Números de dengue podem incluir zika

Suspeita de especialistas tem por base surto inédito em anos seguidos e com mesmo subtipo; sintomas semelhantes dificultam

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BRASÍLIA - O crescimento dos indicadores de dengue neste ano pode ter como causa não apenas o maior vigor na transmissão da doença, mas um erro de diagnóstico. Diante da tríplice epidemia enfrentada pelo País, com vários Estados apresentando simultaneamente infecções por dengue, zika e chikungunya, não está descartada a hipótese de que as duas últimas, que chegaram mais recentemente ao País, estejam sendo relatadas como casos de dengue.

Boletim divulgado pelo Ministério da Saúde mostra que, em 21 dias, o número de casos de dengue duplicou. Até o dia 27 de fevereiro, haviam sido identificados 396.582 pacientes com suspeita da infecção. No dia 6, eram 170.103 registros.

Réplica gigante do mosquito Aedes aegypti, transmissor de dengue, zika e Chikungunya, chama atenção de quem passa pela calçada do parque Trianon, na Avenida Paulista, em São Paulo Foto: J. DURAN MACHFEE|Futura Press

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A explosão surpreendeu especialistas. Os números de 2016 são ainda maiores do que os registrados ano passado, quando a epidemia atingiu seu recorde. Essa tendência de aumento em dois anos seguidos nunca havia sido notada. Desde que o vírus da dengue foi identificado, na década de 1980, não se vê uma epidemia de grandes proporções em anos subsequentes. 

“Depois de um ano de grande número de casos, tradicionalmente há uma retração nos dados”, observa o diretor de Vigilância em Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch. Outro fator que chama a atenção é o vírus circulante. A dengue apresenta quatro subtipos de vírus. “Dificilmente temos duas epidemias seguidas, causadas pelo mesmo sorotipo”, diz o diretor. Os dados apontam que, até agora, a epidemia de 2016 é provocada sobretudo pelo subtipo 1, o mesmo de 2015.

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Sintomas. Esses dois fatos associados sugerem a possibilidade de que casos relatados de dengue sejam de zika. “No caso da chikungunya, a diferenciação é mais fácil, porque há também um comprometimento das articulações, com fortes dores, que podem tornar-se crônicas”, comenta o coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, Giovanini Coelho. 

O mesmo não ocorre com zika e dengue. Além de compartilhar o vetor, o Aedes aegypti, as infecções provocam sintomas que, de forma geral, são semelhantes. Um dos artifícios usados para diferenciação era levar em consideração a circulação do vírus em determinada região. Essa ferramenta, no entanto, caiu por terra, uma vez que, em pouco tempo, a zika se espalhou por território nacional.

O teste laboratorial, feito para dengue, também pode apresentar resultados indefinidos. “Como tanto dengue quanto zika são arbovírus, há um risco de uma infecção por zika provocar resultado falso positivo para dengue”, explica Coelho.  O professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás, João Bosco Siqueira Júnior, concorda. “Não há dúvida de que há risco de erro nas notificações. Daí a importância da vigilância epidemiológica, da investigação dos casos. Com testes específicos podemos verificar, em um espaço de tempo razoável, o que de fato está ocorrendo.”

Tratamento. O coordenador do Programa de Dengue do Ministério da Saúde observa, no entanto, que a confusão sobre as doenças não causa, no primeiro momento, um dano para o paciente. “A orientação e o tratamento são iguais”, conta. A atenção maior é por causa das recomendações para gestantes: o Ministério da Saúde relaciona a transmissão do zika durante a gestação ao aumento de casos de microcefalia.

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Vírus mutante e microcefalia. O vírus da zika passou por uma mutação e, por isso, provoca microcefalia. É o que aponta um estudo feito por pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e divulgado neste domingo, 3, pelo programa Fantástico, da TV Globo.

Segundo a pesquisa, o vírus zika registrado atualmente no Brasil é muito mais agressivo do que o original, de Uganda. Ele se mostra capaz de entrar no sistema nervoso central com mais facilidade. “O original, africano, infecta e destrói células, enquanto o nosso altera a diferenciação celular”, afirmou à TV Globo o virologista Amilcar Tanuri.

De acordo com o estudo, o vírus interrompe a embriogênese - processo de criação dos diversos tecidos. A infecção impede que as células-tronco se transformem em neurônios. Na prática, os cérebros dos bebês não crescem.

Conforme a cientista Adriana Melo, uma das primeiras a relatar casos de microcefalia no Nordeste, a tese comprova o que se imaginava. “Isso mostra que não é um vírus qualquer, ganhou uma agressividade única.” No trabalho, os cientistas da UFRJ não conseguiram precisar como ocorreu a mutação.

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Focos. Os indicadores oficiais deixam claro haver ainda um grande número de criadouros do mosquito Aedes aegypti em atividade. Isso ocorre mesmo após ações de combate ao vetor, que tiveram início no ano passado, quando o número de casos de microcefalia aumentou de forma expressiva, levando a uma mobilização nacional. Em dezembro, lançou-se até um mutirão para visitar todas as residências do País. Salas de situação foram montadas e se mobilizaram desde agentes de saúde até as Forças Armadas.

“Mas as altas temperaturas registradas em 2015 propiciaram o aumento dos criadouros”, alega o diretor da Vigilância Cláudio Maierovitch. Já o coordenador do programa de dengue, Giovanini Coelho, cita o ciclo de vida do mosquito. “Esperamos que os casos comecem a cair na primeira quinzena deste mês.”

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