Produtos análogos vegetais ou plant-based – alimentos feitos com ingredientes de origem vegetal, que imitam textura, cor e sabor de alimentos de origem animal – são mais uma opção nas prateleiras dos mercados e vêm ganhando popularidade no Brasil, acompanhando uma tendência global de aumento no consumo de alimentos à base de plantas. De acordo com a Euromonitor, o mercado desses produtos no País cresceu significativamente nos últimos anos, alcançando em torno de R$ 1,7 bilhão em vendas em 2023, somando as carnes, frutos do mar e leites vegetais. Não para menos, diversas startups brasileiras, além de grandes empresas, investiram e seguem investindo em linhas plant-based para atender à crescente demanda.
No Brasil, estima-se que cerca de 26% da população consome carne vegetal pelo menos uma vez por mês e 34% fazem alguma restrição a produtos de origem animal, seja com uma dieta flexitariana (21%), pescetariana (8%) ou vegetariana e vegana (5%). E é exatamente esse grupo diverso que busca produtos diferentes para substituir a proteína animal. Com isso, as dietas baseadas em vegetais estão ganhando popularidade por seus benefícios à saúde e, também, menor impacto ambiental. Mas, afinal, será que as carnes vegetais são uma boa alternativa para os consumidores?
Qualidade nutricional em destaque
Para responder a essa pergunta, o The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) financiou um estudo feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O levantamento mostrou que 80% das carnes vegetais disponíveis no mercado brasileiro possuem alta qualidade nutricional e ainda constatou que os benefícios oferecidos por esses produtos superam a maioria das opções de origem animal tradicionais. Liderado pelo time da professora Dra. Veridiana de Rosso, do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (ISS/Unifesp) e feito no Observatório de Rotulagem de Alimentos (ORA) da Unifesp, o estudo avaliou, no período de julho de 2022 a junho de 2023, as informações nutricionais declaradas nos rótulos de 349 alimentos vegetais análogos à carne e 351 produtos cárneos, como hambúrgueres, almôndegas, empanados de frango, linguiça, carne moída, entre outros.
Além das informações de rótulo, foram utilizados três indicadores para analisar a qualidade nutricional desses produtos: o Nutri-Score, que avalia a presença de nutrientes desejáveis (proteínas, fibras) e indesejáveis (gordura saturada, açúcar, sal e calorias); a Nova, que classifica os alimentos pelo grau de processamento e quantidade de ingredientes; e a Lupa, da Anvisa, que identifica produtos com altos teores de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.
O estudo comprova, por exemplo, que a composição nutricional dos produtos vegetais tem menores níveis de gordura saturada e sódio, dois componentes associados ao risco de doenças cardiovasculares. E mais: em comparação com o primeiro estudo desenvolvido pelo GFI em 2022, percebe-se uma redução significativa desses dois componentes nos alimentos, refletindo uma tendência positiva em direção a produtos mais saudáveis. Para se ter ideia, no primeiro estudo, 33% dos produtos analisados tinham alto teor de gordura saturada. Agora, apenas 9% apresentam esse dado. “Além disso, esses produtos têm maior conteúdo de fibras dietéticas, essenciais para o bom funcionamento do intestino e para a prevenção de doenças crônicas”, explica a Dra. Graziele Bovi Karatay, especialista de ciência e tecnologia do GFI Brasil.
“A ausência de hormônios, colesterol e antibióticos nos produtos vegetais também reduz riscos à saúde da população”,
Graziele Bovi Karatay, especialista de ciência e tecnologia do GFI Brasil
Os resultados também demonstraram que a qualidade nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne foi mais bem representada por indicadores que atuam de forma mais eficiente para definir se um alimento é nutritivo, como o Nutri-Score e a Lupa. Veja alguns destaques:
- Nutri-Score: 80% dos alimentos vegetais análogos à carne foram classificados como de boa qualidade, ante apenas 19% dos produtos cárneos de origem animal.
- Lupa: 69% dos alimentos vegetais análogos à carne foram considerados de boa qualidade nutricional, enquanto apenas 20% dos produtos de origem animal atingiram essa classificação.
- Classificação Nova: quase 92% dos produtos de origem animal foram classificados como ultraprocessados, enquanto 73% dos alimentos vegetais análogos à carne receberam essa classificação.
Ultraprocessado nem sempre é vilão
Como é possível ver na análise, os números mostram que uma alta porcentagem dos alimentos vegetais análogos à carne é considerada ultraprocessada, “mas é preciso ter em mente que esse processo industrial é necessário para concentrar a proteína vegetal, já que o produto feito em casa não garante o aporte necessário”, explica Veridiana. Para entender melhor, é só pensar em um alimento rico em proteína. O feijão cru, por exemplo, tem em torno de 20% de proteína, mas, quando o grão passa por processos de concentração, pode chegar a 55% de proteína ou até mais.
Por isso, é importante entender que esse estudo vai na contramão da suposição de que todos os alimentos ultraprocessados têm baixa qualidade nutricional. Ele demonstra que, mesmo sendo classificados dessa forma, eles podem ter perfis nutricionais superiores se comparados aos alimentos convencionais de origem animal que visam substituir. “Para que a substituição do cárneo pelo vegetal seja equiparada, o aporte de proteína precisa ser equivalente e, para isso, o produto provavelmente será processado”, esclarece Veridiana.
Em resumo, o levantamento mostra que, mesmo sendo classificados como ultraprocessados por causa do grau de processamento e da quantidade de ingredientes, não é adequado classificar e avaliar todos esses alimentos da mesma forma. “O processamento não é necessariamente um vilão, mas uma ferramenta muitas vezes essencial para garantir a segurança e a qualidade dos alimentos. Além disso, a classificação de ultraprocessados também leva em consideração os altos índices de gordura saturada, açúcares e sódio, o que não acontece na maior parte dos produtos analisados”, constata Graziele.
Regulamentação é o segredo
Ainda na pesquisa, foi constatado que, para os alimentos vegetais análogos à carne, o mínimo foi de 1g e o máximo de 53,7g de proteína em 100g de produto, o que evidencia que existe uma variação considerável de proteína nesses produtos. Para se ter uma ideia, ainda na pesquisa, foi constatado que cerca de 76% dos produtos estão distribuídos numa faixa entre 6g e 25g de proteína em 100g de produto. Para Graziele, essa variação reforça a necessidade de uma regulamentação específica para os alimentos vegetais análogos à carne no Brasil para melhor homogeneidade nutricional dos produtos finais.
O mercado de produtos cárneos é bem regulamentado e os níveis mínimos de proteína exigidos estão bem definidos: 15% para hambúrgueres de carne, 11% para quibe, e assim por diante. A definição dessa regulamentação para os alimentos vegetais análogos faz parte da Agenda Regulatória 2024-25 da Anvisa e a indústria aguarda mais definições. “Com essas informações, o consumidor poderá fazer escolhas mais conscientes e até ajudar a indústria a desenvolver produtos análogos à carne ainda mais saudáveis”, diz Veridiana.
Atualmente, a falta de regulamentação acaba impactando negativamente a substituição. “O mercado é muito variado e as pessoas não sabem quais as exigências da legislação”, explica a professora. Os resultados do estudo podem jogar luz em um tema relevante, trazendo insights e novidades para um mercado em constante evolução. “Com isso, teremos cada vez mais pessoas consumindo produtos de qualidade e fazendo escolhas mais saudáveis”, finaliza Veridiana.
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