Nós últimos dois meses, acompanhamos um número crescente de casos de covid-19 em pacientes jovens, incluindo crianças. Não há evidências que comprovem uma segunda onda, tampouco dados que mostrem quando, e se, a primeira onda acabou. Ainda faltam dados epidemiológicos que comprovem esse começo, meio e fim. O que temos observado é um aumento gradativo de casos, porém com uma diminuição na taxa de mortalidade.
Possivelmente, essa queda aconteceu também em idosos. Isso pode ser provocado por vários motivos. Talvez, os idosos estejam contraindo menos o vírus SARS-CoV-2, ou estamos agora mais bem preparados, com mais conhecimento, para tratar pacientes mais velhos. Sabemos que tratamentos com cortisona e anticoagulantes podem ajudar em alguns casos. E que o antibiótico tem efeito adjuvante. Estamos também deixando de lado terapias duvidosas, pois já tivemos dados científicos para balizar os tratamentos. Antes, estávamos atendendo no escuro. Agora, já há mais evidências.
Conquistas científicas podem ajudar no tratamento médico da covid-19, mas a prevenção ainda é o melhor remédio. Os jovens, no entanto, parecem ainda não ter entendido a importância de manter o distanciamento social. Esse grupo de pessoas tende a colocar fé maior na medicina do que na sua própria conduta. Por que ser responsável e evitar aglomerações, usar máscaras e fazer a higiene frequente das mãos? Por que preciso disso se eu, quando ficar doente, não tenho uma doença mais grave?
Informações que se disseminaram no começo da pandemia sobre o prognóstico de jovens infectados ficaram no coletivo popular e geraram essa percepção de que não adoecem. Nem se preocupam em transmitir a doença. Talvez essa percepção seja consequência também de uma falta de exemplo de autoridades sanitárias e governamentais, sobre a forma correta de evitar a transmissão do vírus. Grandes eventos conduzidos sem o mínimo de segurança necessária se tornaram o normal, e não a exceção.
Há dois grandes desafios que precisam ser superados para que crianças e jovens entendam que essa pandemia afeta a todos, idosos e não-idosos iguais. O primeiro deles é a reabertura das escolas, para que possam ser ensinadas e compreendidas as normas de segurança. Isso acontecerá não só pelo aprendizado, mas também pelo exemplo de como essas grandes instituições estão operando. Escolas precisam abrir, senão seremos reféns da defasagem escolar por muitos e muitos anos. O ensino a distância não é uma solução a longo prazo, mas se não começarmos a respeitar as normas de segurança de forma mais responsável, ficaremos presos a esse modelo de ensino por muito mais tempo.
O segundo ponto de atenção é a falta de discernimento de jovens adultos ao se aglomerarem em bares, restaurantes, festas e baladas. Eles estão simplesmente ignorando os protocolos básicos de prevenção. Ouvimos falar em encontros agendados de forma clandestina, com lugares obscuros e não identificados – estratagemas para burlar o pedido coletivo de apoio à sociedade e respeitar as regras de segurança.
Sem preocupação em ser um possível transmissor do vírus para pessoas mais vulneráveis, esses jovens se lançam à sorte, procurando a sua alegria. Falhamos, ao educar nossa juventude a olhar ao próximo, a entender o interesse coletivo frente ao prazer pessoal.
Jovens são responsáveis, pelo menos em parte, pelo aumento de casos de covid-19 que observamos recentemente. Assintomáticos ou com sintomas leves, esses jovens negam-se a entender que podem ser o elo que leva o vírus a alguém menos afortunado.
Não acredito que ainda no primeiro semestre de 2021 teremos uma solução definitiva para a pandemia por meio da vacinação em massa. Isso é verdade principalmente entre os jovens, que não são públicos prioritários nesse processo de imunização. Também não sabemos se essa vacina trará uma imunidade a longo prazo. Por isso, evitar aglomerações e multidões pode vir a ser, de fato, o normal, mesmo diante de uma realidade em que existe uma vacina eficaz contra covid-19. Se a imunidade conferida pela vacina cair com o tempo, teremos que fazer novas ondas de vacinação, de forma contínua. À exemplo do que acontece com o vírus influenza, vamos descobrir com o tempo qual é a melhor forma de convivermos: vírus e sociedade.
Estamos hoje numa posição melhor do que estávamos há alguns meses. Temos algumas vacinas em desenvolvimento, porém muitas já se mostraram eficazes, pelo menos em avaliações controladas. Mesmo levando em consideração uma parcela da população que, por opção, não quer se vacinar, teremos um número relevante de pessoas vacinas e imunizadas – o suficiente para impedir a transmissão do vírus. Ter vacina é importante, mas ter uma população vacinada é o que nos tirará da pandemia. Enquanto isso, o controle da transmissão por meio da responsabilidade coletiva precisa ser o novo normal.
*Especialista em Doenças Autoimunes, PhD Imunologia Boston University, Prof. Livre Docente USP, Master American College of Rheumatology
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