Você provavelmente já deve ter visto propagandas na internet e nas redes sociais com diferentes profissionais (inclusive médicos) oferecendo a aplicação de soros na veia com vitaminas, minerais, entre outras substâncias com a promessa de vários benefícios, como melhorar a pele, fazer o cabelo crescer, aumentar a energia e a disposição, reduzir o estresse, turbinar o rendimento físico e até mesmo fortalecer a imunidade. O procedimento, popularmente chamado de “soroterapia” ou de “soro da beleza”, a depender do apelo, tem preocupado profissionais da saúde por não ter evidências científicas que comprovem a sua eficácia para essas finalidades. Mais do que isso: não existe garantia de segurança. Inclusive, há risco de intoxicação e até de morte, caso seja feito sem supervisão médica e indiscriminadamente.
É importante ressaltar que a suplementação endovenosa de nutrientes não é uma novidade na medicina – esse tipo de prescrição terapêutica existe há décadas e tem indicações específicas e bem estabelecidas.
Ela é usada, por exemplo, para situações em que uma pessoa não responde bem à suplementação oral; quando a via digestiva do indivíduo não é acessível (caso de muitos pacientes internados em UTI); ou se a via digestiva não absorve os nutrientes adequadamente, como pode ocorrer após cirurgia bariátrica desabsortiva ou quando se convive com doenças inflamatórias intestinais. Pessoas que estão com quadros agudos de desidratação também podem se beneficiar do soro de vitaminas.
“As indicações da suplementação endovenosa de vitaminas são bem precisas. O indivíduo saudável, que está em bom estado geral e consegue se alimentar espontaneamente, além de ter um aparelho digestivo íntegro, com sistema de mastigação e deglutição funcionando, não precisa fazer qualquer tipo aporte nutricional por via endovenosa. Essa aplicação é indicada somente para algumas situações agudas e crônicas, onde há incapacidade de absorção dos nutrientes necessários por via oral”, explica o endocrinologista Clayton Macedo, que coordena o Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte do Hospital Israelita Albert Einstein e o ambulatório de Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na internet, a lista dos supostos benefícios da soroterapia para pessoas saudáveis é enorme. É possível encontrar sites que oferecem diversas opções de “cardápios de soros”, como soro detox, antiestresse, para emagrecimento, antifadiga, antienvelhecimento, antidepressivo, contra dor, para dar tônus muscular, turbinar o cérebro e a energia, e até soro para fertilidade. Os preços variam bastante, porque dependem dos nutrientes incluídos na mistura, mas partem de R$ 150 e podem chegar a R$ 600 por ampola.
“O nome correto desse procedimento é suplementação injetável. O nome ‘soroterapia’ é absolutamente comercial e inventado para dar uma falsa impressão para os consumidores de que isso é uma terapia e vai resolver vários problemas por si só. Mas isso não é verdade”, alerta a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora do Departamento de Fitoterápicos e Nutrocêntricos da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
A preocupação com a disseminação desse tipo de prática fez a Abran se posicionar e emitir uma nota oficial contra o uso da soroterapia com fins estéticos e sem acompanhamento médico específico. “Quero deixar claro que não existe nada antiético em receitar a suplementação injetável de nutrientes em tratamentos médicos estéticos de pacientes que, por exemplo, têm baixo aporte de proteínas e vão passar por uma cirurgia plástica. Mas essa finalidade estética não é a mesma coisa que oferecer o ‘soro da beleza’ para melhorar a pele ou o cabelo”, diferencia Marcella.
Marcella ressalta ainda que a suplementação por via endovenosa é uma prática regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Assim, para que uma pessoa receber algo por via venosa, obrigatoriamente ela precisa ter uma prescrição médica e acompanhamento de um médico responsável. Além disso, a aplicação precisa ser feita em ambiente hospitalar ou em uma clínica que foi adaptada e regulamentada para esse tipo de prática.
“Isso não pode ser feito em salão de beleza, em uma clínica de estética ou mesmo num consultório que tenha uma sala com uma maca para exame físico. É preciso ter um local próprio para a infusão de suplementos endovenosos, com um médico responsável e equipe treinada para isso. As pessoas precisam estar atentas a isso. Existe a possibilidade de aplicar injeções de vitaminas por via intramuscular ou subcutânea com menos requisitos e exigências, mas o que tem sido oferecido indiscriminadamente é a soroterapia endovenosa”, alerta a nutróloga.
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Principais riscos
Apesar de parecer inofensiva, a infusão na veia de vitaminas e outros nutrientes sem indicação e acompanhamento adequados pode causar infecção no local da punção venosa, alergias, intoxicações de graus diferentes, alterações de ritmo cardíaco e até levar à morte – no ano passado, uma mulher de 32 anos, que estava grávida de oito meses, morreu após receber uma injeção de vitaminas que foi aplicada supostamente para aumentar a sua imunidade.
O endocrinologista Macedo destaca também que, apesar de as farmácias de magistrais (de manipulação) poderem produzir os soros por meio das prescrições médicas – os médicos têm autonomia para isso –, os soros mais consagrados e usados oficialmente já existem comercialmente: eles têm bula, forma correta de administrar e velocidade específica de gotejamento.
“A banalização da terapia endovenosa nos preocupa muito porque essa é uma estratégia terapêutica que não é totalmente isenta de riscos. A via endovenosa é uma via nobre de entrada de nutrientes e os suplementos injetáveis estão cada vez mais modernos, mais seguros e mais acessíveis. Porém, não fazemos soroterapia, fazemos suplementação injetável”, reforça a nutróloga Marcella.
Marcella destaca que existem detalhes técnicos para a produção de um soro de nutrientes, inclusive na ordem do que é colocado dentro da mistura. “É preciso respeitar a ordem do pH, senão a substância precipita e causa riscos de fazer embolia. Não podemos colocar substâncias que sejam lipossolúveis no soro, porque eles precisam ser injetados via intramuscular. São detalhes que podem passar totalmente desapercebidos por pessoas leigas que não estão habilitadas para isso e, aí, os riscos aumentam”, emenda.
Os especialistas ressaltam que a melhor forma de repor nutrientes é manter uma alimentação adequada e equilibrada, rica em vitaminas, minerais e outros compostos bioativos. Além disso, manter um estilo de vida saudável, com a prática regular de atividade física, uma boa noite de sono e com controle de fatores de risco também são essenciais para manter uma boa imunidade.
Quando houver algum déficit de vitamina ou mineral, o médico ou nutricionista podem prescrever uma suplementação (oral ou endovenosa), mas isso deve ser feito de maneira pontual e individualizada, dentro das necessidades de cada pessoa – nunca indiscriminadamente.
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“Todas as aplicações de polivitamínicos ou de outras substâncias para fins estéticos, de performance ou de imunidade não têm evidências cientificas nenhuma. O que temos notado nas redes sociais é uma proliferação da pseudociência e desse comércio de saúde. O objetivo é puramente econômico, e o paciente tem pouco ou nenhum benefício com esse soro. Fica o alerta de que isso é um ‘xixi caro’. A população deve usar essa via de acesso somente quando estiver realmente impossibilitada de absorver os nutrientes ou utilizá-los por via oral”, alerta Macedo.
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também critica o uso indiscriminado da suplementação injetável de vitaminas, especialmente com a promessa de fins estéticos. A entidade ressalta a falta de evidências científicas que garantam a segurança do procedimento em pessoas saudáveis, que não precisam de suplementação vitamínica e alerta para o risco de toxicidade de níveis variados e até de morte com o emprego de doses suprafisiológicas.
“Nos últimos anos, observamos uma crescente divulgação de novos métodos terapêuticos baseados no emprego de suplementos, como vitaminas, minerais, aminoácidos e outros compostos, para fins estéticos sem evidências clínico-científicas que comprovem a sua segurança e eficácia. A soroterapia não faz parte do rol de procedimentos do médico dermatologista”, completa o dermatologista Sérgio Palma, coordenador de comunicação da SBD.
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