“Ele ouve mais do que nós todos, sente mais o tato que nós todos, sente mais cheiro”, foi o que relatou a apresentadora Giovanna Ewbank sobre o filho Bless, de 8 anos, durante o seu podcast “Quem Pod, Pod” que compartilha com a atriz Fernanda Paes Lemes nesta terça-feira, 24. Em uma conversa sobre comportamento dos filhos, com o convidado Manoel Soares, Giovanna a chorou ao relatar a descoberta de uma síndrome sensorial do filho.
O que inicialmente aparentava ser um grau de autismo para a mãe, que não compreendia as ações do filho, na verdade se tratava de um Transtorno do Processamento Sensorial (TPS). Atitudes como não se sentir confortável em pisar na grama, se incomodar com o cheiro de cebolas e ouvir moscas de maneira mais alta mesmo distantes inicialmente fizeram Giovanna acreditar que se tratava de “frescura”, mas após descobrir o diagnóstico a atriz se sentiu culpada por não compreender as reclamações da criança.
A condição tem diagnóstico mais comum em crianças e ocorre quando o sistema nervoso não interpreta os estímulos sensoriais de maneira eficiente. Dessa forma, estímulos como luzes, cheiros e sons, são capazes de sobrecarregar o cérebro ou o atingirem de forma lenta.
Alguns casos podem ser diagnosticados na vida adulta, em situações adquiridas como uma hidrocefalia, tumor cerebral, acidente vascular cerebral ou trauma de crânio. Nesses casos, durante o processo de recuperação do paciente pode ser possível identificar esse déficit neurológico que antes não havia. Todos os casos podem ser tratados.
Apesar de ser muito associado a outros diagnósticos, tais quais transtorno do espectro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) e síndrome do X frágil, uma pessoa com TPS pode não ter outras condições clínicas. Um artigo publicado na revista Elsevier mostra que o transtorno afeta de 5 a 16% da população sem condições clínicas e de 30 a 80% em pessoas com diagnósticos específicos.
Por isso é necessário a busca de um profissional que descarte outros problemas, é o que alerta o neurologista e professor livre docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Fernando Gomes. “Nem todo mundo que tem esse problema pode ser rotulado como portador do espectro autista”.
Fernando também explica que a condição pode comprometer o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. “Se não tiver alguém que preste atenção nisso e a ajude a modular o sistema nervoso, a criança pode até ficar com uma nutrição deficiente.”
Quais são os sintomas?
Os sintomas que afetam pessoas com TPS são diferentes para pessoas que possuem maior sensibilidade ou pouca sensibilidade, ou seja, tem o cérebro sobrecarregado de estímulos ou recebe com um pouco de atraso. As duas formas fazem parte do transtorno, devem ser observadas, e em caso de identificação ir em busca de um pediatra como porta de entrada. Caso se observe algo mais assertivo do sistema motor e neurológico, deve-se procurar um neuropediatra.
Para pessoas com hipersensibilidade existem características comuns que podem se juntar a dificuldades motoras como dificuldade para segurar coisas. São:
- Medo de brincadeiras em balanços;
- Incômodo com a claridade;
- Ânsia de vômito para comidas com texturas diferentes do que estão acostumados;
- Pouca habilidade motora;
- Dificuldade de andar descalço em local com areia;
- Dificuldade de molhar a cabeça no banho;
- Problemas comportamentais;
- Percepção de sons muito alta e aversão a ambientes muito barulhentos;
- Sentir toques delicados de forma abrupta;
- Sentimento de que o tecido da roupa causa coceira ou ardência.
Em pessoas mais velhas, a doença pode desenvolver baixa autoconfiança, e acabar levando ao isolamento social ou depressão.
Já para pessoas com hiposensibilidade, os sintomas comuns são:
- Problemas para dormir;
- Preferem grandes ruídos e sons altos;
- Gostam de estímulos mais intensos como pular e girar;
- Procuram estimulação visual (como aparelhos eletrônicos);
- Não percepção do rosto sujo ou o nariz escorrendo;
- Conseguem ficar rodando sem ficarem com tontura;
- Mastigam coisas (incluindo as próprias mãos e roupas);
- Inquietação.
O transtorno não tem cura, mas existem tratamentos
O transtorno de processamento sensorial não é uma condição curável, mas tratamentos podem ser realizados para amenizar a sensibilidade ainda na infância e ajudar no crescimento saudável e com percepções menos ruins que a permitam ter uma vida normal. O principal acompanhamento a ser feito é com uma terapeuta ocupacional que irá trabalhar na neuroplasticidade da pessoa condicionada. O trabalho estimula o cérebro a se adaptar a uma nova situação, modulando o sistema nervoso e ensinando ele a diminuir a percepção frente a um estímulo que possa ser incômodo.
A terapia contém técnicas de exposição lenta e progressiva que podem ajudar no desenvolvimento saudável da criança em dificuldade com texturas de alimentos necessários para sua nutrição, se adaptar a ambientes que antes poderiam ser incômodos, ou até coisas mais simples como pisar na areia da praia.
Além disso, é recomendado que também seja feito um acompanhamento psicológico para lidar com questões como depressão e bullying, que são comuns de ocorrer no caso de quem possui a condição, e também com fonoaudióloga para lidar com a percepção dos sons. Para o neurologista Fernando Gomes, ir atrás de um neuropediatra precocemente, ao invés de repreender atitudes incomuns, pode evitar muitos problemas no desenvolvimento infantil e trazer mais tranquilidade para a vida adulta dessa criança. Mas ele alerta que é importante buscar o diagnóstico correto e pode não ser um processo rápido. “De repente você compra um rótulo de diagnóstico que você não tem”, salienta para casos como diagnósticos de TDAH ou TEA, que muitas vezes podem ser um transtorno de hipersensibilidade.
A dica para os pais que lidam com os comportamentos incomuns é atuar com o reforço positivo e buscar sempre entender o que vem por trás das atitudes e negativas da criança. “Antes de ser enérgico, leve em consideração que outras coisas podem estar acontecendo”, diz, acrescentando que até a busca por telas luminosas pode ser necessidade de estímulos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.