Com apenas cinco meses de vida, Kesia já enfrenta uma rotina difícil em busca de tratamento médico. Diagnosticada com microcefalia, a pequena moradora da cidade baiana de Simões Filho precisa deslocar-se até Salvador pelo menos duas vezes por semana para se consultar com neuropediatra, fisioterapeuta e fonoaudiólogo, profissionais não disponíveis na cidade onde vive. São pelo menos duas horas de viagem para ir e outras duas para voltar, em ônibus cheios, sob forte calor e congestionamento.
“É bem difícil e sai muito caro para a gente porque eu não posso ir sozinha, preciso levar alguém para me ajudar”, conta a balconista desempregada Joenice Figueiredo Tavares, de 22 anos, mãe de Kesia. “Até aqui só contamos mesmo com o salário do meu marido e a ajuda da família para a compra de remédios, roupas e fraldas”, diz.
A Bahia é o segundo Estado com o maior número de casos de microcefalia. No entanto, o índice de neurologistas e pediatras que atendem em municípios baianos é cinco vezes menor do que o do Distrito Federal, por exemplo. O problema se repete em todo o Nordeste, região que concentra 90% dos registros da má-formação. Levantamento feito pelo Estado com base em dados da Demografia Médica 2015 mostra que todos os Estados nordestinos têm índice desses especialistas abaixo da média nacional, o que dificulta o acesso dessas crianças à assistência médica.
Feito pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o estudo mostra que o País tem hoje 34,6 mil pediatras, o equivalente a 19,2 médicos para cada 100 mil habitantes, mas o índice é desigual de acordo com a região do País. Enquanto Distrito Federal e São Paulo têm índices de 46,2 e 22,6 pediatras por 100 mil habitantes, respectivamente, Bahia tem taxa de 8,4 e Pernambuco, de 11,2.
A distribuição dos neurologistas pelo País também é discrepante. A média brasileira é de 2,4 especialistas para cada 100 mil habitantes, mas nos dois Estados nordestinos mais afetados pela microcefalia, Pernambuco e Bahia, esse índice é de 1,4 e 1, respectivamente.
“A escassez de pediatras e de neurologistas no Norte e Nordeste do País é um retrato do que acontece com todos os tipos de especialidades. Por causa das condições difíceis de trabalho nesses locais, os médicos preferem Sul e Sudeste. Para fixar esses médicos teria de haver condições melhores de trabalho, não só financeiras, e mais vagas de residência nesses Estados”, diz Eduardo da Silva Vaz, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Consequências. A dificuldade de acesso a especialistas e a consequente demora no início do tratamento dos bebês com microcefalia pode agravar ainda mais o quadro dessas crianças, segundo Ana Carolina Coan, secretária do Departamento Científico de Neurologia Infantil da Academia Brasileira de Neurologia.
“O primeiro problema é a falta de um profissional que acompanhe o grau de desenvolvimento da criança e indique as melhores terapias de estimulação para ela. O segundo é que alguns bebês com sequelas mais graves vão precisar de tratamento medicamentoso, que só poderá ser prescrito por um especialista. A gente sabe que parte dos bebês com microcefalia sofre de crises convulsivas e, se elas não forem tratadas, podem fazer a criança regredir”, explica.
É esse o medo da dona de casa pernambucana Sandra Soares, de 31 anos, mãe de Amanda, nascida no dia 9 de fevereiro em Vitória de Santo Antão, a 45 quilômetros do Recife. A microcefalia da bebê só foi descoberta após o nascimento, e a consulta com neuropediatra está marcada só para abril. “Vivo uma batalha contra o tempo”, diz.
“A pediatra disse que o quanto antes começarmos o acompanhamento especializado, mais chances ela vai ter de se desenvolver bem. Mas, infelizmente, não depende da nossa vontade”, lamentou o pintor Gervásio Silva, pai de Amanda.
Medidas. O Ministério da Saúde afirmou que vai publicar nas próximas semanas, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social, uma portaria para reforçar, por meio de incentivos financeiros, o apoio aos Estados nas ações de diagnóstico de microcefalia e assistência aos bebês. De acordo com a pasta, o investimento vai custear exames e consultas com especialistas ou viabilizar transporte dos pacientes aos centros de referência.
O órgão afirma que, desde o início da epidemia, tem apoiado Estados e municípios na organização dos seus serviços de saúde e ressalta que, desde novembro, já liberou R$ 135 milhões para a expansão da rede de cuidado às pessoas com deficiência, que ganhou 14 centros e terá outros 75 até o fim do ano.
A pasta diz ainda apostar em consultas a distância e na expansão das vagas de residência médica para aumentar a capacidade de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.