Mudar alimentação pode acrescentar até 13 anos de vida, sugere estudo

Pesquisa calcula impacto de incluir no prato leguminosas, como feijão, e reduzir consumo de carne e refrigerantes

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Já está claro que comer menos doces e mais vegetais faz bem para a saúde. Um novo estudo, porém, traduziu em números os impactos de ter uma dieta saudável: é possível aumentar em até 13 anos a expectativa de vida ao mudar a alimentação. 

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A pesquisa estimou o tempo de vida ganho - ou melhor, que deixaria de ser perdido - ao se substituir uma dieta típica ocidental - com alta ingestão de carne vermelha, açúcar e processados - por uma alimentação à base de grãos integrais e leguminosas, como feijão e lentilha. O estudo foi realizado por cientistas da Universidade de Bergen, na Noruega.

De acordo com os pesquisadores, um jovem de 20 anos nos Estados Unidos pode alcançar um aumento de até 13 anos na expectativa de vida após fazer essa mudança alimentar de forma permanente. Entre as mulheres americanas com a mesma idade, o ganho seria de 10,7 anos ao adotar uma dieta mais saudável.

A mudança alimentar na faixa dos 40 também ajuda na saúde. O ganho de expectativa de vida, de acordo com a pesquisa, é de 10 anos para as mulheres e de 11,7 anos para os homens que trocam alimentos como bacon e salsichas por legumes e verduras. 

Dieta saudável Foto: Nadine Primeau/Unsplash.com

Já entre os idosos de 80 anos, os cientistas apontaram um benefício menor: alta de 3,4 anos na expectativa de vida, após a troca da dieta. Todas as faixas etárias analisadas se beneficiariam das mudanças alimentares, de acordo com a pesquisa, mas o ganho cai à medida em que a troca ocorre mais tarde. 

“A mudança sustentada de uma dieta típica para uma dieta otimizada desde tenra idade pode se traduzir em um aumento na expectativa de vida de mais de 10 anos. Os ganhos são reduzidos substancialmente com o atraso no início das mudanças, principalmente quando se aproxima a idade de 80 anos”, concluíram os pesquisadores. 

Até mesmo uma dieta “no meio do caminho” entre a típica ocidental e a considerada ideal traz benefícios, segundo os autores. Um prato que não exclui, mas reduz a quantidade de carnes vermelhas e processadas e a de bebidas açucaradas também está associado a um aumento de expectativa de vida, embora menor.

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A mensagem principal do estudo, segundo afirmam os cientistas, é a de que comer mais leguminosas, grãos integrais e nozes e comer menos carne vermelha e carnes processadas parece ser a forma mais eficaz de aumentar a expectativa de vida entre pessoas que seguem uma dieta típica ocidental.

O estudo foi publicado na semana passada na revista científica Plos Medicine. Para chegar a esta conclusão, os cientistas analisaram uma série de outras pesquisas que já indicavam associação entre a ingestão de determinados alimentos e a mortalidade.

Essas pesquisas avaliadas pelos noruegueses mediram o impacto no risco de mortes prematuras para vários grupos de alimentos, como frutas, vegetais, grãos integrais e refinados, nozes e legumes, peixes, ovos, leite/laticínios, carnes vermelhas e processadas, e bebidas açucaradas. 

Já está claro para a Medicina que comer certos alimentos pode levar a um aumento de doenças cardiovasculares, câncer e diabete, responsáveis pelo grande número de mortes em todo o mundo. Carnes processadas, como bacon e linguiça, por exemplo, aumentam o risco de câncer do intestino, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

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A análise dessas pesquisas anteriores levou cientistas noruegueses a criar uma espécie de calculadora da dieta, em que são avaliados em conjunto os benefícios dos alimentos já pesquisados anteriormente. Segundo os cientistas, a ferramenta pode ser útil para que médicos, legisladores e a população em geral entendam o impacto de escolhas alimentares.

A pesquisa tem limitações. Os cientistas ponderam que os estudos considerados para criar a calculadora devem ser interpretados com cautela. Parte deles apresenta associações entre a ingestão de determinados alimentos e aumento ou redução da mortalidade, sem comprovar relação de causalidade.

As estimativas dos noruegueses também não levam em conta diferenças de fatores de risco nem vulnerabilidade genética de algumas populações. O ganho de tempo de vida, por sua vez, depende da dieta que serve como ponto de partida. Pessoas que já têm alimentação parecida com aquela considerada ideal pelo estudo podem ter menos benefícios adicionais ao melhorar ainda mais sua dieta.

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Os pesquisadores apontam ainda que a metodologia não pretende oferecer uma previsão individualizada sobre a expectativa de vida relacionada à alimentação, mas estimativas populacionais sobre impactos de ter uma dieta mais saudável. 

'Alimentação pode ser protetora ou um risco para doenças crônicas'

Para Maria Alvim, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP), o estudo norueguês não deve ser interpretado do ponto de vista individual, como se uma mudança de dieta acrescentasse automaticamente dez anos à sua vida. 

"São estimativas, modelagens estatísticas que vão prever aumento médio (de tempo de vida) para uma população que muda de comportamento de forma simulada", afirma ela, que não fez parte da pesquisa. "Não que isso diminua a qualidade do estudo, mas não podemos pegar um dado populacional e aplicar no indivíduo com tanta facilidade", explica.

Ela destaca, no entanto, que a pesquisa passa uma mensagem importante sobre os benefícios de melhorar a alimentação. "Já temos claro que a alimentação pode ser protetora ou um risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, que podem diminuir tanto o tempo de vida quanto a qualidade de vida."

A especialista compara o mecanismo ao tabagismo. "O fumante tem uma expectativa de vida mais curta do que o não fumante. Se uma pessoa fuma, tem mais chance de desenvolver hipertensão ou até mesmo um câncer. Da mesma forma, se uma pessoa se alimenta de maneira errática, isso também aumenta o risco de desenvolver diferentes doenças crônicas."

Trazendo a pesquisa para a realidade do Brasil, a especialista pondera que o padrão de dieta do brasileiro é melhor que o do americano. "Na nossa dieta, 18,4% das calorias vêm de ultraprocessados. Na do norte-americano, é coisa perto de 60%." Para Maria, cerca de 20% da população brasileira estaria perto da dieta apontada como ideal pela pesquisa norueguesa.

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Isso não significa, porém, que não há espaço para melhorar. Nas últimas décadas, a dieta do brasileiro vem piorando e os ultraprocessados têm ganhado espaço no País, afirma a pesquisadora. Com a crise econômica em meio à pandemia, há risco de aumento de consumo de alimentos prejudiciais à saúde, como macarrão instantâneo, em detrimento de frutas e hortaliças - que ficaram mais caras no sacolão.

A especialista destaca que são necessárias políticas públicas para melhorar a alimentação. Mecanismos como o fornecimento de alimentação escolar de qualidade e programas de transferência de renda podem ajudar a tornar a dieta do brasileiro mais saudável. 

Para medir o impato da alimentação na saúde do brasileiro, o Nupens conduz uma pesquisa que pretende acompanhar 200 mil pessoas de todas as regiões do País. O objetivo é identificar características da dieta que aumentam ou diminuem o risco de doenças crônicas, como obesidade, diabete, hipertensão, doenças do coração e câncer. Voluntários podem participar por meio do site https://nutrinetbrasil.fsp.usp.br/.

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