O que a insuficiência de vitamina D tem a ver com a gordura abdominal?

Pesquisa de cientistas brasileiros e britânicos mostra que células adiposas ‘sequestram’ nutriente do sangue; falta da substância pode levar a problemas no sistema imune

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Por Maria Fernanda Ziegler
Atualização:

Agência FAPESP - Um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com a University College London (Reino Unido), mostrou, pela primeira vez, que o acúmulo de gordura abdominal é um fator de risco para insuficiência e deficiência de vitamina D em pessoas com mais de 50 anos. Considerada um hormônio, a vitamina D desempenha diversas funções no organismo e sua carência pode acarretar diversos problemas, como na absorção de cálcio e fósforo e no funcionamento do sistema imune.

”Tanto a obesidade abdominal quanto a insuficiência e deficiência de vitamina D são questões prevalentes na população idosa. No entanto, com esse estudo mostramos que é a gordura abdominal que aumenta o risco de insuficiência e deficiência de vitamina D e não apenas a relação inversa, como alguns estudos já haviam demonstrado. Não estamos descartando que a vitamina D levaria à obesidade, apenas demonstrando que o acúmulo de gordura abdominal também é uma via para a carência dessa vitamina”, afirma Tiago da Silva Alexandre, professor de Gerontologia da UFSCar e autor do estudo publicado na revista Nutrients.

Tomar sol é a maneira de manter níveis adequados de vitamina D no corpo Foto: Fabio Motta/Estadão

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O trabalho envolveu a análise de um banco de dados de 2.459 britânicos com mais de 50 anos acompanhados por quatro anos. Os participantes da pesquisa integram o projeto English Longitudinal Study of Aging (ELSA), estudo longitudinal conduzido na Inglaterra que coleta dados multidisciplinares de uma amostra representativa da população inglesa. A análise contou com o apoio da Fapesp.

Para verificar a correlação entre os dois fatores, os pesquisadores selecionaram participantes do projeto ELSA com mais de 50 anos e que apresentavam taxas normais de vitamina D (maiores que 50 nmol/L). Os participantes foram divididos em dois grupos: um com pessoas com pouca gordura abdominal e outro, com acúmulo de gordura no abdômen (circunferência de cintura maior que 102 cm para homens e maior que 88 cm para mulheres).

”Ao avaliar o índice de vitamina D desses indivíduos quatro anos depois da primeira coleta de dados, verificamos que aqueles que apresentavam obesidade abdominal tinham 36% mais risco de desenvolver insuficiência e 64% mais risco de deficiência de vitamina D, quando comparado com o grupo que não tinha obesidade abdominal”, diz Alexandre.

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No estudo, pessoas consideradas com insuficiência de vitamina D apresentavam taxas entre 30 e 50 nmol/L da substância na corrente sanguínea, enquanto a deficiência estava configurada para aqueles que tinham menos de 30 nmol/L de vitamina D.

Segundo Alexandre, pesquisas anteriores já haviam relacionado a falta de vitamina D com o desenvolvimento da obesidade. “No entanto, são estudos baseados em medidas de Índice de Medida Corporal (IMC), que usam dados de peso e altura, dão uma análise global da obesidade e são muito imprecisos. Porém, a pergunta que fica é como tantos países com alta ou baixa incidência solar têm prevalência muito grande de deficiência de vitamina D. A resposta é porque existe alta prevalência de obesidade”, diz o pesquisador.

A obtenção de vitamina D se dá, sobretudo, por meio da luz solar. Isso porque é nas camadas mais profundas da pele que uma substância precursora da vitamina D fica armazenada. Quando a pele é exposta ao sol sua estrutura é modificada e, por meio de vários processos metabólicos, a vitamina D é convertida em sua forma ativa que passa a circular pelo organismo e realizar várias funções.

Alexandre explica que, ao longo do processo de envelhecimento, são naturais mudanças na composição corporal, como o maior acúmulo de gordura na região do abdômen. Além disso, é comum diminuir a espessura da pele e, por consequência, menor disponibilidade da substância precursora da vitamina D na epiderme, assim como menor capacidade de síntese da forma ativa dessa vitamina.

”Por isso, no nosso estudo, utilizamos medidas de circunferência abdominal, uma medida prática e acessível que verifica o acúmulo de gordura no abdômen e é mais precisa que o IMC, por exemplo”, afirma.

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Outra modificação apontada com o envelhecimento é a diminuição de receptores de vitamina D nos tecidos corporais, o que dificulta a captação da vitamina circulante no organismo. Mas, ressalta o estudo, o acúmulo de gordura abdominal tem papel importante no “sequestro” da vitamina D circulante na corrente sanguínea.

“Ao analisarmos as células de gordura dessas pessoas, é possível observar que as enzimas da vitamina D estão baixas. Isso acontece porque um receptor da vitamina D (VDR) passa a capturar a vitamina D que está na corrente sanguínea. Isso ocorre como forma de compensar o baixo nível de enzimas na célula de gordura”, diz Thais Barros Pereira da Silva, aluna de iniciação científica e primeira autora do estudo.

Segundo ela, é como se o tecido adiposo “sequestrasse” o nutriente. “O que faz com que haja menor biodisponibilidade de vitamina D nos exames de sangue, como vemos. É esse processo que vai acarretar insuficiência ou até deficiência de vitamina D”, acrescenta ela.

Alexandre ressalta que o estudo reforça a necessidade de políticas públicas para a prevenção e o enfrentamento tanto da obesidade quanto da carência de vitamina D na velhice.

O trabalho Is Abdominal Obesity a Risk Factor for the Incidence of Vitamin D Insufficiency and Deficiency in Older Adults? Evidence from the ELSA Study pode ser lido aqui.

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