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Mais Médicos: Gestão Lula vai privilegiar brasileiros, mas manterá profissional sem diploma validado

Médicos formados no exterior sem exame de revalidação ainda representam quase 40% dos mais de 8 mil profissionais que atuam no programa; ministério estuda ofertar pós-graduação para atrair novos participantes

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

O Ministério da Saúde ampliará o programa Mais Médicos privilegiando graduados em território nacional, mas mantendo os profissionais formados no exterior sem diploma revalidado, que correspondem hoje a mais de 3 mil médicos, quase 40% do total. Está descartado no momento um novo acordo de cooperação com o governo de Cuba para trazer profissionais cubanos, principal controvérsia da versão original do programa.

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A nova gestão federal estuda ainda oferecer cursos de pós-graduação e especialização aos participantes como forma de atrair mais brasileiros a partir dos próximos editais do programa.

Os planos para a retomada e fortalecimento do Mais Médicos foram detalhados ao Estadão por Felipe Proenço, secretário-adjunto de Atenção Primária à Saúde do ministério. Médico da família e comunidade e doutor em saúde coletiva, Proenço coordenou o programa Mais Médicos entre 2013 e 2016, durante a gestão de Dilma Rousseff (PT).

Ele afirma que, com o aumento de vagas nas faculdades de Medicina nos últimos anos (o número dobrou em 12 anos), a nova gestão federal espera atrair mais brasileiros, mas explica que a própria Lei do Mais Médicos, aprovada em 2013, prevê a possibilidade de chamada de médicos formados no exterior sem diploma revalidado (intercambistas) quando não há preenchimento de todas as vagas pelos médicos com registro no Brasil. A permissão excepcional é alvo de críticas de entidades médicas desde sua criação.

“A gente conta muito com os médicos formados no Brasil, inclusive pelo fato de que aumentou o número de vagas (de Medicina) e, portanto, de egressos. Mas, durante todos esses anos, se mantiveram intercambistas no programa, com o exercício profissional através do registro do Ministério da Saúde, seguindo as prerrogativas (da Lei) do Mais Médicos”, diz Proenço, que defende a combinação de formatos para atrair mais profissionais.

“É evidente que a gente precisa lidar com estratégias diversificadas para o provimento de médicos e, nesse sentido, a gente poder contar, em algumas situações, com médicos que têm seu exercício profissional reconhecido em outros países e passam por um módulo de acolhimento e avaliação aqui. Isso é uma estratégia de vários países para garantir o provimento em áreas de mais difícil inserção”, afirmou o secretário.

Mais Médicos tem hoje 8,3 mil profissionais, dos quais 39% são formados no exterior sem diploma revalidado Foto: Pixabay

O Mais Médicos foi criado com a proposta de levar de forma emergencial médicos para locais de difícil provimento, como cidades distantes dos grandes centros, distritos indígenas e periferias das capitais.

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Ele chegou a ter 18,2 mil profissionais, dos quais 11 mil eram cubanos trazidos por meio de um acordo de cooperação do governo brasileiro com Cuba intermediado pela Organização Panamericana da Saúde (Opas). A maioria dos cubanos deixou o Brasil ainda no final de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro (PL), contrário ao acordo e crítico do governo do país caribenho.

Apesar das críticas ao Mais Médicos e da promessa de criar um programa para substituí-lo - o que fez Bolsonaro conquistar apoio de expressiva parcela da classe médica -, o ex-presidente acabou mantendo as principais características do programa criado pela petista e não conseguiu fazer decolar o Médicos pelo Brasil, criado para substituir o projeto da gestão petista.

A iniciativa foi anunciada em 2019, mas teve seu primeiro edital lançado somente em 2021. Hoje, os dois programas coexistem, mas o Mais Médicos tem mais profissionais do que o Médicos pelo Brasil.

De acordo com Proenço, são 8.321 profissionais atuando pelo Mais Médicos e 5.515 pelo Médicos pelo Brasil, que só aceita quem tem registro profissional no País. Do total de doutores atuando hoje no Mais Médicos, 39% (ou seja, mais de 3,2 mil) são formados no exterior sem diploma revalidado, os chamados intercambistas.

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Proenço afirmou que a nova gestão “não vislumbra” a necessidade de um novo acordo de cooperação como o que foi feito com Cuba. “A gente tem vários outros passos antes: a gente oferece a vaga para médicos com registro no Brasil, depois para brasileiros formados no exterior, depois para estrangeiros, e a cooperação seria somente um quarto passo. A gente não vislumbra algo nesse sentido exatamente porque a gente conta com os profissionais brasileiros formados nesses cursos mais recentes”, diz.

Duas pesquisas lançadas nesta semana pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Médica Brasileira (AMB) mostram que o número de novos médicos formados no País dobrou em 12 anos e bateu recorde. O aumento das vagas de Medicina foi estimulado pelo programa Mais Médicos para que, com o passar dos anos, os intercambistas fossem gradativamente substituídos por profissionais graduados no Brasil.

Apesar disso, os profissionais continuam concentrados nas regiões e cidades mais ricas e o programa ainda depende dos intercambistas, que permanecem no programa porque, por não terem o diploma revalidado, só conseguem exercer a Medicina em território nacional dessa forma.

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Questionado sobre por que o aumento de vagas ainda não se traduziu em melhor distribuição de médicos, Proenço afirmou que as normas do Mais Médicos que promoviam a formação médica “foram descaracterizadas” nos governos de Michel Temer e de Bolsonaro.

“Por exemplo, o Mais Médicos previa uma proposta de caminho de formação através da residência, da formação de médicos de família e comunidade. Houve uma expansão bem importante das vagas de residência nessa especialidade desde 2013 até 2015 e depois deixou de ter essa expansão. Isso fixava esses profissionais nessas áreas. Quem faz graduação e residência numa mesma localidade tem uma chance muito alta de permanecer naquela localidade.”

Ministério estuda ofertar pós-graduação para atrair mais brasileiros

Proenço afirma que o ministério estuda formas de oferecer formação médica para os participantes como forma de fixá-los no programa. “Nossa diretriz é trabalhar com a perspectiva de que, ao longo da inserção do médico no programa, ele possa alcançar a formação como especialista, posster acesso a modalidades de pós-graduação porque um dos motivos que a gente vê de desistência do programa é os médicos brasileiros procurarem outros formatos de educação médica. O que a gente está estudando é exatamente qual é a viabilidade de ter isso ofertado pelo próprio programa”, afirma.

De acordo com Proenço, o tempo médio de permanência dos médicos formados no Brasil é de um ano e oito meses enquanto o dos intercambistas chega a três anos.

O secretário disse que, antes da abertura de novos editais do Mais Médicos, o governo está retomando dois editais lançados no ano passado, ainda na gestão Bolsonaro, e que foram paralisados por restrições orçamentárias. Juntas, as duas chamadas ofereciam 1.174 vagas, das quais 152 eram voltadas para distritos indígenas.

“Chegou a haver a alocação dos profissionais, a publicação dos municípios em que eles atuariam, mas não tinha recurso para dar andamento nesses editais. A gente retomou esses editais e os médicos que confirmarem participação começam já em março”, declarou.

O secretário-adjunto disse que o ministério ainda avalia qual será o número de novas vagas ofertadas nos próximos editais do Mais Médicos. Em reunião com representantes do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde (Conasems) no mês passado, o secretário titular de Atenção Primária, Nesio Fernandes, indicou que esse número pode chegar a 5 mil.

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