Nova pesquisa sugere quatro fatores que podem aumentar os riscos de covid longa

Estudo ajuda a entender se paciente é propenso a sofrer sintomas da doença durante meses e encontrar maneiras de prevenir e tratar os casos

PUBLICIDADE

Por Pam Belluck
Atualização:

Um dos muitos mistérios sobre a covid longa é: quem está mais propenso a desenvolvê-la? Algumas pessoas são mais propensas do que outras a sofrer os sintomas físicos, neurológicos ou cognitivos que podem surgir ou permanecer meses após a eliminação de suas infecções por coronavírus?

PUBLICIDADE

Agora, uma equipe de pesquisadores que acompanhou mais de 200 pacientes por dois a três meses após o diagnóstico de covid relatou ter identificado fatores biológicos que podem ajudar a prever se uma pessoa desenvolverá covid longa.

O estudo, publicado na terça-feira pela revista Cell, encontrou quatro fatores que podem ser identificados no início da infecção por coronavírus e que parecem se correlacionar com o aumento do risco de sintomas duradouros semanas depois.

Leito de UTI para covid-19 no Instituto Emilio Ribas, em São Paulo; especialistas buscam melhorias no tratamento aos pacientes com covid-19 Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 24/3/2021

Os pesquisadores disseram que descobriram que há uma associação entre esses fatores e a covid longa (que atende pelo nome médico de sequelas agudas pós-covid-19, ou PASC, na sigla em inglês), independentemente de a infecção inicial ser grave ou leve. Eles disseram que as descobertas podem sugerir maneiras de prevenir ou tratar alguns casos de covid longa, incluindo a possibilidade de administrar medicamentos antivirais às pessoas logo após o diagnóstico de infecção.

Publicidade

“É a primeira tentativa realmente sólida de criar alguns mecanismos biológicos para enfrentar a covid longa”, disse o Dr. Steven Deeks, professor de medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que não esteve envolvido no estudo. Ele e outros especialistas, juntamente com os autores do estudo, alertaram que as descobertas são exploratórias e precisariam ser verificadas por mais pesquisas.

Ainda assim, Deeks disse: “Eles identificaram esses quatro fatores principais. Cada um é biologicamente plausível, consistente com as teorias que outras pessoas estão formulando e, mais importante, cada um é acionável. Se esses caminhos forem confirmados, nós, como clínicos, poderemos realmente projetar intervenções para ajudar as pessoas. A mensagem é esta”.

Um dos quatro fatores identificados pelos pesquisadores é o nível de RNA de coronavírus no sangue no início da infecção, um indicador de carga viral. Outro é a presença de certos autoanticorpos – anticorpos que atacam erroneamente os tecidos do corpo, como fazem em condições como lúpus e artrite reumatoide. Um terceiro fator é a reativação do vírus Epstein-Barr, um vírus que infecta a maioria das pessoas, geralmente quando jovens, e depois geralmente fica inativo.

O último fator é ter diabetes tipo 2, embora os pesquisadores e outros especialistas tenham dito que, em estudos envolvendo um número maior de pacientes, pode ser que o diabetes seja apenas uma das várias condições médicas que aumentam o risco de covid longa.

Publicidade

“Acho que esta pesquisa enfatiza a importância de fazer medições logo no início do curso da doença para descobrir como tratar os pacientes, mesmo que ainda não saibamos como usar todas essas informações”, disse Jim Heath, diretor investigador do estudo e presidente do Instituto de Biologia de Sistemas, uma organização de pesquisa biomédica sem fins lucrativos em Seattle.

“Quando você consegue mensurar algo, então você pode começar a fazer algo a respeito”, disse Heath, acrescentando: “Fizemos essa análise porque sabemos que os pacientes procuram os médicos dizendo que estão cansados o tempo todo, e os médico só dizem para eles dormirem mais. Não é uma coisa muito útil. Então, queríamos realmente ter uma maneira de quantificar e dizer que realmente há de errado com esses pacientes”.

O complexo estudo teve vários componentes e envolveu dezenas de pesquisadores em várias universidades e centros, incluindo o Instituto de Biologia de Sistemas, a Universidade de Washington e o Swedish Medical Center de Seattle, onde o principal autor do estudo, Dr. Jason Goldman, é especialista em doenças infecciosas.

O grupo principal de pacientes abarcou 209 pessoas, com idades entre 18 e 89 anos, que foram infectadas com o coronavírus durante 2020 ou início de 2021 e atendidas no Swedish Medical Center ou em uma clínica afiliada. Muitos foram hospitalizados por suas infecções iniciais, mas alguns ficaram apenas nos atendimentos ambulatoriais. Os pesquisadores analisaram sangue e amostras nasais quando os pacientes foram diagnosticados, durante a fase aguda de suas infecções e dois a três meses depois.

Publicidade

Eles pesquisaram os pacientes em cerca de 20 sintomas associados à covid longa, como fadiga, confusão mental e falta de ar, e corroboraram esses relatórios com registros eletrônicos de saúde, disse Heath.

Ele disse que 37% dos pacientes relataram três ou mais sintomas de covid longa dois ou três meses após a infecção. Outros 24% relataram um ou dois sintomas e 39% não relataram sintomas. Dos pacientes que relataram três ou mais sintomas, 95% tinham um ou mais dos quatro fatores biológicos identificados no estudo quando foram diagnosticados com covid-19, disse Heath.

O fator mais influente parece ser os autoanticorpos, que foram associados a dois terços dos casos de covid longa, disse Heath. Cada um dos outros três fatores apareceram em cerca de um terço dos casos, disse ele, e houve sobreposição considerável, com vários fatores identificados em alguns pacientes.

Os pesquisadores corroboraram algumas de suas descobertas em um grupo separado de 100 pacientes, muitos com infecções iniciais leves, a partir pesquisas lideradas pela Dra. Helen Chu, da Universidade de Washington. Os pesquisadores também compararam seus resultados com dados de 457 pessoas saudáveis.

Publicidade

“O estudo é grande e abrangente, é um ótimo recurso para a comunidade que estuda covid longa”, disse Akiko Iwasaki, imunologista de Yale, que não participou da pesquisa.

Dr. Avindra Nath, que é chefe da seção de infecções do sistema nervoso no Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame e não esteve envolvido no estudo, considerou o estudo bem planejado, mas apontou várias fraquezas, incluindo o fato de que os pacientes tinham sido acompanhados por apenas dois a três meses. “É um período muito curto”, disse ele. “Alguns pacientes podem apenas melhorar espontaneamente com o tempo”.

Iwasaki observou que 71% dos pacientes do grupo primário haviam sido hospitalizados, limitando a capacidade de concluir que os fatores biológicos eram igualmente relevantes para pessoas com infecções iniciais leves.

Uma conclusão convincente, disseram vários especialistas, foi a sugestão de que, como os pacientes com altas cargas virais no início geralmente desenvolvem covid longa, dar antivirais às pessoas logo após o diagnóstico pode ajudar a prevenir sintomas a longo prazo.

Publicidade

“Quanto mais rápido se eliminar o vírus, menor a probabilidade de desenvolver vírus persistente ou autoimunidade, o que pode levar à covid longa”, disse Iwasaki.

O fato de alguns pacientes terem reativado o vírus Epstein-Barr também fazia sentido, disse Nath, porque outras doenças despertaram esse vírus, e sua reativação foi associada a condições como esclerose múltipla e síndrome da fadiga crônica, à qual se assemelha a alguns casos de covid longa. Deeks disse que é possível tratar pacientes com vírus Epstein-Barr reativado com antivirais ou imunoterapia.

Há outras descobertas intrigantes que os especialistas disseram que precisam de mais comprovação. Uma delas foi uma sugestão de que, como as pessoas com problemas respiratórios persistentes tinham baixos níveis do hormônio do estresse cortisol, elas poderiam se beneficiar da terapia de reposição de cortisol, que Heath disse que alguns médicos já estavam tentando.

Cidade de SP encara expansão de pacientes internados com covid em leitos de terapia intensiva. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 22/12/2020

Em outra descoberta que ele disse que pode fornecer uma maneira de documentar que os sintomas neurológicos dos pacientes resultaram de covid longa, o sangue de pessoas com problemas neurológicos persistentes continha níveis elevados de proteínas associadas a ritmos circadianos e ciclos de sono/vigília interrompidos.

Publicidade

Um paciente no grupo principal do estudo foi John Gillotte, 40 anos, engenheiro de software que contraiu o coronavírus em março de 2020. Ele ficou internado com ventilador por cerca de seis dias, após os quais teve episódios de delírio ainda no hospital quando fechava os olhos.

“Eu vi o diabo, que tinha uns quinze metros de altura e ficava gritando comigo, jogando membros que ele desmembrava das outras pessoas”, lembrou Gillotte, que mais tarde tatuou uma imagem do demônio no braço direito, com representações do inferno abaixo e do céu acima, para simbolizar seu progresso da doença para a recuperação.

Gillotte, que se mudou de Seattle para Manhattan no ano passado, disse que por vários meses após a infecção experimentou fraqueza muscular, falta de resistência, névoa cerebral que prejudicava sua concentração no trabalho, olfato alterado e a percepção de que a maioria dos alimentos tinha gosto de cinzas.

Ele disse que, antes da covid, tinha uma capacidade espontânea de visualizar cores específicas a partir de certos alimentos – rosa quando polvilhava pimenta, azul com um tipo de licor – mas agora está triste por ter perdido essas conexões automáticas.

Publicidade

Gillotte disse que não tem diabetes e não sabia se tinha os outros três fatores, porque os pesquisadores disseram que o protocolo do estudo os impedia de divulgar dados sobre os participantes.

Heath, no entanto, observou que Gillotte fora reinfectado com o coronavírus em outubro de 2020, o que pode refletir uma teoria que surgiu de seu estudo: pacientes com níveis mais altos de autoanticorpos têm níveis mais baixos de anticorpos protetores contra o coronavírus, o que possivelmente os deixa mais vulneráveis à reinfecção.

Deeks disse que níveis mais baixos de anticorpos protetores também podem ser um caminho que leva a sintomas de longo prazo. “Se você não tem uma boa resposta de anticorpos, não elimina o vírus; você tem mais vírus por aí, e isso leva a uma covid mais longa”, disse ele.

Ainda assim, Heath disse que, no geral, a pesquisa mostrou que os quatro fatores biológicos se cruzaram e se sobrepuseram, sugerindo que pode haver maneiras relativamente diretas de prevenir a covid longa desde o início. Meses depois, “todos esses sintomas vagos ficam muito difíceis de rastrear, porque você meio que perdeu essa informação. Mas se você olhar para trás, para quando esses sintomas são acionados pela primeira vez, parece que o quadro fica gerenciável”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.