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Miopia cresce entre crianças: Quais são os sinais e por que as telas podem piorar problema?

Distúrbio da visão pode estar relacionado à alta exposição a celulares e computadores e pouca exibição à luz natural; veja os sinais de alerta, formas de prevenção e tratamento

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Por Guilherme Santiago

Em uma pessoa com a visão normal, os raios de luz passam pela córnea, atravessam a retina e se juntam para formar a imagem no fundo do olho. No entanto, naqueles que convivem com a miopia, a imagem é formada antes de a luz atingir a retina. É como se elas tivessem um globo ocular mais “longo”. Quando isso acontece, há uma dificuldade maior em enxergar com nitidez aquilo que está distante dos olhos.

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Essa condição é cada vez mais recorrente entre os jovens. De 2019 a 2022, foi registrado aumento de 134% nos casos de miopia entre crianças e adolescentes de até 19 anos em São Paulo, de acordo com dados da Secretaria Municipal da Saúde. Em nível nacional, levantamento do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) confirma essa tendência: sete em cada dez oftalmologistas relatam alta de miopia entre esse público. Segundo especialistas, a pandemia de covid-19 é o principal motivo do crescimento.

Para Júlia Rossetto, oftalmologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), dois comportamentos das crianças durante a pandemia explicam o aumento: mais tempo em frente às telas e menos tempo fora de casa.

“A luz solar, em contato com a retina, estimula a produção de hormônios, como a dopamina, que inibe o crescimento ocular”, diz. Dessa forma, além de reduzir as chances de miopia, atividades em ambientes externos também podem diminuir a progressão de grau daqueles que já possuem a condição.

É possível prevenir a miopia: em contato com a retina, a luz solar estimula produção de hormônios que inibem crescimento ocular Foto: Tom Dib

Qual o efeito das telas?

O uso de telas é outro agravante. Ainda que seja comum acreditar que a luz emitida pelas telas cause a miopia, esse não é o motivo. “Não existe comprovação que a luz emitida por celulares ou computadores cause danos aos olhos”, afirma a oftalmologista.

De acordo com ela, o efeito desse tipo de luz está relacionado ao ritmo circadiano, que é o ciclo de funções biológicas dos seres humanos no período de 24 horas. A exposição às telas em determinados momentos, como antes de dormir, pode atrapalhar a sincronização do organismo ao ciclo e prejudicar o sono. Dessa forma, a relação entre as telas e a miopia não está no uso em si, mas na forma e frequência em que é feito.

Em geral, tablets, computadores e celulares são utilizados por longos períodos e bem próximos aos olhos. E esse é o problema. “Quando olhamos para perto, estimulamos um movimento do olho chamado de acomodação”, explica. A função desse movimento é preparar os olhos para enxergar com nitidez aquilo que está próximo. “Porém, se você estimula muito essa acomodação, há maiores chances de miopia.”

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Mas existem maneiras de evitar que as telas causem complicações. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em conjunto com a SBOP, define algumas recomendações para o uso de telas entre as crianças e adolescentes, que podem reduzir as chances de problemas da visão, como a miopia, melhorar a qualidade do sono e criar uma relação mais saudável dos jovens com os aparelhos eletrônicos.

  • Menores de 2 anos. Não é indicado o uso de telas. Nesses casos, não incluem as chamadas de vídeo que, ainda mais no contexto de pandemia, tornaram-se bastante frequentes.
  • Entre 2 a 5 anos. O ideal é não ultrapassar 1 hora diária e sempre com um adulto por perto.
  • Entre 6 a 10 anos. No máximo 2 horas por dia e também com a supervisão de um adulto.
  • A partir dos 10 anos. Não ultrapassar o limite de 3 horas por dia. É importante também evitar a utilização de noite, que pode atrapalhar o sono e torná-lo mais agitado.
  • Para todas as idades. Sempre preferir as maiores telas e com as maiores distância. Se for usar tablet ou celular, manter a distância de um braço adulto do aparelho até o rosto. Também deve-se evitar a utilização durante as refeições e duas horas antes de dormir.

Como saber se meu filho tem miopia?

Na pandemia, quando a sala de aula e as conversas com os amigos migraram para o ambiente digital, não teve como João Miguel, de 7 anos, fugir das telas. “Ele assistia as aulas pelo celular e computador e, como as telas estavam próximas, não tinha dificuldade para enxergar”, conta sua mãe, Dayane Santos. A confirmação para miopia aconteceu por acaso, conforme ela explica. “Um dia, brincando na piscina, ele bateu o olho e machucou. Foi só aí que eu levei ele ao oftalmologista”, diz ela, que no mesmo dia já recebeu a confirmação de que o filho estava com 4,5 graus de miopia.

João, de 6 anos, foi diagnosticado com miopia durante a pandemia e passou a usar óculos Foto: Ricardo Lima/Estadão

Ainda que não tenha sido o caso de João, existem fatores que podem indicar a presença da miopia entre os pequenos. “Crianças míopes costumam ser mais inquietas e com dificuldade para desenvolver algumas atividades escolares”, indica Leôncio Queiroz, médico oftalmologista do Instituto Penido Burnier, em Campinas. “Elas podem entortar a pescoço na tentativa de enxergar melhor, se aproximam da televisão ou se queixam de dores de cabeça”, completa.

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De qualquer forma, com indícios ou não, a recomendação é que toda criança faça visitas periódicas ao oftalmologista. As diretrizes da SBOP indicam que, entre 6 e 12 meses, já podem ser realizados os exames oftalmológicos de rotina e, depois, entre 3 e 5 anos. “Até porque, por não ter referências, a criança não sabe dizer que não está enxergando bem ou que vê embaçado”, pondera Queiroz. Realizando o exame, é possível identificar a presença da condição.

Fatores hereditários também podem ser sinal de alerta, como foi para Aline de Melo, de 40 anos, mãe de Luiz, de 14. “Aos 6 anos, o Luiz começou a reclamar de dor de cabeça. E como eu e todos os avós maternos e paternos dele usamos óculos, achei que era uma boa idade para levá-lo ao oftalmologista”, diz. “Ele se adaptou bem aos óculos, que é a última coisa que ele tira antes de dormir e a primeira coisa que coloca ao acordar. Ele é muito disciplinado.”

Qual o tratamento?

Seja aos 7 anos, como João, ou aos 14, como Luiz, o objetivo do tratamento da miopia é estabilizar o grau. Por isso, o primeiro passo é realizar exames com o oftalmologista, que vão identificar o grau da criança. Após 6 meses, se houver a progressão do grau, o tratamento é iniciado. Uma das opções de controle mais utilizadas são as lentes, que têm a função de corrigir a visão e retardar a progressão.

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“O sucesso do tratamento não é a redução do grau, mas é ele não aumentar. Em geral, eles reduzem em quase 70% a progressão”, diz. Luiz, no entanto, iniciou com grau menor, mas teve progressão ao longo do tratamento. “Ele começou a usar óculos para corrigir 0,5 grau de miopia. As dores de cabeça pararam e ele passou a enxergar bem”, diz Aline. Mas hoje o jovem já está com 6 graus. “A expectativa é que, completando 18 anos e estabilizando a miopia, ele possa operar.”

Luiz foi diagnosticado aos 6 anos depois de suspeita da mãe, Aline, que também é míope Foto: Arquivo Pessoal

No caso da cirurgia, o objetivo é mudar a curvatura da parte anterior do olho, chamada de córnea, para que as imagens sejam formadas com mais precisão. “Após a cirurgia, as pessoas passam a não precisar mais de óculos, mas ela só é indicada para maiores de 18 anos, com o grau estável e que não seja muito alto.”

No caso de João, por ser diagnosticado com um grau bastante alto, foi necessário fazer o uso das lentes específicas para miopia. A adaptação foi difícil no começo. “Como ele ainda é criança, ele se sentia incomodado quando a gente ia colocar a lente, mas agora ele já se adaptou, mesmo sendo eu quem coloca, porque ele ainda não sabe colocar sozinho”, afirma Dayane.

Há, ainda, outra linha de tratamento, que é o uso de colírios que agem em diferentes partes do olho. “O mecanismo exato pelo qual o colírio reduz a progressão da miopia não é esclarecido, mas sabemos que algumas ações do medicamento ajudam na estabilização”, explica a oftalmologista Julia. Essas ações incluem a redução da acomodação – aquele movimento do olho ao focar em objetos próximos – e estimula a liberação de dopamina.

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