Mais de duas décadas após ser publicada, e desmentida, a informação de que vacinas têm relação com autismo continua a assombrar grupos e redes sociais, impactando negativamente a vacinação de adultos e crianças.
Para Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, neurocientista e divulgadora científica, esse é um dos principais exemplos de como as fake news têm o poder de se perpetuar por mais tempo do que imaginam as pessoas que as compartilham. Longe de ser inofensiva, a propagação de notícias falsas ainda é apontada pelos especialistas como um dos principais responsáveis para a perigosa baixa cobertura que o Brasil tenta reverter hoje.
Mellanie credita a propagação prolongada desse tipo de conteúdo à combinação entre busca por engajamento e falta de moderação das redes sociais. “Se hoje estamos falando de vacinação para covid-19, as desinformações focam nisso. Quando o foco está em outras vacinas, a desinformação também segue a tendência.”
De acordo com pesquisa publicada pelo Poynter Institute em parceria com o Google no ano passado, o problema é generalizado: 44% dos brasileiros recebem notícias falsas ou equivocadas todos os dias pelas redes sociais e aplicativos de mensagens. “Sabemos que muita gente se vale da insegurança alheia e gera um medo proposital, fazendo com que outros fiquem receosos e não tomem boas decisões para sua própria saúde”, alerta Mellanie.
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Desinformação requentada
Ao monitorar publicações sobre saúde e ciências, Mellanie nota a tendência dos criadores de fake news de “requentar desinformações”. “No início da pandemia, tentaram trazer insegurança para a novidade dizendo que as vacinas de mRna contra covid-19 alteravam o DNA, por exemplo. Mesmo após ser desmentida, essa notícia reapareceu em uma nova falsa associação com o câncer, tendo como base a mesma origem.”
Essa recontextualização da mentira, explica, é o que pega as pessoas desprevenidas. “Se estou inserida em um meio em que há muito compartilhamento desse tipo de informação, começo a questionar se não há fundo de verdade. A horda de compartilhamentos mantém a onda de insegurança e medo.”
Hoje, ela vê os boatos atacando a vacina contra a covid-19 e levantando suspeitas sobre outras, como a do HPV, do sarampo e da gripe, e diz ter uma visão pessimista sobre a possibilidade de fim desse problema. “Não duvido que em breve veremos desinformação com vacinas que ainda estão sendo desenvolvidas, como a da gripe aviária. Para quem faz divulgação científica nas redes, é frustrante.”
Ainda assim, Mellanie acredita que é possível minimizar os danos com muita checagem e trocas entre pesquisadores e influenciadores dispostos a aprofundar a verificação dos fatos. “É a partir disso que a gente constrói uma rede mais crítica, que, ao se deparar com uma informação, não vai compartilhar sem antes checar.”
‘Estadão Verifica’ faz checagem de informações
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Diariamente dezenas de mensagens chegam ao Estadão Verifica, núcleo criado pelo Estadão especialmente para a checagem pública de fatos.
A verificação das diversas notícias que circulam na internet é feita em fontes oficiais, com a ajuda de bancos de dados públicos, órgãos governamentais, pesquisas relatórios e entrevistas com especialistas. Para checar a veracidade de um conteúdo, sobre qualquer assunto, você pode enviar um WhatsApp para o Estadão Verifica. Se o conteúdo não for verdadeiro, avise quem te enviou. Assim, mais pessoas ficam bem informadas. Para ler todas as informações já verificadas, acesse aqui.
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