A ketamina, também chamada de cetamina, é um fármaco de efeito anestésico utilizado para induzir ou manter anestesia, e também no tratamento de dores intensas, segundo o Instituto de Psiquiatria Paulista. Nos Estados Unidos é uma droga muito usada para tratar depressão. Além do uso humano, é usada no Brasil como tranquilizante anestésico para animais de grande porte, como cavalos, além de ser utilizada como droga recreativa ilícita.
Nesta sexta-feira, 15, comunicado do Departamento Médico Legista do condado de Los Angeles aponta que o ator do seriado Friends Matthew Perry morreu, aos 54 anos, devido aos “efeitos agudos da ketamina”. A morte registrada em 28 de outubro foi considerada “acidental”, concluíram as autoridades.
O fármaco foi descoberto em 1962, mas só nos últimos 20 anos os especialistas identificaram que ele também pode ser utilizado, em doses baixas, no tratamento da depressão resistente unipolar e bipolar.
A substância, reconhecida e utilizada para fins hospitalares, é um fármaco de efeito anestésico regulamentado por órgãos como a Food and Drugs Administration (FDA), agência reguladora nos EUA, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Está presente na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS).
De acordo com o Instituto de Psiquiatria Paulista, o uso da ketamina para tratar depressão e na prevenção de suicídio é uma das grandes inovações psiquiátricas das últimas décadas, com eficácia já comprovada por dezenas de estudos. No Brasil, há poucos centros autorizados a realizar o tratamento com a cetamina.
“A cetamina é um anestésico utilizado em anestesia em humanos, crianças e adultos, e também animais”, afirma Nina Ferreira, médica psiquiatra referência em neurociência, neuropsicologia e em terapia cognitivo-comportamental. “Como anestésico, já tem décadas de aprovação. Para transtorno depressivo resistente ao tratamento, inclusive com risco de suicídio, a aprovação é mais recente.”
Tratamento de doenças mentais
Antes do início do tratamento, os casos são discutidos pela equipe médica com o profissional que acompanha o paciente. Conforme o Instituto de Psiquiatria Paulista, as aplicações devem ser feitas sob a supervisão de médico psiquiatra e de equipe de enfermagem especializada. Ou seja, devem ser realizadas em clínicas especializadas ou ambiente hospitalar.
A quantidade administrada e o intervalo entre as doses aplicadas dependem da fase clínica em que o paciente se encontra. “Estão previstas, em média, de 8 a 12 aplicações na fase aguda, administradas uma ou duas vezes por semana, sob supervisão de médico psiquiatra e de equipe de enfermagem especializada”, afirma o instituto.
“A medicação deve ser administrada sob supervisão médica em local com estrutura, pois se houver alguma intercorrência o paciente pode ser atendido imediatamente. Não é medicação para ser usada em casa pelo paciente, principalmente no início do tratamento”, afirma Nina.
Conforme a psiquiatra, algumas reações adversas são mais difíceis de serem controladas. “Agitação, alterações de memórias, que não colocam a vida do paciente em risco, mas são bastante desconfortáveis. Pode haver risco de aumento de pressão arterial, assim como alterações cardiovasculares. Por isso, há uma série de contraindicações, em que o médico irá filtrar antes de recomendar esta medicação ao paciente”, diz ela.
Como a ketamina age no cérebro?
Segundo o Instituto de Psiquiatria Paulista, para entender como a ketamina age, é preciso antes entender como a depressão afeta o cérebro.
Há vários fatores envolvidos no surgimento da depressão, entre eles alterações inflamatórias e químicas. ‘Nos pacientes deprimidos, neurotransmissores como a serotonina e a noradrenalina (responsáveis por funções importantes como na regulação da dor, do sono e do humor) não são produzidos em quantidades suficientes para o bom equilíbrio químico cerebral, e agentes inflamatórios atuam prejudicando o bom funcionamento cerebral”, afirma o instituto. Desta forma, a comunicação entre os neurônios fica gravemente danificada.
“A cetamina age na regulação de glutamato, um aminoácido presente no cérebro, estimulando a formação de novas conexões entre os neurônios, restaurando circuitos cerebrais que estão muito prejudicados em casos de depressão grave. Assim, ela tem importante papel no reparo e reconstrução de circuitos cerebrais”, afirma o instituto.
O uso para fins psiquiátricos é feito em doses baixas e, portanto, de forma segura. Com relação a possíveis contraindicações, cada caso será analisado individualmente pela equipe médica, reforça o Instituto de Psiquiatria Paulista.
Utilização do anestésico como droga recreativa ilícita que causa alucinações
No País, no entanto, tem crescido a utilização da substância como droga ilícita popular para uso recreativo e aplicação de golpes do tipo “boa noite, Cinderela”, levando a pessoa a ter alucinações. O aumento no uso e nas apreensões tem sido gradual e atingiu o pico no ano passado, com 102 testes positivos para a droga, só entre casos oficialmente registrados.
“Esse anestésico tem sido utilizado para produzir drogas sintéticas que causam alucinações, pois ele tem esses possíveis efeitos colaterais de desconexão da realidade, despersonalização e alucinações. Muitas vezes as pessoas usam essa substância que deveria ser usada só como medicação como droga recreativa para tentar modificar a ação do cérebro humano. Como medicação, o uso é seguro, mas se for usada misturada com outras substâncias, ou em excesso, é prejudicial”, afirma a psiquiatra Nina.
“Qualquer medicamento, principalmente remédios psiquiatricos, se forem usados em doses indequadas e combinações inadequadas, podem levar a alguns tipos de distorções do sistema nervoso central e deixar a pessoa fora de sua realidade, mais impulsiva ou mais vulnerável. O problema não é a substância em si, mas a forma como é utilizada”, acrescenta a psiquiatra Nina.
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