Maternidades usam suíte especial e curso com simulação de parto para reduzir cesáreas desnecessárias

Melhora da infraestrutura, análise de dados e trabalho com gestantes e médicos reduzem partos cesáreos em redes hospitalares; índice geral do País está em crescimento

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Foto do author Fabiana Cambricoli

Para enfrentar o alto índice de cesáreas desnecessárias no País, grandes redes de hospitais e maternidades privadas têm desenvolvido ações para reestruturar suas instalações, capacitar profissionais e conscientizar gestantes sobre os benefícios do parto normal e os riscos da realização de uma cesariana sem indicação clínica.

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Cursos para gestantes com simulações realísticas do parto, salas especiais para o trabalho de parto com banheira, bola de pilates e até cama de casal king size, e formação de equipes multiprofissionais com foco na humanização do parto são algumas das ações adotadas pelos estabelecimentos de saúde para tentar vencer a resistência de alguns médicos e pacientes ao parto vaginal.

No Brasil, 57% dos nascimentos em 2021 ocorreram via cesariana e o índice segue tendência de alta nos últimos anos. Conforme revelou o Estadão, o ano de 2020 teve taxa recorde desse tipo de parto. Na rede particular, o porcentual supera os 80%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera adequada uma taxa de 10% a 15% e ressalta que, embora uma cesariana possa salvar vidas de gestantes e bebês em condições específicas, ela coloca as mulheres e crianças em risco desnecessário quando realizadas sem necessidade.

Para reduzir esse índice em suas unidades, o Grupo Santa Joana, que administra as maternidades Santa Joana, Pro Matre e Santa Maria, iniciou em 2020 um projeto em diferentes frentes. Em primeiro lugar, realizou uma análise de dados para entender os grupos de pacientes nos quais deveria focar. Utilizou, para isso, a Classificação de Robson, criada pelo médico irlandês Michael Robson em 2001 e adotada pela OMS e pelo Ministério da Saúde para categorizar mulheres segundo algumas variáveis e, assim, monitorar cesarianas desnecessárias e outros indicadores por perfil.

Pela Classificação de Robson, as gestantes são divididas em dez grupos conforme seis variáveis: número anterior de partos, número anterior de cesáreas, como foi o início do parto (espontâneo, induzido ou cesárea antes do trabalho de parto), idade gestacional, posição do feto e número de fetos naquela gestação. Nos grupos 1 e 3, de mulheres com idade gestacional maior que 37 semanas, já em trabalho de parto e com o feto na posição cefálica, por exemplo, é raro haver necessidade de cesárea, mas, segundo dados do Ministério da Saúde, o índice é de 43,8% e 19,1%, respectivamente, segundo dados de 2021.

“Esses dois grupos, em geral, são de mulheres com gestações de baixo risco, que geralmente querem ter um parto vaginal, mas os resultados estão muito fora do esperado”, disse ao Estadão o médico irlandês, que atua como consultor no projeto do Santa Joana e esteve no Brasil em novembro. Ele defende que o governo e as operadores de saúde recompensem os hospitais que coletarem e disponibilizarem dados de boa qualidade que permitam análises e intervenções no cuidado à gestante. “E temos que concentrar (os esforços) nas mães de primeira viagem”, afirma Robson.

“Essa análise dos indicadores por grupos da Classificação de Robson permitiu que nos organizássemos para escolher onde atacar primeiro. Atacamos os grupos 1 e 3 e já tivemos uma queda no número de cesáreas”, diz Eduardo Cordioli, diretor técnico de obstetrícia do Santa Joana. A taxa geral de cesárea nas maternidades do grupo caiu de 89% para 79% entre 2020 e 2021, com queda mais expressiva nas mulheres dos grupos 1 e 3 da Classificação de Robson. No grupo 1, o índice caiu de 65% para 45%. No 3, a taxa passou de 25% para 15%.

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Entre as medidas adotadas pelo Santa Joana estão um curso para gestantes que inclui orientação sobre as fases do parto e métodos para reduzir o desconforto do trabalho de parto. “Temos um centro de simulação realística que era voltado para a educação de profissionais, mas passamos a usá-lo também para a educação de pacientes. Muitas não querem ter o parto normal por medo da dor e, nesse curso, falamos bastante sobre os métodos de analgesia”, explica Monica Siaulys, diretora médica do Santa Joana.

Gestantes participam de curso de simulação do parto com obstetra do Grupo Santa Joana. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

No curso, profissionais usam manequins que reproduzem o corpo humano para demonstrar para os casais as diferentes fases do trabalho de parto e apresentar técnicas que podem auxiliar a gestante no alívio da dor, como banheira, bola, massagem, respiração e posições mais cômodas.

A gerente comercial Petruska Canet, de 38 anos, grávida de 37 semanas, conta que as informações sobre os métodos de analgesia que recebeu no curso, do qual ela participou em dezembro, foram importantes para tranquilizá-la sobre as dores do parto. “Quero ter o parto normal, mas sempre tive muito medo. A gente ouve falar que é algo muito dolorido, que a mulher sente muita dor, e. no curso. nos apresentaram as possibilidades de anestesia”, conta.

Ela diz que um dos “mitos” que o curso ajudou a quebrar foi o de que a anestesia deixa a gestante sem movimentos e, portanto, sem possibilidade de participar mais ativamente do trabalho de parto. “Eles explicam todas as fases do trabalho de parto e esclarecem que a analgesia não tira totalmente os movimentos da mulher. No meu caso, eu não gostaria de ficar na maca, deitada. Foi importante saber que, mesmo com anestesia, vou poder me movimentar, ainda que de forma reduzida”, diz.

Quartos especiais tentam tornar ambiente mais acolhedor

A diretora médica do Santa Joana cita ainda a abertura de novas suítes de parto normal, algumas com banheira, iluminação especial e até cama de casal king size. “A ideia foi juntar ciência e arquitetura para tirar aquela cara de hospital e deixar o ambiente mais acolhedor para a gestante e o acompanhante”, diz Monica.

Ela destaca também, dentro do grupo de ações, novas rodadas de capacitação de profissionais sobre as melhores práticas para um parto adequado. Nesses treinamentos, os índices de cesárea em cada grupo de Robson são discutidos com as equipes para que seja feito um planejamento para melhorar o cuidado dado à paciente.

Suíte para parto normal da Pro Matre tem cama de casal king size. Foto: Divulgação Pro Matre

O Hospital Israelita Albert Einstein também vem desenvolvendo ações para promover o parto adequado. De acordo com Rômulo Negrini, coordenador médico da maternidade do Einstein, a instituição trabalhou em três frentes. A primeira foi a melhoria da infraestrutura para o parto normal, com a criação, em 2017, das chamadas salas PPP (pré-parto, parto e pós-parto).

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“É um espaço com tudo preparado para o parto vaginal – uma sala ampla, com banqueta, barra para exercícios, bola de pilates, chuveiro para aliviar a dor, cromoterapia, espaço para banheira. A estrutura é uma coisa importante. Imagine a gestante com dor, em um espaço pequeno, sem essas ferramentas”, afirma.

A segunda frente foi o trabalho junto aos médicos, muitos deles resistentes ao parto normal tanto pelo número maior de horas que o procedimento exige quanto por não se sentirem seguros com eventuais complicações de um parto vaginal.

“Construímos protocolos de segurança, fizemos treinamentos em emergência, inclusive no centro de simulação realística. Mais de 200 médicos do corpo clínico aberto foram treinados. Quanto à remuneração, buscamos mostrar o valor de um parto bem indicado. Cesárea tem mais chance de infecção. Buscamos reforçar com o corpo clínico que o médico se forma para levar o melhor para o paciente”, diz ele.

“A gente chamou aqueles médicos com alto volume de cesáreas, perguntamos o que podíamos fazer para ajudar a ter um número mais adequado de partos vaginais. Até oferecemos o acompanhamento de nossas enfermeiras especializadas porque sabemos que uma das justificativas para o não acompanhamento do trabalho de parto é que ele acaba sendo oneroso porque o médico também tem suas funções no consultório”, afirma Negrini.

A terceira frente foi trabalhar no letramento e conscientização das gestantes. “A gente trabalha para que ela queira tentar o parto normal quando possível, para que deixem de associar o parto normal a algo doloroso, que causa complicações, o que não é verdade. O parto vaginal tem três vezes menos mortes do que as cesáreas”, diz. Para mudar essa percepção, o Einstein repaginou, em 2020, seu curso de gestantes, “O curso tem estações, como a do banho do bebê, da amamentação, mas não tinha como seria o parto. A gente incluiu isso e passou a falar sobre posições de parto, exercícios de fisioterapia para preparar o períneo.”

Algumas das experiências do Einstein foram levadas para o projeto Parto Adequado, criado em 2015 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em parceria com o hospital e o Institute for Healthcare Improvement (IHI), dos EUA. No Einstein, as mudanças, intensificadas a partir de 2015, permitiram que o índice de cesáreas passasse de 73% naquele ano para 65% em 2021.

A Rede Mater Dei, que administra um grupo de dez hospitais, também oferece curso para gestantes e salas adaptadas para que a grávida e os acompanhantes tenham melhor estrutura para o trabalho de parto. Além disso, o grupo hospitalar tem trabalhado com a formação e conscientização dos profissionais para reduzir o número de cesáreas desnecessárias.

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De acordo com o obstetra Henrique Salvador, presidente da Rede Mater Dei de Saúde, os hospitais da rede oferecem residência em ginecologia e obstetrícia com ênfase na humanização do parto. “Temos uma equipe formada dentro da própria instituição e que é treinada para acompanhar indicadores de qualidade e segurança assistencial”, afirma.

Ele diz que os profissionais em cargos de gestão avaliam as taxas de cesárea por perfil de mulher (Classificação de Robson) e até por médico. “A gente faz análises críticas em fóruns técnicos. Avaliamos o prontuário da paciente e questionamos os médicos quando identificamos que foi feita uma cesárea antes da hora, por exemplo”, diz Salvador.

Esse acompanhamento mais intensivo foi implantado após a Rede Mater Dei ingressar no projeto Parto Adequado, da ANS, em 2015. “Com o projeto, aprimoramos essa gestão clínica e acompanhamento de desempenho. A instituição pode ter a melhor das intenções e filosofias, mas, se não acompanha e não gerencia esses dados, a chance de dar errado é enorme”, afirma o presidente da Mater Dei.

Nos oito anos do Movimento Parto Adequado, 125 hospitais e 68 operadoras participaram de ao menos uma das três fases do projeto. De acordo com a ANS, o índice de cesáreas na saúde suplementar passou de 84,4% em 2015 para 81,7% em 2021 e mais de 20 mil cesarianas desnecessárias foram evitadas, o que contribuiu para reduzir em 16% do número de internações em UTI neonatal.

Segundo Angélica Carvalho, diretora-adjunta de desenvolvimento setorial da ANS, o projeto buscou atuar na assistência integral e letramento da gestante desde o pré-natal, na revisão nos modelos de pagamento aos profissionais e nas práticas assistenciais. “O projeto Parto Adequado não é uma estratégia unicamente dirigida para reduzir cesarianas de forma indiscriminada, ele é uma missão para melhorar a qualidade e a segurança do parto e do nascimento, oferecendo um melhor cuidado para a gestante e o bebê”, afirma.

No contexto do projeto, a ANS determinou em 2016 que as operadoras passassem a ser obrigadas a remunerar o médico pelas horas de acompanhamento de trabalho de parto. Além disso, trabalhou em conjunto com as operadores e hospitais participantes do projeto na criação e aprimoramento de protocolos assistenciais para situações de sofrimento fetal, por exemplo. “Ter protocolos é fundamental para dar segurança ao profissional de saúde para que se sinta seguro ao realizar o parto vaginal”, diz Angélica.

Equipe multidisciplinar ajudou gestante a optar por parto normal

Para a empresária Fabiane Fernandes Alves, de 32 anos, a infraestrutura da sala para o parto e o apoio de uma equipe multidisciplinar com foco na humanização foram fundamentais para que, mesmo que de última hora, ela optasse pelo parto normal. Após viver uma experiência traumática no parto de sua primeira filha, Fabiane estava decidida pela cesariana programada em sua segunda gravidez.

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“Na minha primeira gestação, cheguei às 41 semanas, entrei em trabalho de parto naturalmente, estava bem, mas sofri várias violências obstétricas durante as 26 horas de trabalho de parto, Fizeram manobras para tirar a bebê a qualquer custo por parto normal, sofri demais e, ao final, me levaram para uma cesárea porque a bebê não estava bem”, afirma.

Na época, ela morava em Portugal, onde não havia opção de escolher a via de parto. “Não houve humanidade. Me chamaram de fraca porque eu não conseguir fazer minha filha sair. Foi um trauma para mim. Fiquei com um princípio de depressão pós-parto. Nessa segunda gestação, o acompanhamento foi totalmente diferente. Meu médico me acolheu, respeitou minha opinião, mas fez questão de me passar todas as informações sobre o parto normal”, diz ela, atendida na Pro Matre.

Fabiane Fernandes Alves e o filho Vicente, nascido de parto normal. Foto: Rodrigo Aires

Quando Fabiane entrou em trabalho de parto, ela, traumatizada com o primeiro parto, ainda pensava em fazer cesárea, mas, quando chegou à maternidade, a decisão mudou. “Fui acolhida não só pelo obstetra, mas por toda a equipe. Eu já estava com cinco dedos de dilatação quando cheguei e sem dores, então me perguntaram se eu não queria tentar. Me ofereceram a bola, massagem, óleo essencial. Me hidratei. Era uma sala muito confortável e eu tinha tudo para aliviar minha dor. Me senti respeitada”, diz.

Após duas horas em trabalho de parto, Fabiane teve Vicente, hoje com 1 ano e 4 meses, por parto normal, e diz ter ressignificado o momento do nascimento de um filho. “O médico me falou que eu seria a protagonista do meu parto. É um momento que estamos com muita força, mas, ao mesmo tempo, muito frágeis. Se a gente não tem pessoas para nos apoiar e nos incentivar, o parto não flui”, afirma.

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