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Maguila convivia com a encefalopatia traumática crônica; saiba o que é essa doença

Alterações comportamentais, como irritabilidade e impulsividade, estão entre os sintomas inicias da enfermidade, que não tem cura

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Foto do author Victória  Ribeiro
Atualização:

José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, faleceu nesta quinta-feira, 24, em São Paulo, aos 66 anos. Desde 2013, o ex-boxeador sofria de encefalopatia traumática crônica (ETC), uma doença neurodegenerativa causada por impactos repetidos na cabeça.

Conforme explica Guilherme Olival, neurologista da Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo, a ETC, também conhecida como “demência do pugilista”, é uma condição neurológica progressiva muito comum em atletas de boxe, futebol americano e outros esportes que envolvem golpes. “Diferente da encefalopatia do tipo aguda, que está associada a um único impacto na cabeça, de nível mais intenso, a ETC é causada por traumas que se repetem”, diz.

Conhecida como 'demência do pugilista', ETC é causada por traumas repetitivos na cabeça Foto: Gorodenkoff/Adobe Stock

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Esses traumas seguidos geram inflamação e o acúmulo de proteínas anormais no cérebro, sendo a proteína tau a mais comum. Olival conta que essa proteína se concentra no córtex frontal, área do cérebro responsável pelo comportamento, o que explica as alterações comportamentais típicas da doença. “Irritabilidade, agressividade e impulsividade são sintomas iniciais, o que dificulta o diagnóstico precoce, pois muitas vezes esses sinais são considerados traços de personalidade da pessoa, geralmente vista como inadequada, agressiva ou sem habilidades sociais”, comenta o especialista.

O desenvolvimento da condição pode ocorrer ao longo de anos ou até décadas após a exposição aos impactos repetitivos na cabeça. Esse intervalo também pode ser influenciado por fatores como a intensidade e a frequência dos golpes.

Além das alterações no comportamento, a ETC também envolve dificuldades de memória, problemas de atenção e processamento mental lento. Tudo isso, segundo Olival, tende a piorar com o tempo, levando a condições ainda mais graves, como a demência. “Nesse ponto, o paciente enfrenta sintomas semelhantes aos de outras demências, como perda de memória, problemas para articular pensamentos e até dificuldades motoras.”

Não existe cura ou tratamento específico. O cuidado consiste em medicamentos para aliviar os sintomas, medidas de segurança e aconselhamento.

ETC x Alzheimer

É nesse estágio, segundo Olivar, que os diagnósticos costumam acontecer, frequentemente motivados por uma confusão com a doença de Alzheimer. “E, de fato, há semelhanças entre as condições. Do ponto de vista fisiológico, a doença de Alzheimer também envolve o depósito anormal da proteína tau, mas ela também envolve o depósito de uma proteína chamada beta-amiloide”, explica.

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Além disso, no Alzheimer, a memória é o principal aspecto afetado desde os primeiros estágios, e os sintomas comportamentais, embora presentes, surgem com menos intensidade e em fases mais avançadas. “No Alzheimer, o transtorno cognitivo leve pode preceder a doença por até 10 anos, com o paciente apresentando pequenos esquecimentos, mas mantendo a funcionalidade”, detalha o médico.

Hoje, diz Olivar, a distinção entre as duas doenças pode ser feita com o histórico do paciente — se sofreu ou não traumas consecutivos na cabeça — e com os exames de biomarcadores, que indicam a presença das proteínas tau e beta-amiloide. “Mas clinicamente as diferenças são sutis, especialmente porque, ao chegar ao consultório, muitos pacientes já apresentam impactos na memória, comuns em ambas as doenças”, afirma.

Maguila sofria de encefalopatia traumática crônica (ETC) desde 2013 Foto: Oswaldo Jurno/OSWALDO JURNO

Alerta

Para o especialista, o caso de Maguila reforça a importância da prevenção e do acompanhamento médico para aqueles expostos a lesões repetitivas na cabeça. “A cabeça não foi feita para suportar impactos frequentes. Pessoas que estão expostas a isso, como os atletas, devem se atentar aos sinais e fazer acompanhamento médico regular”, alerta.

Além disso, Olivar também destaca a importância de prestar atenção às mudanças de comportamento, especialmente em pessoas mais velhas. “O comportamento faz parte do cérebro e de nossa capacidade de sermos sociáveis. Conheço pessoas com mais de 90 anos que mantêm adequação social. Perder essa habilidade não é uma consequência inevitável do envelhecimento”, enfatiza. Essas alterações comportamentais podem ser sinais de condições como a ETC ou outras doenças neurodegenerativas, e devem servir de alerta para uma avaliação médica.

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