faltou sensibilidade ao comitê?

Eu não posso falar sobre prêmios em particular. A única coisa que posso dizer sobre isso é que ainda temos muitos anos e muitos prêmios pela frente.

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A COP-26 terminou neste fim de semana com um acordo final que não é suficiente para limitar o aumento das temperaturas médias em 1,5 ºC. Políticos ainda resistem a compromissos mais ambiciosos. Como o senhor vê essa situação?

Acho que podemos ver essa situação de duas formas. A primeira é que a ciência não é suficientemente ouvida. Por outro lado, as negociações politicas internacionais têm um andamento próprio, às vezes pode ser lento. Mas acho que houve avanços este ano mesmo no campo político. Então, não acho que a ciência é ignorada nessas discussões, mas deveria ser cada vez mais respeitada e seguida. Bom lembrar que o prêmio de Física deste ano foi para trabalhos em ciência climática fundamental.

Muitos especialistas defendem a ideia de que o mundo deveria ter uma governança internacional mais forte. O senhor concorda com isso?

O mundo certamente precisa de colaboração internacional. Vimos isso nos esforços conjuntos para a produção de vacinas e precisamos disso para fazer uma distribuição mais justa desses imunizantes. Também precisamos de colaboração internacional na questão do clima e em várias outras áreas. Em seu testamento, escrito em 1895, em que deixou instruções para a organização do prêmio, Alfred Nobel ressaltava a importância da cooperação internacional e dizia que a nacionalidade não deveria ser levada em conta.

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Como ex-ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, e levando-se em conta que a Noruega é um dos maiores doadores do Fundo Amazônia, como o senhor vê a atual política ambiental brasileira?

Não me sinto na posição de comentar sobre a política de outros países. Mas, do ponto de vista científico, temos cada vez mais evidências da importância da floresta tropical para o equilíbrio climático. Neste sentido, tivemos boas notícias vindas da COP-26 (mais de cem países assinaram um acordo para zerar o desmatamento até 2050, o Brasil entre eles), embora muito trabalho precise ainda ser feito.

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, acaba de declarar guerra civil em seu país, um ano depois de ter sido agraciado com o Nobel da Paz por seus esforços em deter a guerra. Como a Fundação Nobel se posiciona diante de situação como essa?

Também não posso responder essa. Mas posso dizer que, ao longo da história, muitos prêmios foram dados a pessoas em meio a processos políticos complicados. Então, há sempre um elemento de risco, porque o Prêmio Nobel da Paz é um prêmio político. O prêmio é dado até aquele momento.

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Recentemente, no Brasil, a atriz Fernanda Montenegro e o cantor e compositor Gilberto Gil foram eleitos para a Academia Brasileira de Letras (ABL). A eleição causou uma grande polêmica, insuflada por radicalismos políticos, sobre o valor de se eleger um ator ou um compositor para uma academia de letras. A fundação enfrentou o mesmo problema quando Bob Dylan foi laureado com o Nobel de Literatura?

Qualquer prêmio de literatura pode ser concedido por diferentes vias. Mas o fato de ter ganhado é certamente um sinal de que alguns podem ser vistos como gênios literários.

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