SÃO PAULO - As curvas de crescimento de casos de contaminados e de mortos por covid-19 em São Paulo indicam um pico tardio de contágio do novo coronavírus no interior e no litoral, que deve chegar em junho. 63.006 infectados e 4.823 pessoas mortas no Estado até esta segunda, 18 de maio, a expansão da doença por essas regiões pode resultar em uma explosão de doentes.
A escalada deve acontecer em meio aos reflexos das primeiras medidas de flexibilização de isolamento social e de retomada de atividades econômicas, agravada pela mudança do clima — no inverno, que inicia no dia 20 de junho, a temperatura cai e o ar fica mais seco, sobrecarregando naturalmente os hospitais com pacientes com problemas respiratórios.
O professor Benilton de Sá Carvalho, do Departamento de Estatística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordena uma equipe de pesquisadores, que trabalha em análises de dados da covid-19 e tem monitorado a evolução dos casos na região metropolitana de Campinas e no Estado. “Estamos trabalhando na modelagem para picos do interior. Na região de Campinas, as estimativas que temos neste momento é que o pico venha para o fim do mês, começo do junho.”
Os dados compilados até agora pelos matemáticos da Unicamp indicam crescimento de contágios, e consequentemente de mortes, acelerado até junho. “O que me assusta nisso é que estaremos em uma fase em que o número de casos e o número de óbitos estão subindo de maneira acelerada”, afirma Carvalho.
Em abril e na primeira quinzena de maio, os registros de contaminados e de doentes mortos têm crescido mais rapidamente de forma geral no interior e no litoral, mesmo com maior volume concentrado na Grande São Paulo. “Nos 11 primeiros dias de maio, as mortes na região da Grande São Paulo aumentaram 63%, enquanto nos resto do Estado o aumento foi de 68%”, destacou o secretário de Saúde do Estado, José Henrique Germann. “Pode parecer pouco, mas isso nos deixa em alerta.”
Expansão
O crescimento de mortes segue — em menor volume, mas em igual proporção – o aumento de contágio do coronavírus no interior do Estado. “Em 11 dias, o total de casos da covid-19 dobrou no interior: saltou de 4,3 mil para 8,7 mil”, destacou o secretário de Desenvolvimento Regional do Estado, Marco Vinholi — números registrados entre 30 de abril e 11 de maio. Nesta sexta-feira, 15, já eram 11.161 contaminados e 653 mortos nessas cidades.
Os integrantes do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo têm emitido alertas a prefeitos, autoridades e à população do interior e do litoral sobre os riscos desse avanço. “Quando abril começou, 16 cidades do Estado registravam mortes por covid-10”, destacou Vinholi. Passados 15 dias, 78 municípios tinham registro de um ou mais pacientes mortos, 50 deles no interior e no litoral, e 28 na região da Grande São Paulo — epicentro da covid-19, área do Departamento Regional de Saúde 1 (DRS-1), que engloba a capital e 38 cidades, onde vivem 21,7 milhões de pessoas.
Na sexta, as mortes por covid-19 tinham atingido 209 cidades paulistas: 172 no interior e no litoral e 37 na Grande São Paulo. Na região, só Pirapora do Bom Jesus e Biritiba-Mirim estavam fora dessa contagem, número já alterado: na sexta, Biritiba Mirim teve suas duas primeiras mortes.
Secretaria Estadual de Saúde divide o território paulista em 17 áreas, considerando grandes cidades, polos urbanos regionais, sedes dos Departamentos Regionais de Saúde (DRSs). Com 645 municípios, essa divisão serve para regionalizar a gestão de recursos, políticas públicas, número de hospitais, oferta de leitos, entre outras.
As regiões da Baixada Santista (DRS-4, com nove cidades e 1,8 milhão de habitantes) e de Campinas (DRS-7, com 42 municípios e 4,6 milhões de moradores) são as duas com maior volume total de contaminados e de mortos. “As curvas de crescimento que vemos até agora chegam a um ponto em que fazem o que chamamos de ponto de inflexão, que coincide com a metade de toda desgraça que vamos enxergar pela frente”, explica o estatístico da Unicamp. Estima-se que a região de Campinas chegue a essa “metade” entre os dias 27 de maio e 5 de junho.
O pior cenário fora da Grande São Paulo é o da Baixada Santista, que registrou, até 15 de maio, 167 pacientes mortos. A Baixada concentra cidades com maior risco de contágio e já enfrenta problemas de sobrecarga nos hospitais. Santos, Praia Grande, Guarujá e São Vicente elevam as taxas de mortos na região. Na última sexta-feira, a DRS-4 registrava 8,9 óbitos para cada 100 mil habitantes – perdendo apenas para a Grande São Paulo, que tinha taxa de 17,7.
A região de Bauru (DRS-6, que abrange 68 municípios e 1,8 milhão de habitantes), por exemplo, tinha registrado 44 mortos pela doença, taxa de 2,44 por 100 mil moradores. Para especialistas, a proximidade com a capital – epicentro da doença no Estado – e alta densidade populacional da Baixada contribuem.
Considerando o total de habitantes e recursos de atendimento disponíveis, outras regiões requerem atenção. Registro (DRS-12, com 15 cidades da região do Vale da Ribeira, com 258 mil habitantes) é a com pior cenário: são 11 pacientes mortos, mas um índice de 3,8 casos para cada 100 mil moradores — taxa abaixo apenas da Baixada Santista.
Pico
Não é preciso ser matemático ou especialista para entender a conta que preocupa especialistas diante da pressão por flexibilização da quarentena. Um dado importante para os estatísticos é o número de infectados por dia e as possibilidades dele transmitir o coronavírus. No Brasil, a taxa de transmissão imediata do coronavírus calculada até agora é de 2,8 — essa taxa mede quantas pessoas um contaminado pelo coronavírus vai infectar.
“Vão começar a trabalhar a flexibilização, e as métricas que temos visto de número de contágio, aqui no Brasil, está na faixa de 2,8 por pessoa infectada, quando seria ideal que a gente começasse a ver esse numero abaixo de 1”, afirma Carvalho. Com uma taxa próximo de 3, equivale a dizer que cada pessoa com coronavírus irá contaminar outras três pessoas. “Então, digamos que se flexibilizarmos o isolamento agora e uma pessoa contaminada vai para a rua, no mercado, no trabalho, ela terá contaminado outras três, cada uma dessas três, na sua nova rotina de flexibilização, estará contaminando mais três, já são nove. Depois disso, vai para 27, depois para 81, depois 243, e vai subindo.”
Para o especialista, só lugares que atingirem uma taxa de contaminação instantânea de 0,5, depois de terem passado por um cenário de pico, deveriam ser considerados prontos para adotar a flexibilização da quarentena. “Porque se tivermos uma taxa de transmissão imediata de 0,5, precisaríamos de duas pessoas para contaminar uma.”
Sem ainda um tratamento comprovado de cura para a covid-19, nem uma vacina que reduza a transmissão em massa do novo coronavírus, médicos, epidemiologistas, infectologistas, profissionais de saúde e cientistas têm reforçado os avisos de que o isolamento social e a higienização individual são as únicas comprovadas até o momento para frear o avanço acelerado da pandemia e minimizar os impactos para a saúde pública.
Sob a coordenação do professor Benilton de Sá Carvalho, pesquisadores da Unicamp buscam aplicar os conhecimentos estatísticos na análise e modelagem de dados epidemiológicos da covid-19, para estabelecer critérios científicos, que embasem decisões de combate à pandemia, sem “achismos” ou interesses econômicos ou políticos.
Eles têm trabalhado em modelos estatísticos, que cruzam dados, como total de contaminados, de mortos, de recuperados, entre outros. O objetivo é apontar como evoluiu o contágio, como as medidas de combate influenciaram e podem indicar cenários futuros e estabelecer o melhor momento de se flexibilizar o isolamento social, retomar as atividades comerciais e outras formas de interpretar e combater a pandemia.
“Querem iniciar a flexibilização das regras de isolamento social nas cidades do interior, porque elas têm pouquíssimos casos de contaminados e de mortes. Mas o que os dados nos mostram é que nesses locais há poucos casos, porque ainda está começando o aumento, não porque o pico já passou”, afirma Carvalho. As evidências até agora reunidas indicam um pico tardio da covid-19 na região.
O professor e sua equipe de especialistas integram uma força-tarefa que a Unicamp montou. Eles criaram um monitor da evolução dos casos de infectados e de mortos nas cidades da região metropolitana de Campinas e do Estado, disponível para consulta no site da universidade, e buscam modelos de cálculos que possam prever os caminhos futuros da pandemia. A pedido da reportagem, o monitor de casos e mortes foi ampliado para o Estado por regiões de saúde.
“Para mim, pessoalmente, é assustador pensar em flexibilização agora, pelos seguintes fatores: olhando a curva de Campinas, por exemplo, estamos chegando em duas mortes para cada 100 mil habitantes, com essa curva em subida”, explica. Comparada à taxa estadual, que na última semana passou de oito mortes para cada 100 mil habitantes, o pesquisador diz que os números dizem que nessa região do interior a curva está ainda na sua “subida exponencial”.
Risco
Na maioria das cidades pequenas e médias do interior de São Paulo, a pandemia e seus estragos ainda são vistos com desconfiança pela maioria da população. O cenário de falta de vagas nos hospitais com doentes com covid-19 morrendo em ambulâncias, enterros em massa, não são realidade na maioria das regiões fora da Grande São Paulo.
“Por mim, abria tudo de uma vez, essa coisa de pandemia é para assustar a gente. Tenho saído e não vi ninguém até agora morrer disso”, diz o mecânico Maurício de Freitas, que mora em Sumaré, na região de Campinas. Com 282 mil habitantes, a cidade registrava 98 contaminados e 3 mortos, nesta sexta-feira, 15. Na sua Hortolândia — ambas são extensões urbanas de Campinas —, a realidade é bem distinta: com 230 mil moradores, 95 haviam sido contaminados e 13 tinham morrido – a cidade tem alta taxa de letalidade, 13%.
Para o professor da Unicamp, esse comportamento distante do problema é um risco. “O que me assusta é que teremos nessas cidades do interior e no litoral, em que em várias delas houve resistência maior ao isolamento e a vida continuou normalmente, pessoas que estão infectadas e nem sabem que estão, e contaminarão outras pessoas.”
Carvalho fez doutorado em bioestatística nos Estados Unidos, na conceituada Universidade Johns Hopkins, foi pesquisador associado da Universidade de Cambridge e morou na Inglaterra. Radicado em Campinas, ele observa com desconfiança o cenário nessas cidades do interior paulista.
“O comportamento das pessoas nas cidades do interior, nesse início de pandemia, é o de que nada estava acontecendo”, comenta. “Mas no nosso histórico, ainda estamos em fase crescente de casos e mortes. À medida que a flexibilização começa a ser liberada, a taxa de contaminação só tende a crescer.”
Para ele, o inverno é outro risco. “Não se sabe como o vírus vai se comportar no inverno do Brasil. O que sabemos é que se não tivesse acontecendo nada, não estivéssemos em uma pandemia, os leitos já estariam comprometidos, porque é assim todo junho.”
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