Em tempos cada vez mais conectados e acelerados, encontrar momentos de tranquilidade e equilíbrio emocional tem se tornado um desafio crescente. Nesse contexto, a meditação vem ganhando popularidade aos poucos.
“Meditação é um termo amplo, comparável ao esporte. Assim como ao praticar esporte é preciso definir a modalidade — seja natação, futebol ou atletismo — o mesmo ocorre com a meditação”, explicou o médico especialista em mindfulness Marcelo Demarzo, durante o Summit Saúde e Bem-Estar, promovido pelo Estadão neste domingo, 13.
Ele destaca que existem várias técnicas meditativas, desde a meditação concentrativa até a analítica, cada uma com diferentes contextos culturais e filosóficos. O mindfulness, por sua vez, é uma dessas modalidades, com foco especial no treinamento da atenção plena. “O mindfulness é como uma gavetinha nesse vasto universo da meditação”, compara o especialista. Segundo ele, a prática é um “treinamento do músculo da atenção”.
“Assim como treinamos o corpo, também podemos treinar a mente. A atenção é essencial para nossa vida cotidiana, e pesquisas mostram que, em média, passamos metade do tempo distraídos”, ressaltou Demarzo. Ele explica que no mindfulness, o foco não é esvaziar a mente ou buscar um estado profundo de tranquilidade, mas observar o que está acontecendo — seja uma emoção difícil, uma sensação de dor ou até o som ambiente.
Segundo o especialista, muitas pessoas resistem à meditação por afirmarem ter problemas de concentração. “Muita gente diz: ‘Eu vou ter que pensar em nada, eu não consigo pensar em nada’”, compartilhou. Mas, de acordo com Demarzo, ao contrário de técnicas de meditação focadas na concentração, como o uso de mantras, o mindfulness é uma prática de observação. Ele ressaltou que “é muito difícil não pensar” e que a ideia de uma mente completamente vazia é irreal. “A partir do momento em que você diz: ‘Não vou pensar’, você já está pensando”, explicou, destacando que o objetivo é perceber nossos padrões de pensamento e emoções no cotidiano, mesmo diante de distrações.
“A mente vazia não existe. O mindfulness ensina a deixar os pensamentos fluírem, mas sem se apegar a eles. Trata-se de estar presente no momento, mesmo com a mente ativa”, esclareceu. “Deixar os pensamentos fluírem no contexto do mindfulness significa reconhecer que eles estão lá sem se fixar neles. Quando você percebe que sua mente está pensando em algo específico, você simplesmente observa esses pensamentos e, em seguida, decide redirecionar sua atenção”, complementou o especialista.
O especialista usou o trânsito como exemplo para explicar como o mindfulness pode nos ajudar a lidar com o estresse de forma mais consciente. Ele descreve que, em situações de tensão, como quando alguém nos buzina no trânsito, a tendência natural é reagir impulsivamente, o que pode desencadear uma “descarga de adrenalina” e “contaminar o dia”. Porém, com o treinamento da atenção plena, aprendemos a identificar essas emoções no corpo e a tomar decisões mais conscientes. “Eu escolho não buzinar de volta”, ele explica, enfatizando que o mindfulness permite que façamos escolhas mais funcionais, em vez de reagirmos automaticamente às emoções negativas.
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“Um dos princípios do mindfulness é focar na respiração, percebendo o ar entrando e saindo. Nesse processo, é normal que a mente vague. O segredo não é lutar contra isso, mas sim observar os pensamentos e adotar uma postura amigável em relação a eles, direcionando-os em seguida e focando no momento presente”, explicou.
De acordo com o especialista em mindfulness, a prática possui comprovação científica. Ele explica que o conceito foi desenvolvido no final dos anos 1970, nos Estados Unidos, pelo médico Jon Kabat-Zinn, que criou o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR). O projeto foi inicialmente aplicado em hospitais para ajudar no tratamento de diversas condições, como dor crônica, depressão e transtornos de ansiedade, obtendo resultados positivos e se expandindo para outras áreas, como a educação.
Diversos estudos surgiram a partir dessa linha de pesquisa. “Hoje em dia, temos cerca de 20 mil estudos científicos sobre treinamentos com mindfulness, aplicados em diversas áreas, como medicina, psicologia, educação e empresas. Todos eles mostram resultados na saúde física e mental”, disse Demarzo. Um exemplo é um estudo publicado no JAMA Psychiatry, que investigou adultos com transtornos de ansiedade não tratados.
Os participantes foram divididos em dois grupos: metade recebeu de 10 a 20 mg de escitalopram, a versão genérica do Lexapro, um medicamento amplamente utilizado para tratar ansiedade e depressão. A outra metade participou de um programa de oito semanas de redução do estresse baseado em mindfulness. O resultado foi que ambos os grupos apresentaram redução nos sintomas de ansiedade ao final das oito semanas.
Conforme Kabat demonstrou, uma das vantagens do ‘mindfulness’ é a redução do estresse. Demarzo, por sua vez, destaca que a prática pode colaborar, por exemplo, com a melhoria do foco, da capacidade da memória e com a redução da insônia.
Isso tudo pode ser útil para evitar problemas de saúde mental ou servir como tratamento complementar para ansiedade, depressão e até colaborar com respostas positivas aos tratamentos de saúde. Apesar disso, ele recomenda que a prática seja iniciada em períodos mais estáveis.
“Se eu estou vivenciando um quadro de depressão ou de luto de forma muito intensa, por exemplo, o indicado é buscar acompanhamento médico. Depois disso, em um momento mais estável, pode ser muito válido iniciar a prática”, destacou o especialista. Para quem deseja começar, o especialista oferece algumas orientações:
- Inicie com a respiração: um dos pilares do mindfulness é a atenção plena à respiração. Concentre-se em sentir o ar entrar e sair do corpo, sem forçar, apenas observando o movimento.
- Pratique a aceitação: durante a prática, é natural que pensamentos, sensações ou emoções surjam. Em vez de afastá-los, observe-os sem julgamento, reconhecendo sua presença e retornando o foco à respiração.
- Escolha um momento do dia: dedique alguns minutos diários à prática. Demarzo recomenda começar com 5 a 10 minutos e aumentar gradualmente.
- Traga a atenção para o presente: durante atividades cotidianas, como comer, caminhar ou escovar os dentes, tente focar no presente, observando os detalhes de cada ação.
- Postura confortável: para a prática formal, sente-se em uma posição confortável, com as costas eretas e os pés firmes no chão. A postura ajuda a manter a mente alerta e receptiva.
- Seja gentil consigo mesmo: o mindfulness não exige perfeição. O especialista reforça que é natural perder o foco às vezes; o importante é perceber isso e retornar à prática sem autocrítica.
“Summit Saúde e Bem-Estar - O futuro da saúde já chegou″ acontece hoje e amanhã, 14, das 8h às 18h30, no Espaço de Eventos do Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.
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