Minas inaugura fábrica de mosquito modificado para combater dengue; conheça o método Wolbachia

Fábrica só entra em operação em 2025; Ministério da Saúde tem plano de inaugurar mais duas estruturas como essa, no Ceará e no Paraná

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Foto do author Leon Ferrari

Minas Gerais inaugurou nesta segunda-feira, 29, uma biofábrica de mosquitos modificados, caracterizados por carregar a bactéria Wolbachia (os Wolbitos), que é capaz de bloquear a transmissão de arboviroses dos vetores aos humanos, principalmente a dengue. A produção, porém, só deve começar em 2025.

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Os recursos para construção do prédio em Belo Horizonte foram provenientes do acordo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, em janeiro de 2019. A tragédia tirou a vida de 272 pessoas. Por isso, na primeira fase do novo projeto, os mosquitos Aedes aegypti com a bactéria serão soltos na cidade de Brumadinho e em outros 21 municípios da Bacia do Rio Paraopeba.

Segundo o Ministério da Saúde, a Vale também vai arcar com a montagem dos equipamentos e o custeio das operações por cinco anos. A construção do prédio recebeu investimento de aproximadamente R$ 20 milhões, e a etapa de operação prevê mais R$ 57 milhões, de acordo com o governo mineiro.

A ideia é que, no futuro, a fábrica consiga atender a demanda por Wolbitos de todos os municípios mineiros. “A fábrica com certeza vai chegar a uma capacidade de 60 milhões de mosquitos por mês. Com o tempo, vamos ter aqui em Minas números muito melhores com relação à dengue”, afirmou o governador Romeu Zema (Novo). O Estado já registou mais de 1,3 milhão de casos prováveis e confirmou 324 mortes pela doença neste ano. “É uma fábrica que vai revolucionar o futuro de Minas Gerais no médio e longo prazo.”

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Técnico analisa mosquitos coletados no Rio para aferir introgressão da Wolbachia na população de insetos Foto: Bruna Prado/AP

Conforme mostrou o Estadão, no final do ano passado, nas cidades onde o método tem sido utilizado, pesquisadores alcançaram reduções de até 90% na incidência da dengue. Eles também tiveram resultados positivos em relação a outras doenças causadas pelo mosquito, como zika e chikungunya.

No Brasil, o método australiano é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com financiamento do Ministério da Saúde em parceria com governos locais, desde 2014. Até o ano passado, o World Mosquito Program (WPM), detentor da patente da metodologia, usava, de forma provisória, o prédio da Fiocruz, no Rio, e em um espaço cedido pela prefeitura de Belo Horizonte para produzir os Wolbitos.

Durante a inauguração, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde Ethel Maciel, disse que “essa é a primeira biofábrica além da do Rio de Janeiro”, mas a pasta tem planos de expansão para outros Estados. Segundo ela, há planos para construção de estruturas semelhantes no Paraná e no Ceará.

Em fevereiro, Ethel informou ao Estadão que a pasta havia comprado toda a produção de mosquitos da Fiocruz para este ano. Com os R$ 30 milhões investidos, o método Wolbachia chegou a seis novas cidades: Natal (RN), Uberlândia (MG), Presidente Prudente (SP), Londrina (PR), Foz do Iguaçu (PR) e Joinville (SC). Antes estava presente em outras cinco: Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG) e Petrolina (PE).

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O método

Aedes aegypti é o nome científico do mosquito que serve de vetor não só para a dengue, mas também para a chikungunya e zika, que fazem parte de um grupo das doenças definidas como arboviroses. O pernilongo, conhecido por suas listras brancas, é considerado doméstico e tem hábitos preferencialmente diurnos. Apenas a fêmea pica humanos, e ela só adquire o vírus causador dessas doenças quando se alimenta do sangue de alguém infectado.

O renomado cientista Scott O’Neill, CEO do WPM, começou seus estudos com a Wolbachia há anos. O interesse começou após um grupo americano descobrir que as chamadas moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) sobreviviam metade do tempo quando carregavam essa bactéria no organismo.

A Wolbachia é uma bactéria intracelular obrigatória (isto é, não sobrevive fora do hospedeiro) e é encontrada em metade das espécies de insetos existentes, mas não no Aedes aegypti. Não há evidências de que ela seja um patógeno (cause doença) em humanos ou em qualquer vertebrado.

A primeira cepa de Wolbachia testada conseguiu reduzir a vida do Aedes, mas, por causa de alguns problemas, não foi capaz de se estabelecer em uma população do mosquito. Por isso, eles testaram outra cepa, também da mosca-da-fruta. A descoberta foi surpreendente: ela bloqueava o vírus.

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Quando a bactéria está em suas células, o mosquito tem uma probabilidade significativamente reduzida de se infectar com algum arbovírus. E, quando isso acontece, o vírus tem capacidade de replicação e disseminação diminuídas, ou seja, se tornam vetores menos competentes.

Para introduzir a bactéria no Aedes aegypti, os cientistas usam agulhas microscópicas para, primeiro, pegá-la da mosca-da-fruta. Depois, inserem-na em ovos jovens do mosquito. Ao racharem, estabelece-se uma colônia de Aedes aegypti com Wolbachia, pois ela é herdada através de gerações sucessivas.

Com o tempo, a Wolbachia consegue se firmar dentro da população de mosquitos e passa a fazer parte dos genes da espécie, por causa de algo chamado incompatibilidade citoplasmática. Ela “manipula” os resultados reprodutivos do mosquito de forma que, quando um macho infectado por Wolbachia acasala com uma fêmea de tipo selvagem, os ovos são inviáveis e não eclodirão. Agora, se as fêmeas com a bactéria acasalam com qualquer macho, todos os ovos carregarão Wolbachia e eclodirão.

Com uma urbanização sem rede de água e esgoto adequados, as mudanças climáticas e medidas de controle pouco eficazes, a dengue se torna um problema cada vez mais latente no Brasil e no mundo. Para especialistas, só inovações “disruptivas” combinadas serão capazes de mudar o rumo dessa história – isso inclui o controle da transmissão pelo vetor, oferta de vacina e desenvolvimento de tratamentos contra a doença. Isso porque avaliam que as medidas clássicas de controle do vetor, inseticidas e eliminação do foco do mosquito, embora importantes, se mostram pouco eficazes.

O método Wolbachia se diferencia por ser duradouro, natural (não há alteração genética) e apresentar um custo-benefício promissor. Mas há desafios a serem encarados, como entender por que os mosquitos com a bactéria têm dificuldade para se estabelecer em determinadas localidades e achar maneiras de escalar a produção.

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