A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica norte-americana Merck Sharp & Dohme (MSD) assinaram na terça-feira, 3, acordo de cooperação para a produção do primeiro antiviral oral para o tratamento contra a covid-19 no Brasil. O anúncio foi feito nesta quinta-feira, 5, um dia após o Molnupiravir ter aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial no País. O medicamento em formato de cápsulas é indicado para o tratamento de pacientes adultos que não requerem oxigênio suplementar e apresentam maiores riscos de desenvolver a forma grave da doença. É contraindicado para menores de 18 anos e gestantes.
Com a parceria, a fundação - por meio do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) - ficará responsável pela armazenagem, administração, rotulagem, embalagem, testagem, liberação, importação e fornecimento do medicamento Molnupiravir para o Sistema Único Saúde (SUS). Já a MSD deverá monitorar e acompanhar, em conjunto com Farmanguinhos, o desenvolvimento das atividades para a transferência parcial de tecnologia, prestando assistência em todo o processo.
"A Fiocruz vai ser responsável também por toda a distribuição e negociações com o Ministério da Saúde", afirmou Mário Ferrari, diretor da unidade de negócios de Infectologia da MSD. No entanto, ainda não é possível prever quando a produção será iniciada no Brasil. "O projeto tem etapas e alguns critérios que foram estabelecidos no acordo. E ele (projeto) caminha de acordo com essas etapas. Não é algo que a gente consiga precisar com o tempo", acrescentou ele.
Ainda segundo Ferrari, o estudo clínico global de fase 3 mostrou que o medicamento reduziu significativamente as hospitalizações e reduziu a mortalidade por covid, o que beneficia o sistema de saúde público. "O uso do medicamento reduziu significativamente as hospitalizações e reduziu em 89% a mortalidade dos pacientes que tomaram o Molnupiravir", disse o diretor da MSD.
O acordo prevê ainda a condução de ensaios clínicos, em parceria com a farmacêutica, para eventual uso em profilaxia de covid-19, e o início de estudos experimentais de análise da atividade do medicamento em outros vírus também endêmicos no Brasil, como chikungunya e dengue, doença que atualmente colocou o Brasil em alerta diante do aumento de casos registrados.
Desde o início do ano passado as negociações estão em andamento. "Há um ano e dois meses, começamos a falar com a Fiocruz sobre nossa intenção de trazer isso através de um modelo de cooperação tecnológica. Além da produção do medicamento no Brasil, há outras coisas, como a pesquisa desse medicamento em infecções virais como chikungunya e dengue. E estudo de profilaxia do Molnupiravir, que está sendo conduzido pela Fiocruz e outras instituições, com expectativa para resultados ainda neste ano", afirmou Ferrari.
"O Molnupiravir tem um mecanismo de ação que ele insere erros dentro do vírus, o que faz com que o vírus não consiga se reproduzir. Eles vão investigar se isso também é possível em vírus como chikungunya e dengue", acrescentou ele.
Conhecido internacionalmente pelo nome comercial de Lagevrio, o Molnupiravir já foi aprovado nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Europa, no Japão e na Austrália. Atualmente, está em uso em pelo menos trinta países.
"A Fiocruz sempre esteve na vanguarda em tratamentos para diversos tipos de doenças. Além do avanço da vacinação de covid-19 no País, podemos agoracontar adicionalmentecom um medicamento que contribui para a redução o número de pacientes com covid leve a moderado que progridem para doença grave, que certamenteterá um forte impacto positivo no SUS e no enfrentamento à pandemia”, disse, em nota, a presidente da entidade, Nísia Trindade Lima.
Sobre a transferência da tecnologia para fabricação 100% do medicamento no Brasil, as instituições já definiram as premissas para viabilizar este processo e permanecerão em diálogo, ao longo dos próximos dois anos de parceria, para avaliar as condições técnicas e demanda do próprio sistema de saúde frente aos resultados dos estudos experimentais e clínicos a serem realizados.
Embora a MSD tenha feito acordos para uma precificação conforme a capacidade financeira de cada país no enfrentamento da pandemia, ainda não está definido o valor que o medicamento será comercializado no Brasil, antes ou mesmo depois do início da produção nacional. "O preço está sendo discutido no momento. Ainda não há valor definido. Estamos entrando em negociação com o Ministério da Saúde, por meio da Fiocruz, sobre um preço que seja adequado com a capacidade do Brasil de enfrentar a pandemia. Pode ficar três vezes menor que o preço praticado em outros países", adiantou Ferrari.
Sobre a incorporação do medicamento pelo SUS, a expectativa é que já ocorra nas próximas semanas. "A partir disso, a gente estima que, após a incorporação pelo SUS, em quatro a seis semanas o medicamento deve começar a chegar ao Brasil. Desta forma, até o fim deste semestre, esperamos que os pacientes comecem a ser tratados com o remédio", afirmou. E futuramente, o medicamento terá a produção sendo feita em território nacional em parceria com a Fiocruz.
Estudos clínicos com o Molnupiravir
Os resultados do estudo clínico global de fase 3 - multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo - mostraram que o medicamento foi capaz de reduzir em até 89% o risco de morte por covid-19 quando comparado ao placebo, com eficácia consistente contra diferentes variantes virais.
Participaram dos testes pacientes sem necessidade de internação, que não tinham recebido nenhuma dose de vacina e apresentavam pelo menos uma comorbidade que aumentasse o risco de evolução do quadro clínico.
No Brasil, o estudo envolveu sete centros de pesquisas: três em São Paulo (dois na capital e um em São José do Rio Preto), Brasília, Belo Horizonte, Curitiba (PR) e Bento Gonçalves (RS).
A fase 3 do estudo MOVe-OUT foi iniciada em abril de 2021 e avaliou o Molnupiravir como tratamento para pacientes ambulatoriais com covid-19 que estavam com até cinco dias de sintomas (administração de quatro comprimidos, duas vezes ao dia, durante cinco dias por pacientes). Um outro estudo de fase 3, o MOVeAHEAD, está em andamento e avalia a eficácia e segurança do medicamento na prevenção da doença.
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