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Mulher de Arlindo Cruz assume namoro com outro: Como fica vida afetiva se um companheiro adoece?

Ter outro relacionamento após problema de saúde do parceiro ainda é motivo de preconceito, principalmente contra as mulheres; especialistas apontam para a necessidade do autocuidado

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Por Aline Reskalla

Responsabilidade, prisão, preocupação, cansaço. Nos últimos quatro anos, desde que o marido foi diagnosticado com Alzheimer, Antônia diz lidar com esses sentimentos no dia a dia. De 68 anos, ela passou meio século com Jânio, de 75, de quem afirma cuidar com a maior dedicação. Mas isso não impediu, segundo conta, que ela se envolvesse em um novo relacionamento após reencontrar um ex-namorado.

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Lidar com o adoecimento de um companheiro - em muitos casos grave e irreversível - e se abrir para um novo relacionamento ainda são assuntos cercados de tabus. O tema veio à tona após Babi Cruz - mulher do cantor Arlindo Cruz, que sofreu um AVC em 2017 e hoje se recupera das sequelas - assumir um namoro. Ela disse que não pretende se separar do marido nem deixar de cuidar dele. A revelação dividiu a família e Babi também recebeu críticas nas redes socais.

Para psicólogos, o cuidado e o respeito com o outro não significam abdicar de si mesmo. Além de lidar com o problema, que se assemelha ao luto, o companheiro saudável tem seus próprios desejos - o que não significa egoísmo ou abandono do parceiro. Outro desafio é não machucar os sentimentos daquele que está doente. Grande parte da resistência de terceiros a essa nova experiência, dizem os especialistas, deriva do preconceito, sobretudo do machismo.

Mulher de Arlindo Cruz assume relacionamento com novo namorado Foto: Instagram/@bibicruz10

Antônia e Jânio (nomes fictícios) vivem na mesma casa, mas dormem em quartos separados desde que, há 17 anos, a mulher flagrou o marido com outra e quis se separar. Por pressão dos filhos, Antonia aceitou viver junto de Jânio. “Ele sempre foi um excelente pai, mas um péssimo marido. Bebia muito e era infiel. Eu sabia das traições, mas no dia que vi, quis dar um basta. Levou mulher para dentro da minha casa!”, disse a dona de casa ao Estadão.

Hoje Antônia ainda cuida do pai de seus filhos. Ele já não se lembra mais das coisas e anda com dificuldade, mas ainda fala e está consciente. Todo dia Antônia acorda cedo, por volta das 6 horas, prepara o café, ajuda Jânio a se vestir, comer e o leva para academia, onde faz fisioterapia e exercícios. Depois, tomam café na lanchonete preferida dele.

Mas ela decidiu ter uma vida própria: passear, namorar e fazer pequenas viagens quando possível. O namorado é um ex, agora viúvo, que ela reencontrou na mesma época em que Jânio adoeceu. “Decidi ficar com ele, pois tenho o direito de viver minha vida. Tive câncer e me curei, a vida é muito passageira. Hoje posso dizer que sou feliz”, afirma.

A dona de casa mantém a situação sob sigilo. “Ele (um dos filhos), que nos dá toda a assistência financeira, não iria aceitar de jeito nenhum. Além disso, quero preservá-lo”, acrescenta, referindo-se ao marido. Assim como Arlindo tem chance pequena de se recuperar, o quadro de Jânio piora rapidamente.

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“Não desejo ao meu pior inimigo, se é que os tenho, tudo que passei nesses últimos anos. Fui ao fundo do poço, e lá me revitalizei para seguir adiante. Não posso admitir ser tratada como vilã, pois em nenhum momento desrespeitei, maculei, constrangi a imagem do Arlindo, dos meus filhos, netos, amigos e fãs”, escreveu Babi Cruz nas redes sociais.

Papel da mulher

Para a psicóloga Gláucia Tavares, as críticas têm a ver com a visão sobre o papel da mulher. “Ainda bebê, nós, mulheres, ganhamos uma boneca, que a gente aprendeu a carregar. E aos meninos, é dada uma bola que eles têm de sair chutando. Desde cedo aprendemos que temos de cuidar. Mas quais são os limites? O que é o cuidar que representa o abandono de si?”, diz ela, que tem 45 anos de experiência na área familiar.

“Uma atitude generosa real implica que tenhamos gentileza conosco antes. Compatibiizar esses dois lados no cuidado é tarefa desafiadora”. Ela fcompara: no avião é orientado para, em caso de despressurização, colocar primeiro a máscara em si própria. “Poderíamos chamar isso de atitude individualista ou egoísta?”

Ainda segundo Babi, o novo relacionamento só foi iniciado quando soube que o quadro do sambista era irreversível. “Pensando no fato de eu ser uma mulher cheia de vida, por mais distante que pudesse ser em meus pensamentos, mas sempre respeitando, até os dias atuais, meu laço matrimonial”, disse. “Nada do que aconteceu ou acontecerá na minha vida me impedirá de cuidar com todo amor e carinho da saúde do Arlindo, como sempre fiz.”

Fadiga de compaixão

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Segundo Gláucia, são duas as principais manifestações possíveis na ausência de autocuidado quando se é responsável por um parceiro doente. Uma delas é a “fadiga de compaixão”, a exaustão por estar vivendo em via de mão única, cuidando do outro, sem capacidade de descarregar. “Não é incomum ver cuidadores que ficam meses sem dormir, sem uma jornada de sono, descanso. Beira uma exaustão física e emocional”. Outra condição é a Síndrome de Burnout, também uma espécie de esgotamento ligado ao excesso de trabalho.

A psicóloga avalia que, mais importante do que a condenação social, é necessário entender a dinâmica da relação. “Se existe uma relação em que a pessoa se sente nutrida, isso também é autocuidado. Mas, se há muitas pendências, as relações também apresentam os seus furos. E isso vem temperado com mágoa, ressentimento ou ódio. Pode comprometer até qualidade do cuidado. A pessoa que cuida precisa redistribuir a carga, encontrar um modo de viver sua vida”. Segundo Gláucia, a condenação social é muito mais agressiva quando se trata de uma mulher. “Homens normalmente pulam fora de situações assim. Dizem que não dão conta. E ninguém fala nada”, questiona.

Advogada especializada em Direito de Família, Karine Bessone concorda. “Vez ou outra deparamos com situações como essa praticadas pelo gênero feminino, as quais são consideradas alarmantes e indecorosas simplesmente pelo fato de vivermos em uma sociedade machista”, afirma.

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“Se um simples namoro é considerado como passível de causar dano moral ao cantor na situação em que se encontra, como seria tratado o dano causado à esposa por uma traição, também pública e notória, que teve como fruto um filho fora do casamento?

Há perda de direitos ou danos morais?

Do ponto de vista jurídico, quais seriam as implicações de assumir um relacionamento extraconjugal estando casada? Haveria perda de direitos ou uma eventual condenação por danos morais? Segundo Karine Bessone, a linha contemporânea do Direito de Família relativiza o princípio da monogamia previsto no Código Civil, diante de “análise cuidadosa de cada caso concreto”.

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A reflexão que se coloca, para a especialista, é sobre o que seria considerado como maior dano à personalidade e à pessoa de Arlindo. “A presença de Babi com ele como ente familiar, totalmente dedicada aos cuidados com sua saúde debilitada, enquanto mantém um namoro sem sinais aparentes de constituir entidade familiar ou risco ao patrimônio do casal? Ou se a Babi tivesse o abandonado à própria sorte, pedido divórcio para curtir com outro homem sua vultuosa meação enquanto tem saúde e vigor?”, questiona.

Karine considera pouco provável que o Judiciário retire de Babi a curatela do marido e muito menos que a condene a pagar indenização por danos morais por quebra do dever de fidelidade. Ela afirma ainda que, para configurar uma união estável concomitante ao casamento seria necessário que Babi e Arlindo estivessem separados de fato, o que não ocorreu.

Segundo ela, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ser incabível o reconhecimento de união estável simultânea ao casamento, assim como a partilha de bens em três partes iguais a triacao.

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