Não tem jeito, a partir dos 30 anos de idade começamos a enfrentar o declínio das funções fisiológicas, o que traz impactos negativos em todos os sistemas do organismo. Isso engloba as chamadas funções condicionantes, que envolvem força e resistência aeróbia, e as coordenativas, ou seja, ligadas à agilidade e ao equilíbrio. E esse comprometimento vai ficando mais acentuado com o envelhecimento.
Mudanças hormonais também dão as caras, alterando aspectos como as características das fibras musculares. Além disso, o organismo vai perdendo a habilidade de responder a fatores estressores, como os exercícios físicos. Na prática, há maior dificuldade de elevar os batimentos cardíacos, restabelecer a postura e contrair os músculos, por exemplo.
Essas perdas aumentam a possibilidade de lesões e fazem com que a pessoa idosa corra um maior risco de ter sua autonomia funcional reduzida, inclusive para atividades simples do dia a dia, como subir escadas e levantar de uma cadeira.
“Mas esse contexto é muito diferente para quem pratica exercícios físicos regularmente, o que minimiza os efeitos típicos do processo de envelhecimento”, afirma Nádia Lima, professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisadora do Laboratório de Atividade Física e Promoção da Saúde e Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Exercício e Saúde do Idoso, ambos ligados à UERJ.
Isso significa que a pessoa vai chegar a idades mais avançadas sofrendo menos com o impacto desse processo degenerativo, afinal, terá mais força muscular, ossos resistentes, coordenação motora preservada e um melhor condicionamento cardiorrespiratório.
“Com isso, há uma grande diferença na independência e na qualidade de vida de um indivíduo que sempre teve o costume de treinar e um destreinado, assim como na forma de prescrevermos treinos para os dois casos”, diz Nádia.
Indicação do treino não depende da idade do praticante
O volume e a intensidade dos exercícios em fases mais avançadas da vida dependem muito mais das capacidades funcionais e cardiorrespiratórias da pessoa do que da sua idade.
“Já tive alunos de 50, 60 e até 70 anos com menos fraqueza muscular, mais capacidade cardiorrespiratória e padrão de movimento menos prejudicado do que outros de 40 anos”, comenta Everton Crivoi do Carmo, educador físico, doutor em ciências do esporte e responsável pela preparação física no Espaço Einstein Esporte e Reabilitação, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Então, em resumo, quem já é praticante de atividade física não tem que mudar o treino nem reduzir a intensidade ou volume por causa da idade – a não ser que as condições físicas e clínicas exijam alguma adaptação. Como esse indivíduo está mais habituado a ver como seu corpo reage diante de estímulos, consegue se autorregular melhor, notando se fica mais cansado após certa quantidade de exercício ou se não está mais rendendo tão bem com determinado nível de carga.
Para quem sempre investiu mais em exercícios aeróbicos – como caminhada, corrida e natação –, vale destacar que eles seguem essenciais, já que ajudam a manter o fôlego. Mas é preciso reservar tempo também para os exercícios de força, a exemplo de musculação e pilates. Isso porque eles são essenciais para ajudar a controlar e reverter a perda de massa muscular característica do avançar da idade. De acordo com o Guia de Atividade Física da População Brasileira, do Ministério da Saúde, as atividades de fortalecimento e equilíbrio devem ser realizadas de duas a três vezes por semana em dias alternados. Dessa maneira, é possível preservar a capacidade de fazer as atividades diárias e prevenir quedas.
Agora, se o indivíduo nunca praticou exercícios de forma regular, o primeiro recado é: sempre é tempo de começar. Mas, claro, alguns cuidados são necessários, sobretudo em idades mais avançadas. É preciso avaliar, por exemplo, o padrão de movimentação, se a pessoa tem fraqueza muscular acentuada, se consegue fazer os gestos de forma integrada e se é capaz de sustentar a postura corretamente. Tudo isso ajuda a determinar o melhor tipo de atividade. Esses fatores também são decisivos para o professor definir se o ideal é apostar nas máquinas, que oferecem mais suporte ao corpo, ou nos pesos livres, além de nortear a escolha da carga mais segura.
No que diz respeito ao trabalho cardiorrespiratório, representado pelas modalidades aeróbicas, é imprescindível respeitar o limite do aluno em relação à intensidade inicial e evolução do treino.
“Grande parte dos problemas acontece por progressão inadequada do volume ou da intensidade. Se a pessoa não fazia nada e começa a andar durante uma hora todos os dias, por exemplo, vai gerar sobrecarga nas estruturas ósseas e articulares, sem que haja tempo para que o corpo se acostume ao estresse provocado pelo exercício. Isso é ainda mais arriscado no caso dos idosos, que têm adaptação mais lenta”, diz Carmo.
Apesar disso, o especialista ressalta que é importante que as pessoas mais velhas não deixem de treinar por medo de lesões. Segundo ele, se a orientação for correta, levando em conta ajustes em aspectos como padrão de movimento, carga, volume, repetições e frequência, não é tão comum se machucar. “Um processo inflamatório que aparece depois de uma série de musculação, por exemplo, provavelmente já estava instalado, só não tinha sido descoberto porque a pessoa não fazia nada fisicamente”, raciocina. Ele diz que esse tipo de problema pode ser disparado por outras situações, como levantar uma sacola ou pegar o neto no colo.
Leia também
Para além de caminhada e musculação
Segundo Nádia, para que o processo fique ainda mais completo, é interessante que sejam incluídos no treinamento físico das pessoas com idades mais avançadas diferentes estímulos, desses que vão além dos tradicionais exercícios de força e de resistência. Afinal, é interessante realizar atividades para aprimorar a capacidade funcional e cognição, que também passam por um processo degenerativo.
Os exercícios funcionais são boas pedidas, assim como aqueles chamados de “dupla tarefa”, quando a pessoa realiza duas atividades que devem ser coordenadas simultaneamente – a primeira geralmente é postural e a segunda, cognitiva, motora ou motora-cognitiva. Alguns exemplos: andar batendo uma bola no chão ou manter o corpo em uma determinada posição, contraindo a musculatura do abdômen, enquanto realiza um movimento diferente com os braços ou as pernas.
De qualquer forma, as avaliações clínicas e físicas do aluno precisam estar em dia para que o professor possa ter segurança na hora de prescrever os exercícios e planejar as aulas em função das suas necessidades. “Todos podem e devem se exercitar, mas os limites individuais precisam ser sempre respeitados”, afirma Nádia.
A professora ressalta que o ideal é se manter fisicamente ativo ao longo de toda a vida, já que isso aumenta a chance não só de vivermos mais, mas de preservamos a autonomia e a saúde em geral em idades mais avançadas. “Mas nunca é tarde para começar e conquistar os benefícios promovidos pela prática regular de exercícios físicos”, frisa.
Independente do quanto a pessoa já está acostumada a se exercitar, há mais cuidados relevantes na terceira idade para garantir que a malhação seja segura e só traga benefícios, como destacado no guia do Ministério da Saúde. Confira:
- Procure fazer atividade física em ambientes seguros e iluminados;
- Se tiver alguma lesão prévia ou sentir um desconforto fora do normal, procure um médico;
- Verifique se os seus pés apresentam ferimentos antes ou após a prática de atividade física. Observe se as meias ou os calçados têm manchas que podem indicar alguma lesão. Bolhas ou marcas vermelhas podem exigir cuidados especiais;
- Quando estiver sentado ou deitado, levante-se devagar, o que ajuda a prevenir tonturas, desequilíbrios e quedas;
- Quem usa óculos, aparelhos auditivos ou muletas não deve se esquecer de recorrer a eles também durante a atividade física;
- O grupo que sofre com pressão alta, diabetes, asma ou está muito acima do peso deve ter o aval do médico para começar a prática e respeitar seus limites, aumentando a intensidade gradativamente.
- É importante ter em mente que o sono e a alimentação adequada são parte do sucesso da prática de exercícios.
Combate ao comportamento sedentário
No Guia de Atividade Física para a População Brasileira, os autores chamam a atenção para o fato de que é imprescindível incluir mais movimentação no dia a dia, fora dos horários dedicados exclusivamente aos exercícios físicos.
“Sempre que possível, reduza o tempo em que você permanece sentado ou deitado assistindo à televisão ou usando o celular”, orientam os pesquisadores. A ideia é se movimentar por pelo menos cinco minutos a cada uma hora de comportamento sedentário. “Aproveite para mudar de posição e ficar em pé, ir ao banheiro, beber água e alongar o corpo”, sugere o documento.
De acordo com os autores, essas pequenas atitudes também fazem a diferença para a qualidade de vida.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.