Não fuja da tristeza: sentimento é importante, defendem especialistas; veja como lidar com ele

Sentimentos negativos têm uma função reguladora na saúde mental; entenda como abordar isso desde a infância

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Por Larissa Costa, especial para o Estadão

A virada do filme Divertidamente (2015) é o momento em que a protagonista, Riley, se permite ficar triste com as perdas que uma mudança de vida trouxe. Nesse ponto, de acordo com a visão da psicologia, o filme é certeiro: a tristeza é mesmo um sentimento importante. E, por mais contraditório que possa parecer, não se deixar ficar triste pode piorar as coisas.

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Foi com base nessa reflexão que o psiquiatra e professor Daniel Martins de Barros escreveu o livro O lado bom do lado ruim (Editora Sextante), no qual explica o papel das sensações negativas. “A tristeza é uma emoção que sinaliza a perda para nós”, define. “Ela engloba um conjunto de reações físicas e psicológicas”.

O que não percebemos no dia a dia é a função social desse sentimento nas relações. “As emoções são formas de recebermos informações do nosso entorno, e também de repassarmos informações para as pessoas”, afirma Barros.

A tristeza tem uma função importante na saúde mental.  Foto: LIGHTFIELD STUDIOS/Adobe Stock

De acordo com o psicólogo Jan Luiz Leonardi, a tristeza é uma emoção que nos ajuda a compreender melhor determinadas experiências. “Ela nos conecta com nossas necessidades e nos ajuda a dar mais valor ao que é realmente importante”, explica.

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“Por exemplo, quando sentimos tristeza por estar longe de alguém querido, isso nos lembra o quanto essa pessoa significa para nós. Ela também pode nos motivar a buscar apoio, a nos conectar com outras pessoas ou até mesmo a fazer mudanças”.

Não fuja da tristeza

Se na psicologia sentimentos de melancolia e infelicidade preenchem boa parte das sessões no divã, na filosofia essa emoção também tem muito destaque. Ela foi tratada por diversos pensadores, de Aristóteles (384 - 322 a.C.) a Friedrich Nietzsche (1844-1900).

Partindo do livro “Happycracia - fabricando cidadãos felizes”, a psicóloga e filósofa Regiane Lorenzetti critica o modo de pensar contemporâneo, que coloca a tristeza como uma derrota pessoal. “O neoliberalismo se ocupa de um sujeito produtivo, que precisa fazer até mesmo a própria felicidade”.

“O resultado de uma vida com tantas responsabilidades é um colapso social e psicológico”, assegura Regiane. “Essa busca pela felicidade tem como sintoma uma tristeza generalizada”.

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Por mais incômoda que a infelicidade seja, tentar reprimi-la ou ignorá-la pode trazer prejuízos. “Pesquisas sugerem que a supressão de emoções pode aumentar a ativação do sistema nervoso autônomo”, acrescenta Leonardi. “Isso pode levar a alterações fisiológicas que se manifestam como sintomas físicos, como dor crônica, tensão muscular, distúrbios gastrointestinais e fadiga”.

O “remédio”, de acordo com o psicólogo, é sentir. “Aceitar a tristeza não significa ficar preso a ela para sempre. É sobre dar espaço para que ela exista, aprender com ela e depois seguir em frente”.

Falando com crianças – e com nós mesmos

E se a infelicidade é parte corriqueira da vida, então já deveríamos estar habituados a ela, certo? Mas nem sempre é o que ocorre.

Para Barros, não só temos dificuldade em lidar com a tristeza como também em acolher e nomear o que sentimos. Para virar esse jogo, o psiquiatra aconselha a ensinar a função das emoções negativas desde a infância.

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“Você pode falar para a criança que ela está triste porque algo que foi perdido era importante, e como esse sentimento é uma forma de digerir a perda. E também ensinar que todas as emoções vêm e vão. Elas passam”, orienta.

Lygia Teresa Dorigon, psicóloga e psicoterapeuta de crianças e adolescentes, concorda. “Podemos conversar com as crianças sobre emoções que nos causam sensações agradáveis e outras, desagradáveis, mas tendo clareza de que todas têm uma função e são importantes”.

Além disso, a psicóloga reafirma que esse ensinamento ajuda crianças a entenderem melhor como se sentem e como estão reagindo. “Um indivíduo que se conhece está em uma posição privilegiada para gerenciar seus comportamentos e lidar melhor com as situações difíceis. Só somos capazes de lidar com o que conhecemos”.

Mas ainda temos um caminho a trilhar enquanto sociedade no sentido de sermos mais empáticos com nossas emoções. Lygia recorda ainda a distinção de gênero que se faz entre quem pode expressar determinado sentimento – ideia representada por frases como “homem não chora” ou “engole o choro”.

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“Nossa cultura não tem sido muito gentil com as nossas emoções. Há tanto uma tendência de classificar emoções como boas ou más, quanto uma ideia de que felizes são aqueles que estão sempre alegres e sorrindo, que não se aborrecem ou se entristecem”, analisa.

Quando se preocupar

Por fim, é sempre válido ressaltar: infelicidade constante e incontrolável não é algo normal.

“Se a tristeza começa a durar muito tempo, se fica tão forte que impede a pessoa de fazer coisas do dia a dia, ou se o indivíduo sente que nada mais o faz feliz, isso pode indicar que não é só uma emoção passageira, mas talvez parte de um problema maior, como a depressão”, diferencia Leonardi.

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Nesses casos, o conselho é um só: busque ajuda – de amigos, familiares e profissionais da saúde. “Ninguém deve enfrentar isso sozinho”, defende o psicólogo.

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