Ministério Público apura denúncias de 'fura-filas' da vacina em ao menos 8 Estados e no DF

Relatos compartilhados nas redes sociais mostram prefeitos, fotógrafo, filho de deputado e até chefe de setor de informática recebendo a vacina

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Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela, Daniel Aloísio e Patrik Camporez

Políticos, profissionais recém-nomeados e até um chefe de um setor de informática e um fotógrafo estão entre as pessoas que já receberam a vacina contra a covid-19 no Brasil. Com o avanço da vacinação pelo País, mas com apenas 6 milhões de doses disponíveis inicialmente, crescem os relatos de “fura-filas” nos Estados. O Ministério Público de ao menos oito Estados (Pernambuco, Sergipe, Amazonas, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia), além do Distrito Federal, acompanha denúncias, que podem culminar com ações penais e processos de improbidade administrativa.

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O Plano Nacional de Imunização, elaborado pelo Ministério da Saúde, definiu como grupos prioritários os idosos e deficientes residentes em institutos de longa permanência, profissionais de saúde e indígenas aldeados. 

No plano, o ministério recomenda uma "ordem de priorização" entre os profissionais de saúde, com as equipes de vacinação, trabalhadores de asilos e funcionários de serviços de saúde público e privados que atuam na linha de frente do combate à covid-19 em primeiro lugar. Estados e municípios podem, dentro dessas categorias, "adequar a priorização conforme a realidade local". 

Especialistas defendem que a vacinação contra a covid-19 deve ser uma estratégia coletiva, não individual, com o objetivo de proteger as pessoas que pertencem aos grupos de risco e as que estão mais expostas ao vírus que já matou mais de 212 mil brasileiros. 

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Na capital do País, a força-tarefa de enfrentamento à covid-19, do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), requisitou à Secretaria Estadual de Saúde o envio, em até 48 horas, de informações sobre pessoas que não integram os grupos prioritários e que teriam recebido doses do imunizante Coronavac. 

O Distrito Federal recebeu pouco mais de 106 mil doses, que são destinadas, exclusivamente, num primeiro momento, para profissionais de Saúde que atendem pacientes infectados com o coronavírus. "Chegou ao MPDFT uma denúncia de que outras pessoas estariam sendo vacinadas também. Nós requisitamos que a SES nos informe, imediatamente, quais são essas pessoas”, informou o coordenador da força-tarefa, procurador de Justiça José Eduardo Sabo. 

Bahia

Mesmo sem fazer parte do grupo prioritário, Reginaldo Prado (PSD), prefeito de Candiba, na Bahia, a cerca de 700km da capital, tomou a vacina contra a covid-19. O ato aconteceu nessa terça-feira, 19, mesmo dia em que o imunizante chegou na cidade, e foi compartilhado nas próprias redes sociais da prefeitura. Com apenas 15 mil habitantes, localizada no centro-sul baiano, Candiba recebeu apenas 100 doses da CoronaVac.

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Segundo a prefeitura de Candiba (BA), prefeito foi imunizado em 'ato de demonstração de segurança, legitimidade e eficácia da vacina, como forma de incentivo para a população que está desacreditada' Foto: Reprodução/Prefeitura de Candiba

Segundo o plano municipal de vacinação, nesta primeira fase, somente trabalhadores da saúde e idosos com mais de 75 anos poderiam ser vacinados. O prefeito Reginaldo tem apenas 60, o que o leva a estar na segunda fase do plano, composta por idosos de até 74 anos. Isso está de acordo com o plano de imunização divulgado pelo governo do Estado da Bahia.

Em nota, a prefeitura informou que o prefeito foi imunizado em “um ato de demonstração de segurança, legitimidade e eficácia da vacina, como forma de incentivo para a população que está desacreditada”. A prefeitura ainda afirmou que o gestor se enquadra nos critérios de vacinação, pois é hipertenso e diabético. “A intenção foi apenas encorajar aqueles que ainda estão resistentes e questionam a efetividade da vacina”, disseram.

Além do gestor, a biomédica Mirele Costa Cruz, que trabalha na linha de frente do combate à covid-19 no Hospital e Maternidade de Candiba, foi outra das primeiras pessoas vacinadas na cidade. O Estadão não conseguiu contato com o prefeito, que apareceu na manhã dessa quarta em um vídeo nas redes sociais da prefeitura comentando o caso.

“As pessoas que trabalham no posto de saúde, no combate à covid-19, me convidaram para estar com eles. Ao chegar lá, até o pessoal da saúde estava preocupado em tomar a vacina. Eu respondi que não tem nada de mais, que eles podem tomar despreocupados. Com isso, no meio de tantas pessoas, perguntaram o motivo de eu não ser o primeiro a tomar. Dei de mim o melhor autorizando a me aplicarem a vacina”, afirma.

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Devido a repercussão negativa, a prefeitura de Candiba bloqueou a opção de comentar nas publicações do Instagram. No vídeo, Reginaldo também pediu desculpas. “Peço perdão se errei, se fiz algo a desejar, mas a maior testemunha que eu tenho é Deus e a minha mente, que o meu objetivo foi dar de mim o melhor para o povo candibense e fiz isso ao tomar a vacina, incentivando outras pessoas a tomar”, concluiu.

Nesta quarta-feira, 20, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado da Bahia ajuizaram uma ação de improbidade administrativa e uma ação civil pública contra o prefeito. Para a Procuradoria e a Promotoria, Reginaldo Prado "furou a fila" de grupos prioritários e, por isso, pedem a condenação do gestor por ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública e a indisponibilidade de seus bens para pagamento de multa no valor de R$ 145 mil.

Sergipe

Em Itabi, no Estado de Sergipe, o prefeito Júnior de Amintas (DEM), de 46 anos, foi o primeiro a tomar a vacina. A ação também aconteceu na terça-feira e gerou revolta da população de cerca de 5 mil habitantes. Em nota oficial, a Secretaria de Saúde do município explicou que o prefeito foi imunizado para incentivar a população a se vacinar.

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“Segundo o informe técnico ‘Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19', elaborado pelo Ministério da Saúde, é ‘facultado a Estados e municípios a possibilidade de adequar a priorização conforme a realidade local’, razão pela qual o prefeito foi imunizado”, disseram.

Em nota, o Ministério Público de Sergipe informou que a Promotoria de Justiça de Itabi tomou conhecimento do fato por meio da imprensa e que vai instaurar um procedimento.

Pernambuco

Já em Jupi, cidade do interior de Pernambuco, foi a secretária de Saúde Maria Nadir Ferro e um fotógrafo que trabalha na prefeitura, conhecido como Guilherme JG, que tomaram a vacina, mesmo sem fazer parte do grupo prioritário. Os dois servidores públicos foram afastados. O município recebeu apenas 136 doses da Coronavac.

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Em nota, a prefeitura lamentou o ato: “A gestão repudia totalmente qualquer ilegalidade na não observação do plano estadual e municipal de imunização, principalmente em relação a vacinação de pessoas fora do quadro prioritário, a qual nesta fase abrange a vacinação dos profissionais de saúde que estejam no combate à covid-19".

A Procuradoria-Geral de Justiça de Pernambuco recomendou aos promotores do Estado nesta quarta-feira, 20, que "intensifiquem o processo de fiscalização da vacinação em todas as cidades pernambucanas". Além de exigir a apresentação de planos de vacinação municipais, o MP também deve acompanhar o cumprimento da ordem de prioridade estabelecida no Plano Nacional de Imunização. 

Rio Grande do Norte

Em Natal, o Ministério Público estadual apura denúncias de que funcionários da prefeitura, fora do grupo prioritário para a vacinação, foram imunizados. De acordo com os relatos, apresentados ao MP pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Natal, funcionários que detêm cargos comissionados na Secretaria Municipal de Assistência Social receberam a Coronavac em um dos locais de vacinação da cidade. Entre eles está o chefe do setor de informática da secretaria, que compartilhou nas redes sociais o registro do momento em que foi imunizado. Segundo o MP, os casos serão analisados individualmente "para se investigar se houve o cometimento de crime ou ato de improbidade". 

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Em nota, a prefeitura do Natal disse que os funcionários fazem parte das equipes diretamente envolvidas na vacinação contra a covid-19. Após a repercussão do caso, o município reforçou que restringirá a vacinação aos profissionais de saúde com atuação "efetiva e comprovada" na linha de frente e aos idosos residentes em instituições de longa permanência. A prefeitura também deve apurar as denúncias através da ouvidoria do município.  

O prefeito da cidade, Álvaro Dias (PSD), que é médico, mas não atua na profissão, chegou a anunciar na terça-feira, 19, que seria a primeira pessoa a receber a vacina em Natal para "dar exemplo" à população. Após críticas, Dias recuou e disse estar protegido por tomar ivermectina, antiparasitário de eficácia não comprovada contra a covid-19 recomendado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Eduardo Pazuello. 

Amazonas

Em Manaus, registros compartilhados em redes sociais mostram os recém-formados em medicina David Dallas, filho do deputado estadual Wanderley Dallas (Solidariedade), e as gêmeas Gabrielle e Isabelle Kirk Lins, filhas de um empresário local, recebendo a Coronavac. Uma das gêmeas foi nomeada pela prefeitura na véspera e os outros dois foram contratados no dia da vacinação. Eles não ocupam cargos de médicos, mas de gerentes de projetos - com salários de cerca de R$ 15 mil, e não atuavam na linha de frente do combate à covid-19. O prefeito David Almeida (Avante), chegou a anunciar nas redes sociais nesta quarta-feira, 20, que baixaria uma portaria proibindo as pessoas de postarem fotos do momento da vacinação.

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Nesta quinta-feira, 21, a prefeitura de Manaus suspendeu a campanha de vacinação por um dia para "reformulação". A orientação agora é de que a prioridade na vacinação deva ser dada aos profissionais das unidades de referência, de média e alta complexidade, que tenham contato direto com pacientes com covid-19, levando em conta fatores como comorbidades e idade.

Paraíba

O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar se o prefeito de Pombal, na Paraíba, médico obstetra Abmael de Sousa Lacerda (MDB), mais conhecido como Dr. Verissinho, furou a fila da vacina da Coronavac. Ele foi a primeira pessoa a tomar a vacina na cidade, mesmo sem fazer parte dos grupos prioritários, segundo denúncia que chegou ao MPF. 

Verissinho tem 66 anos e ficou conhecido por fazer atendimento médico gratuito à população, mas o MP quer saber se ele estava de fato na linha de frente da covid-19. O procurador da República Anderson Danillo Pereira Lima enviou ofício ao prefeito, na quarta-feira, 20, solicitando que comprove com documentos se pertence ao grupo prioritário. O Ministério Público da Paraíba também abriu investigação para apurar se Dr. Verissinho “furou a fila” da vacinação.

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A cidade, de 32 mil habitantes, recebeu 282 doses da vacina. O prefeito disse que não furou a fila, pois entende que está no grupo prioritário. “Sou médico e atendo gratuitamente pessoas, inclusive muitas com suspeita da covid-19. Tenho 66 anos e, como prefeito e médico, quis mostrar que ninguém deve ter medo da vacina. Não acho que houve fura-fila e estou prestando as informações ao Ministério Público”, disse.

O prefeito recebeu a vacina na terça-feira, 19, quando o lote chegou à cidade. Na quarta, a Secretaria de Saúde do Estado divulgou nota técnica estabelecendo que a prioridade, no caso de profissionais de saúde, é vacinar apenas quem está trabalhando em UTI de covid-19, enfermeiras que tratam pacientes com a doença ou que atuam no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), além das equipes diretamente envolvidas na vacinação.

Ceará

Giovanni Sampaio, vice-prefeito de Juazeiro do Norte, cidade localizada a cerca de 400 km de Fortaleza, foi vacinado na terça-feira, 19. Segundo a prefeitura, ele é médico obstetra e atua como voluntário no combate à covid-19 em unidades de saúde do município. Em nota, o Ministério Público do Ceará diz que instaurou notícia de fato para apurar "suposta violação das regras de vacinação por um agente público municipal" e que decidirá, após averiguação, qual é a medida cabível no caso.

O MP apura também a vacinação de Benedita Oliveira, secretária de saúde de Quixadá, no interior do Estado. Ela foi uma das primeiras a receber a Coronavac na cidade. A Promotoria estipulou prazo de cinco dias para envio de lista "contendo a qualificação das pessoas que foram vacinadas" com relação aos critérios definidos pelo Ministério da Saúde. 

Segundo o Ministério Público, podem responder por improbidade administrativa os "servidores públicos que desrespeitarem a fila de vacinação em benefício próprio ou de outras pessoas, sem que atendam aos critérios estabelecidos pela Secretaria da Saúde do Estado para a fase atual do programa". 

Pará

O diretor administrativo do Hospital Municipal de Castanhal, cidade de 200 mil habitantes na região norte do Pará, foi demitido pela prefeitura após ser acusado de furar a fila da vacina Coronavac. O agente público Laureno Lemos, de 38 anos, se apresentou para a vacinação no início da noite de terça-feira, 19, logo após a primeira dose ter sido aplicada na servidora Nivalda Pestana, de 58 anos, que trabalha há quase 20 anos na lavanderia do hospital e está na linha de frente da covid-19.

Moradores denunciaram o desrespeito às regras da campanha após uma foto do servidor sendo vacinado ter sido postada na rede social Facebook. Antes da chegada do imunizante, ele criticava publicamente a Coronavac e afirmava que não tomaria a vacina chinesa. Ao tomar conhecimento do fato, na manhã de quarta-feira, 20, o prefeito Paulo Titan (MDB) determinou a dispensa do agente público.

Em nota, a prefeitura informou que a atitude do servidor “foi totalmente contrária às determinações da administração municipal, já que não se enquadrava no grupo prioritário. Por esse motivo, ele não faz mais parte do quadro funcional. Em respeito à vida, a prefeitura estará vigilante para que nada semelhante se repita”.

À reportagem, Lemos disse que não pediu para ser vacinado. “Eu era contra a vacina, mas veio uma lista da diretoria geral para que todos se vacinassem. Então, depois que aplicamos a vacina na servidora escolhida para ser a primeira, os outros funcionários começaram a tomar. Eu fui ali o trigésimo. Estava na minha sala quando me chamaram.” Ele disse que não se considera fura-fila. “O hospital atende a covid-19 e tenho contato direto com os pacientes e casos suspeitos.”

Lemos disse que a lista será enviada ao Ministério Público, que já apura o caso. Afirmou também que já discute com advogados a sua demissão. “Só eu fui exonerado e ninguém me pediu uma explicação sobre o acontecido.” Lemos foi candidato a vereador pelo DEM nas últimas eleições municipais e recebeu 253 votos, não se elegendo. Castanhal recebeu 1.480 doses da vacina, suficiente para vacinar 40% dos profissionais da saúde na linha de frente contra a pandemia, além de 38 idosos em um asilo./COLABOROU CARLA MENEZES